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1 FORMAÇÃO DO PORTUGUÊS POPULAR DO BRASIL: SÓCIO-

2.5 OS CAMINHOS DA PESQUISA

2.5.3 Breve caracterização dos bairros

2.5.3.1 Liberdade

A cidade de Salvador é dividida em Cidade Alta e Cidade Baixa, e a Liberdade, com seus 190 hectares de áreas, situa-se na parte alta.

No dia 2 de julho de 1823, combatentes que lutaram pela independência da Bahia marcharam vitoriosos pela Estrada das Boiadas, trilha de terra que unia a cidade de Salvador às demais províncias. Esse caminho também servia à passagem de gado bovino criado no interior destinado à comercialização na capital, daí a sua denominação de Estrada das Boiadas, que, com a marcha das tropas vencedoras, torna-se Estrada da Liberdade. Por essa razão, o bairro onde tal acesso se localiza possui o mesmo nome (cf. MACAMBYRA e BANDEIRA, 2010).

O processo de expansão da Liberdade teve início nas primeiras décadas do século XX, por conta do crescimento de Salvador, que se dava devido a uma migração da área rural para a cidade, fugindo das secas. Por volta da terceira década do século XX, já se tinha notícia de quatro chácaras, situadas no Curuzu, ocupando grande parte da área do bairro que, posteriormente, vieram a ser loteadas, contribuindo para o aumento do número de moradores. Entre 1947 e 1951 ocorreu a urbanização da Estrada da Liberdade (VASCONCELOS, 2001). O bairro se organizou em torno da Avenida Lima e Silva, até hoje a principal avenida da Liberdade, em que é possível encontrar grande número de estabelecimentos comerciais e de serviços.

A proximidade do bairro com o centro comercial e financeiro, que na época se concentrava na Rua Chile e no Comércio, era um grande atrativo para as pessoas, que desejavam residir ali visando a um acesso mais fácil a esse centro. Desde 1952 havia linhas de bonde que partiam do Viaduto da Sé em direção à Liberdade e, a partir de 1981, com o surgimento do Plano Inclinado, a ligação cidade alta-cidade baixa ficou ainda mais facilitada (VASCONCELOS, 2001).

Como na maioria dos processos de urbanização, a ocupação do bairro se deu maneira desordenada, através de invasões e favelização, fato que faz com que, até a atualidade, haja locais no bairro em que é precária a infraestrutura. Com uma população majoritariamente afro- descendente, a Liberdade é o maior bairro negro do mundo fora da África. O processo massivo de ocupação negra da área que hoje constitui o bairro se iniciou com a chegada de libertos e ex-escravos, no final do século XIX, após a abolição da escravatura. Antes disso, a localidade era composta por roças onde eram criados bois e vacas.

Nas primeiras décadas do século XX, a Liberdade já se assemelhava a um quilombo, de acordo com Hilda dos Santos, a “Mãe” Hilda, líder espiritual da comunidade do Ilê-Ayiê-Curuzu: “Todos os moradores eram negros. Algum escravo liberto. Tinha muitos que eram africanos mesmo, mas a maioria era filhos deles, os filhos da escravidão." (MACAMBYRA e BANDEIRA, 2010)

Com base nos dados do Censo 2000, a população do bairro é de 39.322 moradores; na Grande Liberdade, ou Região Administrativa IV (a RA IV), em que estão incluídas as áreas de Pero Vaz, Caixa d´Água, Pau Miúdo e IAPI, a população gira em torno de 187.477, de acordo com a Secretaria Municipal do Planejamento, Urbanismo e Meio Ambiente (SEPLAM), ficando atrás, em termos populacionais, apenas de Cajazeiras. A RA IV também apresenta a maior densidade demográfica da cidade, com 260,3 habitantes por hectare.

Com tamanha população, a demanda por serviços sempre foi muito grande, e a população antes necessitava se deslocar para o centro de Salvador. Visando a atender a esta demanda, houve uma expansão do setor de comércio e serviços, e os moradores têm hoje em seu bairro desde lojas de departamento a agências bancárias, tendo, inclusive, um shopping center.

Há, na Liberdade, uma rua bastante conhecida, o Curuzu, em que há uma grande concentração de comércios e serviços, principalmente informais, além das atividades de cunho social e cultural, que geram muita ocupação, inclusive voluntária. É no Curuzu que se encontra a Associação Cultural Bloco Carnavalesco Ilê Ayê, que trabalha em prol da valorização e da inclusão da população negra, prestando serviços comunitários, como cursos de artesanato, música, dança e culinária, oferecidos aos moradores. Com toda essa ligação e exaltação à cultura negra, a Liberdade exerce um forte apelo turístico, sendo considerada pelo Ministério da Cultura território nacional da cultura afro-brasileira.

Quanto à proveniência dos moradores da Liberdade, sabe-se que uma parcela considerável deles consiste em pessoas vindas do interior do Estado, que se misturaram entre as que nasceram no bairro. De acordo com Santos et alii (2010), 20,45% dos chefes de famílias têm renda mensal em torno de 1 a 2 salários mímimos, e a própria Liberdade absorve uma grande parte da mão de obra disponível na região, sobretudo o comércio intenso da Avenida Lima e Silva. Uma outra parcela de moradores exerce atividades nos bairros circundantes, como Nazaré, Barbalho, Comércio, Centro Histórico e adjacências. Desta maneira, a rede

de relações dos moradores da Liberdade é ampla, tendo em vista que mesmo aqueles que concentram suas rotinas dentro do bairro estabelecem contato social direto com um número muito grande de pessoas. Segundo Santos et alii, 28,40% dos chefes de família do bairro têm entre 4 e 7 anos de escolarização formal, o que demonstra uma certa carência da população.

Esta carência foi salientada, entre estudiosos da geografia, no Congresso Internacional de Geografia, ocorrido em 1956, quando Domingos e Keller prepararam um Guia de Viagem sobre a Bahia. Nesse documento, eles falavam sobre a distribuição geográfica das classes sociais em Salvador e indicavam que os “mais abastados” residiam em bairros como Vitória, Graça, Barra Avenida e em casas ao longo das praias atlânticas. Os representante da “classe média” residiam em Nazaré, Barbalho, Santo Antônio e Soledade, e a “população pobre” estava localizada na Liberdade, São Caetano, Massaranduba e Penha. (VASCONCELOS, 2001, p. 321)