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1 FORMAÇÃO DO PORTUGUÊS POPULAR DO BRASIL: SÓCIO-

2.5 OS CAMINHOS DA PESQUISA

2.5.5 A realização das entrevistas

Assim como outras pesquisas científicas, as pesquisas linguísticas exigem uma observação atenta do objeto a ser analisado, no caso, a fala popular urbana. No entanto, na contramão das outras ciências, a Linguística não consegue isolar e manipular o seu objeto para fazer a observação, visto ser a linguagem uma capacidade exclusiva dos seres humanos e estar fora da ética científica fazer experiências que manipulem as vida humanas, como se costuma fazer com macacos e camundongos. Assim, a forma encontrada para fazer tal observação foi a entrevista sociolinguística, de orientação laboviana, que aconselha que se faça a coleta de dados linguísticos numa situação de fala o mais espontânea possível, conduzindo a entrevista como se fosse uma despretensiosa conversa entre conhecidos (cf. LABOV, 2008 [1972]).

A entrevista realizada tal como sugerida por Labov tem o intuito de colher a fala vernácula, que é aquela em que se presta o mínimo de atenção a como se está falando, tendo, com isso, o mínimo de monitoramento linguístico. Busca-se, então, a

fala mais descomprometida do informante, porém se sabe que a situação de entrevista, com uma pessoa inevitavelmente estranha com um gravador em punho, não tem como se mostrar como algo natural. Este é o conhecido paradoxo do

observador: pretende-se colher uma fala espontânea, porém como obter tal

espontaneidade diante de uma situação tão artificial?

A primeira sugestão é buscar ser inserido nas comunidades por alguém já conhecido que possa apresentar e recomendar a participação na pesquisa. Em Itapuã e Plataforma, líderes comunitários fizerem este papel de apresentar o pesquisador a alguns informantes, assim como na Liberdade uma pessoa conhecida fez crescerem as possibilidades de informantes a serem entrevistados. Houve também situações em que um primeiro informante indicado por pessoa conhecida fez a mediação para o segundo, formando uma cadeia, já que o segundo buscava conduzir a um terceiro.

Inserido na comunidade, faz-se indispensável não comentar o objeto real da pesquisa, pois isso ocasionaria uma atitude irremediável de monitoramento constante da fala; então, foi dito aos informantes das quatro localidades de Salvador e da região metropolitana que o interesse da pesquisa centrava-se na história e costumes do bairro. Por essa razão, as temáticas giram em torno, na maioria das vezes, das condições do bairro, seus festejos típicos e de questões de segurança. Uma pergunta que costuma estar sempre presente é a que leva o informante a narrar algum fato importante em sua vida, como um em que tenha sofrido risco de vida. Costuma-se fazer isso para que, envolvido pela emoção da narração, o falante desprenda-se da forma, pensando apenas no conteúdo da conversa, sendo, assim, o mais próximo possível da espontaneidade.

As entrevistas costumam ter a duração de 50 minutos a uma hora, e isso também não é aleatório. Como as entrevistas feitas podem servir a qualquer pesquisador interessado em qualquer recorte de estudo linguístico, principalmente aos pesquisadores do Projeto Vertentes, que investigam fatos morfossintáticos bastante diversos, faz-se necessário um volume de dados considerável, pois da mesma forma que há pesquisadores interessados em estudar fenômenos extremamente recorrentes, como a concordância nominal no SN, há aqueles que estudam fatos menos recorrentes, como o uso do imperativo, e que por isso precisam de mais material para efetuar sua busca por dados linguísticos. Além disso, em uma entrevista de uma hora de duração, supõe-se que o informante, ainda

que esteja se monitorando, em algum momento venha a relaxar, e sua fala espontânea venha a emergir.

Conforme comentado, alguns fatos linguísticos muitas vezes são de ocorrência mais difícil justamente devido ao caráter da entrevista, que se dá em forma de diálogo. Constantemente o informante foca na narração em fatos já ocorridos, o que, por exemplo, não propiciaria a elicitação de formas de futuro. Por essa razão, adotou-se a postura que fazer alguns questionamentos sobre o futuro do informante, perguntando sobre seus planos de vida, assim como, em busca de construções utilizadas para exprimir situações hipotéticas, perguntava-se ao informante o que ele faria se ganhasse repentinamente uma grande quantia em dinheiro. É válido salientar que há, por parte do documentador, um certo cuidado ao utilizar determinadas formas linguísticas, justamente com o objetivo de não influenciar e contaminar a fala do entrevistado, fato que demonstra como o documentador deve ter um olhar atento, mas que está longe de ser passivo.

Grandes foram as dificuldades encontradas para a realização desta pesquisa, pois as etapas anteriores do Projeto Vertentes tinham como foco moradores da zona rural, que eram sempre mais receptivos, talvez até se possa dizer menos desconfiados. O morador da zona urbana está envolvido por um medo que muitas vezes o paralisa, fazendo com que muitos se recusem a falar em presença de um gravador. A maioria das recusas tinha a ver com questões de violência, pois em bairros como Itapuã, na localidade Baixa do Soronha, local dominado pelos traficantes, ser visto diante de um gravador pode passar a falsa impressão de se estar denunciando alguma situação desagradável da comunidade. Mesmo diante das dificuldades, os pesquisadores envolvidos nessa pesquisa, ainda que desavisadamente, foram até localidades, como a citada, em que o acesso era completamente desaconselhável. Assim, viveram de perto o clima de medo e opressão por que passam diariamente muitos dos moradores, que não poucas vezes perdem seus filhos por conta da violência.

O trabalho de localizar e entrevistar informantes no perfil desejado durou cerca de um semestre, e a etapa seguinte deveria ser a transcrição, em que o áudio das conversas, armazenado em meio digital, seria colocado no papel em forma escrita, com o objetivo de facilitar as análises do material coletado.