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1 FORMAÇÃO DO PORTUGUÊS POPULAR DO BRASIL: SÓCIO-

2.5 OS CAMINHOS DA PESQUISA

4.2.2 Variáveis não selecionadas pelo GoldVarb como

Assim como foi feito com relação à concordância nominal de número, analisar-se-ão, para o gênero, variáveis não indicadas pelo GoldVarb como estatisticamente relevantes, mas que informam muito sobre os condicionamentos linguísticos do fenômeno.

Pode-se constatar, através dos knockouts, que o princípio da coesão estrutural também é produtivo para a concordância nominal de gênero em predicativos/passivas. Com relação à variável concordância verbal, percebeu-se que, categoricamente, as ocorrências com verbo marcado trouxeram também a marca de gênero no predicativo.

A variável tipo de predicação foi subdividida em predicados nominais, como em (104), predicados verbo nominais, como em (105) e estruturas passivas, como em (106).

(104) Ôtas vacina que ela toma é barato

(105) Se Deus não fosse milagroso o fogo passava pra cama, eu morria quêmada.

(106) Aí começamo robá, entrá no mundo do crime. Esse mundo de perdição. Cheguei a sê preso tamém algumas vezes.35

Assim como ocorreu com relação à concordância de número, a produção de predicados verbo nominais e de estruturas passivas é sensivelmente inferior à de predicados nominais, fato que, de alguma forma, pode influenciar nos resultados, que podem ser lidos na Tabela 22 a seguir:

Tabela 22 - Aplicação da regra de concordância de gênero nos predicativos do sujeito e em estruturas passivas no português popular de Salvador, segundo a variável tipo de predicação

Tipo de predicação Nº de Ocor./TOTAL Frequência

Predicados nominais 1044/1091 95,7%

Estruturas passivas 73/79 92,4%

Predicados verbo nominais 41/42 97,6%

TOTAL 1158/1212 95,5%

Esperava-se que, devido à maior ligação que há entre o sujeito e o seu predicativo, houvesse uma maior aplicação da concordância nominal nos predicados nominais, no entanto os resultados não se mostraram relevantes. Os predicados verbo nominais exibiram um índice maior de concordância de gênero, porém é válido perceber que as diferenças percentuais foram bem reduzidas.

Uma outra variável que não foi selecionada como estatisticamente relevante foi o tipo de sujeito, que teve a seguinte subdivisão:

SN simples

(107) Sua mão, mão de mulé é fina, SN composto

(108) [...] fica eu e Neo sozinha aqui dento. Pronome pessoal

(109) Ela é mais alta do que eu. SN sem núcleo realizado

(110) Ói, essa ø aqui é sua cunhadinha... Pronome relativo

(111) Ôtas vacina que ela toma é barato, que a... no Couto Maia tem uma dessa também que é cara.

Categoria vazia

(112) Não, o que eu digo a ela se ela tivé de... de... de namorá como ela tava namorano na porta, quisé namorá com algum que fô, ela chegue pra gente e fale, pa minha mãe, pra mim, converse, traga na porta, porque a pió coisa é ficá namorano com um aqui, ôto ali e aculá, ø ficá falada

Todas as poucas ocorrências de sentenças com sujeito com SN composto e com SN sem o núcleo realizado exibiram seus predicativos e passivas com as

marcas de gênero e, por isso, essas ocorrências foram retiradas da rodada. O resultado encontrado foi o seguinte:

Tabela 23 - Aplicação da regra de concordância de gênero nos predicativos do sujeito e em estruturas passivas no português popular de Salvador, segundo a variável tipo de sujeito

Tipo de sujeito Nº de Ocor./TOTAL Frequência

SN simples 282/305 92,5%

Pronome pessoal 425/427 99,5%

Pronome relative 65/68 95,6%

Categoria vazia 386/412 93,7%

TOTAL 1158/1212 95,5%

A variável tipo de sujeito foi proposta a partir do princípio da coesão estrutural, ou seja, esperava-se que os sujeitos com marcas explícitas de gênero, os SN simples e os pronomes, favorecessem a marcação de gêneros nos predicativos e nas passivas. O pronome pessoal, de fato, exibiu uma maior marcação de gênero, no entanto com índices pouco expressivos, o que certamente fez com que o Goldvarb não selecionasse a variável tipo de sujeito como relevante.

A variável material interveniente entre o verbo e o predicativo também não se mostrou relevante na análise do gênero. Parte-se da hipótese de que quanto mais distante o verbo e o predicativo, maior a possibilidade de não ocorrer a concordância de gênero. Dessa forma, as ocorrências foram classificadas

Sem material interveniente

(113) É, eu memo... quando ela... quando ela veio pr'aí, ficô calminha, né? Verbo separado do predicativo por 1 a 4 sílabas

(114) Eu chegava em casa cansada, já sentino dor na... nas mã Verbo separado do predicativo por mais de 5 sílabas

(115) É um pôquinho assim ah... irritada

Contrariando o esperado, todas as ocorrências de verbo separado de predicativo por mais de 5 sílabas receberam marca de gênero. Por essa razão, juntaram-se as ocorrências de sentenças com material interveniente, em oposição às sem material interveniente, e o resultado é o que se vê na tabela seguinte.

Tabela 24 - Aplicação da regra de concordância de gênero nos predicativos do sujeito e em estruturas passivas no português popular de Salvador, segundo a variável material interveniente entre o verbo e o predicativo

Material interveniente Nº de Ocor./TOTAL Frequência

Sem material 946/990 95,6%

Com material 212/222 95,5%

TOTAL 1158/1212 95,5%

Nota-se, com relação ao gênero, que essa variável não se mostrou expressiva, pois os índices foram praticamente idênticos, indicando que ter ou não material entre o verbo e o predicativo não exerce qualquer influência sobre a marcação de gênero. Em uma outra variável, foi controlado também o tipo de material interveniente, mas, já que a presença e material não foi relevante, o tipo também não o foi.

