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1 FORMAÇÃO DO PORTUGUÊS POPULAR DO BRASIL: SÓCIO-

2.2 A MUDANÇA LINGUÍSTICA

A variação é motivada, e a análise estrutural dos processos de variação pode informar sobre os mecanismos que atuam nos processos de mudança em curso na língua. Vale ressaltar, contudo, que variação linguística não implica necessariamente mudança linguística; já a mudança, por sua vez, pressupõe uma variação, ou seja, as mudanças surgem de fatos heterogêneos dentro da língua, porém nem todo fato heterogêneo resultará em uma mudança.

Ao estudar a mudança linguística e buscar explicações sobre como ela se processa, Weinreich, Labov e Herzog, em 1968, pela primeira vez discutem os clássicos cinco problemas da sociolinguística: o problema do condicionamento (constraints problem), o problema da transição (transition problem), o problema do encaixamento (embedding problem), o problema da avaliação (evaluation problem) e

o problema da implementação (actuation problem). Resumidamente, têm-se aqui os problemas que devem ser resolvidos em um estudo sobre mudança linguística:

a) Problema do Condicionamento ou restrições – há fatores que determinam uma mudança linguística, apontando em que direção a língua seguirá. É preciso definir os fatores condicionantes ou restrições, linguísticas e extralinguísticas, que intervêm na trajetória da mudança, que torna a mudança possível e indica se é de ordem universal;

b) Problema da Transição – o processo de mudança linguística se dá de forma contínua e discreta. Esse problema vem questionar como uma língua muda, como ela passa de um estágio para outro, indicando a necessidade de se analisar a comunidade de fala em que a mudança ocorre, em busca de definir e analisar o percurso da mudança;

c) Problema do Encaixamento – a mudança linguística não ocorre isoladamente, e sim dentro de uma estrutura linguística e, ainda, em uma estrutura social. É preciso observar como a mudança se encaixa no sistema linguístico e na matriz social da comunidade, já que não há como dissociar as questões linguísticas de questões, culturais, ideológicas, políticas e históricas.

d) Problema da Avaliação – os falantes têm, em determinado grau, consciência das mudanças que acontecem na língua e, portanto, podem reagir de forma positiva ou negativa a elas. Essa avaliação social de julgamento sobre a mudança pode exercer efeito sobre a sua implementação, fazendo com que ocorra mais rápida ou mais lentamente.

e) Problema da Implementação – é preciso entender o porquê de uma mudança linguística ocorrer em determinado lugar e época e não em outro lugar ou época. Busca-se a compreensão de que fatores propiciam essa implementação e, para responder a tal questão, faz-se necessário recorrer aos outros problemas já colocados.

Para a Sociolinguística, os processos de mudança ocorrem nas comunidades de fala e são de fundamental importância; é nas comunidades de fala que serão observadas as formas linguísticas em variação. Como já dito reforçadamente, a língua, que se apresenta de forma múltipla e variável, é observada em seu uso, dentro da sociedade. É sempre feita a análise das variáveis sociais envolvidas nas

questões linguísticas, e tal análise é que vai delinear o quadro de variação que está ocorrendo na comunidade de fala. Pode-se observar uma variação estável ou mesmo uma situação de mudança em progresso.

A variação estável, como o próprio nome indica, traz a ideia de que o fenômeno linguístico em variação permanecerá assim, variando, por algum tempo, já que nenhuma das formas em uso revela uma situação de predominância sobre a outra. Já a mudança em progresso mostra a possibilidade de uma variante linguística sobrepujar a(s) outra(s), tendo o seu uso bastante difundido, de forma que as demais cheguem mesmo a cair em desuso, e a variante predominante tenha o seu uso como categórico. Deve-se sempre ter em mente que a escolha por uma variante não é motivada exclusivamente por questões linguísticas, e sim também, e até predominantemente, por questões de prestígio social.

Com a adoção do conceito de mudança em progresso, Labov (2008 [1972]) mostra que a análise sociolinguística vem rever mais uma ideia vigente até então, a de que a mudança linguística só poderia ser observada depois de implementada, não podendo ser estudada diretamente. Lucchesi (2004, p. 166) diz que:

O recurso utilizado por Labov para superar esse obstáculo foi o de procurar entrever a mudança em progresso na variação observada na língua num determinado momento, o que ele definiu como o estudo da mudança no tempo aparente.

Labov (2008 [1972]) afirma que a mudança linguística pode ser observada em seu processo de implementação, pois a variação linguística não é um fenômeno aleatório, e sim sistemático e que, através da correlação entre fatores linguísticos e sociais, poder-se-ia observar a variação sincrônica na gramática de uma determinada comunidade de fala, que refletiria o processo de mudança em curso no plano diacrônico.

O conceito de tempo aparente, acima referido, é uma espécie de projeção sobre o tempo real. Não sendo possível sempre realizar as pesquisas em tempo real, pela impossibilidade de se voltar no tempo para fazer a coleta de dados ou mesmo pelo fato de, até o início do século passado, não serem os gravadores objetos de fácil acesso, fato que dificultava o registro dos fenômenos observados em comunidades de fala, surgiu a necessidade de se utilizar o recurso do estudo em tempo aparente.

A validade do [tempo aparente] depende crucialmente da hipótese de que a fala das pessoas de 40 anos hoje reflete diretamente a fala das pessoas de 20 anos há 20 anos atrás e pode, portanto, ser comparada com a fala das pessoas de 20 anos de hoje, para uma pesquisa da difusão da mudança lingüística. As discrepâncias entre a fala das pessoas de 40 e 20 anos são atribuídas ao progresso da inovação lingüística nos vinte anos que separam os dois grupos (CHAMBERS e TRUDGILL, 1980, p.165).

O que postula o conceito de tempo aparente é que as diferenças de comportamento linguístico observadas em determinadas gerações hoje refletiriam momentos anteriores diferentes no desenvolvimento da língua. Esta pesquisa se utilizará do recurso do tempo aparente.

Assim, pode-se chegar à conclusão de que um estudo sociolinguístico tem o objetivo de descrever um fenômeno variável observado em uma comunidade de fala, a fim de analisá-lo, apreendendo e sistematizando as variantes linguísticas em uso. Para essa análise, lança-se mão de recursos estatísticos, buscando calcular a influência exercida por cada um dos fatores relacionados, linguísticos e extralinguísticos, estabelecendo uma relação entre o processo de variação sincrônico com os processos de mudança que operam na estrutura da língua diacronicamente.