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A relação mãe-bebê e a constância do objeto

Capítulo 3 – Resultados e Discussão: Experts e domínios de expertise

3.1. Infância

3.1.1. A relação mãe-bebê e a constância do objeto

Para o participante advogado, o relacionamento com a mãe era especialmente carregado de vínculos mais fortes. Ele era o terceiro filho, tinha 3 anos de idade e teve grande dificuldade com a chegada do irmão mais novo. Relata uma ruptura em sua vida quando, um certo dia, se deu conta de que a sua mãe não estava mais por perto porque havia ido ao hospital para ganhar o seu irmão caçula. Portanto, o parto de tal irmão fora prematuro e a estada da mãe no hospital perdurou algumas semanas. Período em que esteve sob a responsabilidade de tias, com quem não gostaria de ficar. Passou a esconder-se

periodicamente no guarda-roupa, onde permanecia chorando. Outras vezes, estendia as roupas de sua mãe em sua cama para sentir o cheiro dela de tanta saudade que sentia, assim como colocou.

O entrevistado diz, ainda, que a mãe sempre estivera presente, atendia às suas

demandas, cuidava de todos ao seu redor e era quem coordenava toda a casa, enquanto o pai passava o dia todo fora, trabalhando. Recorda que o pai, ele apenas o encontrava no final do dia. E com a partida da sua mãe para o hospital para ganhar o bebê, sentiu-se abandonado e não conseguia entender o porquê da sua mãe estar tão longe dele. Com o tempo, o

participante diz que passou a entender que o irmão precisou de sua mãe por perto por ter ocorrido um parto prematuro. Mas, ao deixar de ser o caçula, ao perceber de que outro precisaria mais dela do que ele, afirma ter sentido um baque. Em suas palavras:

Capaz de ser o primeiro choque da minha vida, porque realmente, foi um negócio que me marcou bastante. Eu sentia falta. Foi como se rompesse aquele negócio. Até então, eu era o caçula e de um dia para a noite eu deixei de ser o caçula e as atenções voltaram mais para o meu irmão mais novo. Então, foi o momento que eu senti o baque. (advogado)

Ao voltar às atenções para o relacionamento deste participante com a sua mãe, observamos uma relação de interdependência tamanha que remete aos primórdios da relação

mãe-bebê. Winnicott (2000) trata de uma relação inicial do bebê, a de não integração, quando a mãe, a partir do que ele chamou de preocupação materna primária estaria em sintonia com o bebê, a gratificá-lo e frustrá-lo na medida certa, de modo que a partir do holding ou do suporte que ela lhe provém, o bebê poderia vir a emergir enquanto sujeito. Todavia, a ruptura que sofreu o participante da pesquisa o levou a um estado de angústia ou desintegração pela falta da mãe ou de um ego que lhe permitia ser até então um sujeito, na linguagem Winnicottiana. A passagem para uma fase mais estruturada ocorreu de forma abrupta levando o entrevistado, enquanto criança, a um estado de angústia que ao ilusionar a mãe através do manuseio de seus vestidos, lhe trazia um apaziguamento. . De acordo com Winnicott (2000), ao ilusionar o objeto em sua ausência, o bebê buscaria mecanismos criativos para lidar com a falta do mesmo, como a utilização de objetos transicionais, brincadeiras e, com isso, estaria dando início ao seu processo de simbolização e de sua constituição enquanto sujeito integrado. Talvez os mecanismos encontrados pela criança do participante em recolher-se ao armário e sentir o cheiro da mãe através dos vestidos lhe propiciou um fenômeno transicional para uma fase estruturada, o que permite refletir sobre o baque sentido pelo mesmo diante da separação sofrida com a ida da mãe ao hospital por um período de tempo.

De modo semelhante, Margareth Mahler (Tyson & Tyson, 1993) discutiu o processo de separação e individuação do bebê, postulando um momento mais primitivo no qual ele se encontraria numa fase de não-integração, momento em que pode ser pensado o advogado, quando ainda tinha a sua mãe ao seu lado, a desenvolver-se para uma fase integrada, a partir do ponto no qual o advogado teve que lidar com a separação da mãe que fora ter o seu irmão caçula de parto prematuro.

Melanie Klein (Tyson & Tyson, 1993) trata das relações de objeto, colocando que o primeiro objeto externo com o qual o bebê se depara é o seio materno, que é sentido com

hostilidade devido à ansiedade persecutória que é instaurada na relação com o mesmo. Num primeiro momento, o seio é apresentado à criança e a repetição desse procedimento permite a ela a sensação de prazer. Com a retirada do seio, a criança fantasia a existência de um seio mau, que não a gratifica, e é internalizado como hostil na tentativa de sua destruição a partir da ansiedade persecutória instaurada nesse processo. Dessa forma, o participante advogado teria experimentado a ruptura através dessa ansiedade que o perseguia e tentava apaziguá-la ao deitar-se nos vestidos maternos sobre a sua cama. Talvez uma forma de trazer o seio bom para perto de si e eliminar o mau, que lhe trazia tanta angústia.

Anna Freud que também trata das relações de objeto, postula que o bebê, inicialmente, é regulado pelas suas necessidades, tendo a mãe a função primária de satisfação das mesmas, como era o caso da mãe do advogado que o atendia em todas as suas demandas. No segundo semestre de vida, o relacionamento com a mãe continuaria, porém para além das necessidades fisiológicas, período que veio a chamar de constância de objeto, quando o investimento da mãe se torna libidinal também, e a criança é gratificada em maior ou menor grau nesse percurso. Desse ponto de vista, houve uma ruptura na continuidade da relação mãe-bebê, ou entre o advogado e a sua mãe, trazendo a angústia pela partida da mãe para o hospital para ter o seu irmão mais novo.

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