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1 FORMAÇÃO DO PORTUGUÊS POPULAR DO BRASIL: SÓCIO-

2.5 OS CAMINHOS DA PESQUISA

2.5.4 A escolha dos informantes

Após a escolha dos bairros a serem investigados, partiu-se para a seleção dos informantes, e a principal questão a ser resolvida foi a do tamanho da amostra a ser utilizada. Tarallo (2006, p. 28) diz que o tamanho da amostra dependerá da natureza linguística da variável a ser estudada, porém, como se sabe, a composição deste corpus urbano se refere ao Projeto Vertentes, do qual esta pesquisa faz parte. Assim, o corpus composto servirá a qualquer linguista ou outro estudioso interessado no português popular da cidade de Salvador, sendo, portanto, preciso uma definição do tamanho da amostra, independentemente da variável a ser estudada.

Tarallo (2006) sugere que o número mínimo de informantes por célula seja de cinco, para que haja uma representatividade da amostra. Sabe-se, contudo, que pesquisas têm sido feitas com menos informantes, inclusive no próprio Vertentes, e obtidos resultados satisfatórios. Isto se dá, muitas vezes, devido ao fato de se buscar uma viabilização para a pesquisa, pois números muito grandes de informantes podem tornar a empreitada de investigação algo com duração muito longa, sem contar as condições materiais e orçamentárias para a execução das

entrevistas. Assim, o corpus de fala popular urbana de Salvador contou com 6 células, divididas em sexo e três faixas etárias, com dois informantes em cada célula, totalizando 12 informantes em cada bairro, conforme se pode conferir no quadro abaixo.

Fatores sociais Localidade

Sexo Faixa Etária TOTAL POR

LOCALIDADE 25 a 35 45 a 55 + de 65 Itapuã M 2 2 2 2 2 2 12 F Cajazeiras M 2 2 2 2 2 2 12 F Plataforma M 2 2 2 2 2 2 12 F Liberdade M 2 2 2 2 2 2 12 F Lauro de Freitas M 2 2 2 2 2 2 12 F TOTAL POR FAIXA ETÁRIA 20 20 20 60

Quadro 1 – Distribuição do corpus

Para realizar a escolha dos informantes que comporiam a amostra, inicialmente se fez necessário o preenchimento de fichas6 para uma sondagem inicial do perfil dos moradores de cada bairro. Nessa ficha, buscava-se informação sobre o tempo de moradia no bairro, locais onde residiu anteriormente, o tipo de trabalho que exercia e em que local trabalhava, como se caracterizava sua rede de relacionamentos, o grau de escolaridade e o tipo e tempo de acesso que tinha aos meios de comunicação de massa, se frequentava alguma igreja, além de ser feita uma avaliação subjetiva por parte do entrevistador sobre a atitude do informante, como receptivo e extrovertido ou tímido e introvertido.

Para cada bairro, foram preenchidas 36 fichas e, para chegar até estes moradores, recorreu-se a diversas alternativas, desde encontrar alguém conhecido no bairro e que pudesse apresentar os pesquisadores a pessoas no perfil desejado até, na falta de tal pessoa conhecida, a busca aleatória pelas ruas mais conhecidas

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Todos os documentos utilizados nesta pesquisa foram construídos coletivamente, no âmbito do Projeto Vertentes. O modelo de ficha do informante pode ser encontrado nos Anexos deste texto.

do bairro. Em seguida, definiu-se qual o perfil recorrente de moradores daqueles bairros, mas havia algumas características previamente definidas:

i. Seriam entrevistados informantes de três faixas etárias: faixa I (de 25 a 35 anos), faixa II (45 a 55 anos) e faixa III (mais de 65 anos).

ii. Nos bairros considerados antigos, os informantes deveriam morar no local desde o nascimento; e no bairro mais novo, tal imposição caberia apenas àqueles mais jovens. Os de faixa II e III precisariam ter chegado ao bairro há pelo menos 15 anos. Para Lauro de Freitas, os informantes de faixas I deveriam ter chegado ao município há 10 anos, enquanto os de faixas II e III há pelo menos 15 anos.

iii. Todos os informantes deveriam ser analfabetos ou semi-alfabetizados.

A partir da análise das fichas, observou-se como era a rede de relacionamentos dos informantes de cada bairro, se eles restringiam suas relações a pessoas do próprio bairro ou se tinham relações dispersas por outros bairros da cidade. Notou-se que cada bairro, a partir de sua cultura e até de sua situação geográfica, tinha um comportamento diferente, então, para cada um dos cinco bairros pesquisados, traçou-se um perfil de informante que mais condissesse com a realidade apontada pelas fichas de informantes preenchidas inicialmente.

