A escolha objetal

Ao escolher o direito, a música ou os estudos, os participantes experimentaram uma sensação plena e fizeram-se reconhecidos. De acordo com Freud (1914/1969), no primeiro momento do bebê, o investimento exterior é o da mãe e o eu precisa ser tomado como objeto para a sua constituição enquanto tal. Coincidem, aí, o investimento da mãe corpóreo, nas zonas parciais, e investimento narcísico, que configurará a criança enquanto sujeito. Sujeito e objeto encontram-se fusionados nesse momento. Somente enquanto uma unidade e de uma imagem de si mesmo que surge a partir do tempo de identificação primária com o objeto, que se torna possível refletir as relações que o sujeito vem a desenvolver com os objetos, bem como a escolha objetal. Com a entrada no Édipo, o sujeito resistirá, de início, a perceber-se como fora do alvo da atenção na relação parental. É uma ferida narcísica que, porém, o colocará, em nível neurótico, em busca de satisfazer tais necessidades. O narcisismo

secundário, então, diz de um retorno ao ego libidinal retirado dos seus investimentos nas relações de objeto. Refletindo a colocação de Freud, trata-se das outras atividades escolhidas pelo sujeito vida fora, na tentativa de dar conta desse vínculo inicial com sua mãe, perdido no percurso do seu desenvolvimento. Sendo assim, o “eu ideal” se constituiu como um modelo ao qual cada um dos participantes, seguindo esse raciocínio, busca retornar. Ou em outras

palavras, retornar a uma posição perfeita narcísica na qual é onipontente e admirado em toda a sua extensão.

Dessa forma, torna-se possível pensar os três participantes marcados fortemente pela oralidade. Ao confundir-se com o objeto e empregando-lhe sua força pulsional, cada qual busca uma forma de garantir a sua identidade enquanto sujeito, ou dar conta de sua existência no mundo por uma demanda externa (Bergeret, 2006). Passaram então a realizar atividades que lhe garantissem uma forma de existir no mundo, ou com outras palavras, a unirem-se a objetos que lhes possibilitassem a incessante busca pelo retorno ao original. Porém tais atividades foram mudando de perfil de acordo com as fases de seu amadurecimento.

Se eu tenho uma audiência, eu sempre procuro saber quem está do outro lado de lá, antes de começar. Aí, eu peço para um profissional que trabalha comigo, para levantar a vida toda do fulano de tal: quem é, pra quem trabalha, pra quem não trabalha, o que faz. Levanto aquilo tudo. Então, quando eu entro numa sala de audiência, eu sei o que está acontecendo. Eu não entro lá para o que for acontecer lá ser surpresa. Então, cada caso, além do processo, tem uma órbita de coisa que eu estudo também. Procuro saber de tudo. (...) Eu levanto a vida do cara todinha. Eu preciso saber. Ânsia do saber. Preciso da informação, porque como eu acho que a nossa fábrica é a cabeça, então quanto maior informação eu tiver, maior será a minha chance. (advogado)

Na verdade, todas as minhas atividades são musicais. Quer dizer, não posso falar que é a única atividade. Eu atuo no mercado de música, então você tem eventos. Uma série de eventos voltados pra música que você faz: música pra casamentos, pra recepções, pra festas, posses, solenidades. Isso é um coisa. É um mercado de música. Eu tenho o meu quarteto que é música de câmara. A gente faz concerto, viaja, grava disco. É um trabalho voltado pra música. Tem a Orquestra Sinfônica que eu to lá, como músico principal. E tem, também, lá a minha Orquestra Filarmônica que eu sou regente, que é uma outra atividade. E dentro dessas atividades também tem múltiplas possibilidades que se abrem. Tudo passa pela música. (músico)

Eu comecei com a Engenharia Química. Um outro momento também fortaleceu para eu ficar na área de professora, que foi quando eu fui fazer estágio na Agência de Petróleo. Foi quando eu conheci o pai das minhas filhas. Ele me impressionou muito, muito inteligente e tinha vaidade de mostrar, mas

realmente, chamava muita atenção. E ele queria fazer Mestrado, Doutorado... Era o negócio dele... Se você me perguntasse se era o meu negócio, talvez não fosse não. (...) Teve uma influência dele, que ele me incentivava a fazer, e isso fez com que eu optasse pela carreira do Magistério. (...) Eu tinha um lance da Administração também... E me chamaram para ser a Vice-Diretora da Escola. Bom, como eu me envolvo muito, não teve jeito. Gostei. E refletiu na minha área. Chegou um momento que no Brasil começou a se falar de Inovação, de Gestão, então eu criei dentro da Engenharia Química... Por que não estudar Indústria Química, Gestão e Inovação? (...) Eu consegui unir uma área técnica a uma área administrativa, de Gestão... Isso deu muito ibope... que eu cheguei à 50 teses de doutorado orientadas por mim muito rapidamente. O que me garantiu o Prêmio Tese de Ouro, por 50 teses orientadas. Mas já tenho 21 outras em andamento.

(acadêmica em química)

Como pôde ser visto, o percurso do advogado foi traçado tendo o seu pai como uma fonte decisiva de uma escolha subjetiva em suprir um pai e a dar conta de tomar o lugar do mesmo. Por um outro lado, o músico passou por dificuldades em termos da escolha

profissional. Convencionalmente, a sociedade não espera das artes fonte de sucesso

optou por realizar a faculdade de Direito, num primeiro momento. Portanto, não abandonou a música, seguindo com seus estudos paralelamente. Até um certo momento, quando depois de formado, percebeu que o seu lugar não seria resolvendo os problemas dos outros, mas tocando e passando tranqüilidade aos outros, no exercício de uma atividade que lhe dava prazer e não desgaste. No caso da participante acadêmica, seu percurso, influenciado por sua tia e suas visitas ao seu laboratório de química, ela optou pela carreira da engenharia química, mesmo desconhecendo a fundo o que seria, de início. A encantava o fato de estudar a química como disciplina escolar, ainda mais diante de uma ótima, embora severa, professora que tivera no período da escola. E assim, cada qual foi se apropriando de seus objetos de estudo, como será visto a seguir.