Também para a concordância de gênero, a estrutura sintagmática do

predicativo foi investigada, com o intuito de investigar se exercia influência na

marcação de gênero. Para tal investigação, a variável foi subdividida da seguinte maneira:

Adjetivo

(116) Lá quando eu era pequena, quando eu era... quando eu mais... Substantivo

Num existe, que ela né maluca e ela sabe como eu sô! # Particípio passado

(117) Aí foi po fóro e ele pagô, aí a juíza praticamente me obrigô eu rachá com ele o exame de DNA, eu disse a ela que eu num tinha condição, que tava desempregada.

Sintagma nominal

(118) Eu acho que ela que era minha professora. Pronome possessivo

(119) A única que está assim é eu, porque eu vivo aqui, e eu nem ainda tenho, assim, certeza, de patrão dizê: a casa é sua.

(120) Sim. É. Eu gosto porque, principalmente, mia pressu...minha profissão é essa porque eu num... eu num quis estudá.

Pronome indefinido

(121) Bem, as meninas dessa... [são] umas que eu conheço. Numeral

(122) Essa já é a segunda. Pronome pessoal reto

(123) Ela... é duas assim, a ôtra é... é Ma... é Maria das Dores, que é ela. Mas a Maria das Dores

Nesta variável, foram codificados apenas os predicativos do sujeito, ficando as passivas excluídas dessa análise. Por conta de não se constatar variação de gênero, juntaram-se os pronomes demonstrativos, possessivos, indefinidos e do caso reto; eles aparecem, na tabela a seguir, apenas como pronome. As sentenças com numeral também exibiram categoricamente a marca de gênero e, por isso, houve a junção de numeral com adjetivos.

Os resultados obtidos podem ser lidos a seguir.

Tabela 25 - Aplicação da regra de concordância de gênero nos predicativos do sujeito e em estruturas passivas no português popular de Salvador, segundo a variável estrutura sintagmática do predicativo Estrutura sintagmática do predicative Nº de Ocor./TOTAL Frequência Adjetivo 546/576 94,8% Particípio passado 303/317 95,6% Substantivo 104/107 97,2% Sintagma nominal 76/77 98,7% Pronomes 55/56 98,2% TOTAL 1084/1133 95,7%

Nota-se, nos índices percentuais, que nenhuma das estruturas de predicativo exerceu qualquer influência com relação à concordância de gênero, havendo um equilíbrio entre os resultados. Por essa razão, a variável estrutura sintagmática do predicativo não foi selecionada como estatisticamente relevante.

A penúltima variável a ser analisada, é o tipo de atributo, em que se observa se o atributo é essencial, composto por verbo ser, como em (124), ou acidental, composto por outros verbos, como em (125).

(124) Não, eu sô casada com ôtro rapaz, de Serrinha, mas eu num sei se tá vivo ou se tá morto.

(125) Quando ela tá boa.

A hipótese para essa variável é, como já discutido com relação ao número, que os predicativos com atributos essenciais receberiam mais marca de gênero, devido a seu caráter mais permanente. De forma oposta, um atributo acidental, de caráter mais transitório, receberia menos marcas de gêneros.

Os resultados, no entanto, não confirmaram a hipótese, como se pode ver na Tabela 26:

Tabela 26 - Aplicação da regra de concordância de gênero nos predicativos do sujeito e em estruturas passivas no português popular de Salvador, segundo a variável tipo de atributo

Tipo de atributo Nº de Ocor./TOTAL Frequência

Essencial 762/796 95,7%

Acidental 395/415 95,2%

TOTAL 1157/1211 95,5%

A variável tipo de atributo exibiu resultados muito próximos da neutralidade, indicando que o caráter do atributo não exerce, para o gênero, tanta influência como exerce para o número.

Por fim, também na análise da concordância nominal de gênero, analisou-se a saliência fônica. O princípio para a marcação de gênero seria o mesmo: quanto mais saliente a forma feminina, maior seria a possibilidade de receber a marca explícita de gênero. Assim como para o estudo da concordância de número, aqui, para o gênero, propôs-se uma escala de saliência, partindo de itens menos salientes e terminando nos itens mais saliente fonicamente, conforme se pode ver a seguir:

0 Filho/filha 1 Cristão/cristã 2 Grandão/grandona 3 Bom/boa 4 Gostoso/gostosa 9 Bom/boa

Na primeira rodada, os itens mais salientes identificados como 1 e 2 não tiveram variação, exibindo sempre a marca de gênero. Por essa razão, optou-se por agrupar os itens mais salientes (0, 1 e 2) e os itens menos salientes (3, 4 e 9), e o resultado pode ser visto na tabela seguinte:

Tabela 27 - Aplicação da regra de concordância de gênero nos predicativos do sujeito e em estruturas passivas no português popular de Salvador, segundo a variável saliência fônica

Saliência fônica Nº de Ocor./TOTAL Frequência

Menos saliente 926/972 95,3%

Mais saliente 200/208 96,2%

TOTAL 1126/1180 95,4%

Como se pode ver nos resultados, a saliência fônica não se mostrou relevante nessa pesquisa no que diz respeito ao gênero. Houve um equilíbrio nos dados, reforçando o que as outras variáveis já vêm apontando, que a marcação de gênero se dá de forma diferente da marcação de número.

Além dos fatores linguísticos, necessário se faz analisar as variáveis extralinguísticas, para que se possa delinear o universo de fatores que influenciam na realização da concordância nominal de gênero.

4.3 AS VARIÁVEIS SOCIAIS E A CONCORDÂNCIA NOMINAL EM PREDICATIVOS