Em Cajazeiras, que é um bairro com dimensões de município, muitas vezes, entre uma entrevista e outra, em localidades diferentes do bairro, fazia-se necessário o uso de transportes coletivos, tamanha a distância a se percorrer. Desta forma, há de se imaginar que o perfil dos moradores das várias regiões de Cajazeiras é bastante diversificado e, por isso, não se definiu, tendo em vista as redes de relações sociais, se os informantes deveriam ter um perfil disperso ou local. Na Liberdade, como exemplo oposto, definiu-se um perfil disperso, pois o bairro abriga o comércio intenso, donde se pressupõe que, mesmo sem sair de lá, seus moradores podem ter contato constante com moradores de outras localidades.

Itapuã e Plataforma são bairros bastante antigos, e seus moradores se mostraram como mantenedores de alguns hábitos tradicionais, como o de manter suas relações no próprio bairro. Isto pode se justificar, também, pela distância relativamente grande que há entre tais bairros e o centro de Salvador, o que diminui a possibilidade de “trocas” entre moradores desses bairros com os de outros. Assim, Plataforma e Itapuã tiveram para seus moradores o perfil de rede de relacionamento local.

Os moradores de Lauro de Freitas muitas vezes a têm como cidade dormitório, deslocando-se diariamente para Salvador para trabalhar e estudar; por esta razão, sua rede de relacionamento foi definida como dispersa, por não ser restrita ao bairro/região onde residem.

Dessa forma, o perfil desejado para cada bairro se configurou da seguinte forma, conforme se pode ver no quadro abaixo.

Quadro 2 – Perfil dos bairros com relação à rede de relações e origem dos informantes

É preciso ainda salientar as dificuldades encontradas em uma pesquisa sociolinguística realizada em ambiente urbano, como esta. Diferentemente do que se observara nas pesquisas feitas no interior do Estado, encontrar pessoas consideradas analfabetas ou semi-alfabetizadas mostrou-se uma tarefa quase impossível na capital. Isso, contudo, não é motivo para se comemorar, pois não é um sinal de que a educação do país vai bem e de que nossos índices de analfabetismo estão se reduzindo vertiginosamente. Há, nas escolas públicas de nosso Estado, um programa de incentivo à progressão continuada dos estudantes que, ainda que não alcancem os conhecimentos necessários para a mudança de nível escolar, são “contemplados” com tal aprovação, mascarando a realidade da educação. Deste modo, muitos dos nossos informantes tinham cursado, por exemplo, até a quarta série do ensino fundamental, mas não poucos foram os que mal sabiam ler pequenas frases e compreendê-las. Um exemplo claro pode ser

Bairros Rede de relações Origem dos informants

Itapuã Local Todos nascidos no local

Cajazeiras Local ou disperso

Faixa I – nascidos no local

Faixas II e III – vindos do interior do estado há ao menos 15 anos

Plataforma Local Todos nascidos no local

Liberdade Disperso

Todos nascidos no local

Lauro de Freitas Disperso

Faixa I – vindos do interior do estado há ao menos 10 anos

Faixas II e III – vindos do interior do estado há ao menos 15 anos

notado na fala do informante de Cajazeiras, faixa I, prestes a concluir o primeiro ciclo do ensino fundamental: “Palavra curta eu até leio, mas quando junta uma na outra assim, eu não consigo. Mas agora eu consigo pegar ônibus sem errar”.

Uma das formas encontradas para se chegar a pessoas com o perfil desejado foi ir até escolas de ensino fundamental; quando, no primeiro contato, se percebia uma maior intimidade do possível informante com a escrita e a leitura, ele não se tornava informante de fato. O que se pretende mostrar, com isto, é que, ainda que, nesse corpus, haja informantes com alguns anos de escolarização formal, eles em muito se assemelham àqueles analfabetos e semi-alfabetizados das comunidades populares do interior do país, sendo considerados analfabetos funcionais. Algumas vezes decodificam palavras, porém não alcançam um nível de interpretação do que leem, fato que faz com que não haja empecilhos para a comparação de seus dados de fala com os dos informantes do interior do Estado.

Além dos 60 informantes, 12 de cada bairro, foram realizadas entrevistas com 6 líderes comunitários, 2 em cada bairro considerado antigo, a saber: Liberdade, Itapuã e Plataforma. Os líderes, apesar de atuarem como a voz de suas comunidades, também eram de baixa escolaridade.