• Nenhum resultado encontrado

A hipótese de Schmidt é particularmente relevante no que respeita ao caso português.36Como mostra Le Galès, Portugal é dos países mais cen-

33 Gary Marks e Liesbet Hooghe, «Contrasting visions of multi-level governance»...,

15.

34 Para mais acerca deste conceito, v. James Rosenau, «Strong demand, huge supply:

governance in an emerging epoch», in Multi-level Governance, orgs. Ian Bache e Matthew Flinders (Oxford: Oxford University Press, 2004).

35 Vivien Schmidt, «Federalism and state governance...». 36 Id., ibid.

tralizados da UE.37No entanto, Portugal é um bom exemplo de como as instituições nacionais – e, neste caso, o poder executivo – são capazes de se adaptar às pressões supranacionais, confirmando: a conclusão de Maurer, Mittag e Wessels de que a adaptação nem sempre gera mudanças substantivas nos Estados membros e nos seus processos de políticas pú- blicas, com estes a demonstrarem capacidade de adaptação para incor- porarem as pressões europeias sem serem transformados por estas.38

Por um lado, é possível observar o impacto da adesão à UE na estru- tura e cultura administrativas nacionais, com Magone a defender a euro- peização como um importante fator na democratização da administração pública portuguesa.39Ao mesmo tempo, este impacto da europeização também se reflete nas transformações nas estruturas governativas, com a criação da Secretaria de Estado dos Assuntos Europeus (a partir do X Go- verno Constitucional, que tomou posse em 1985), que conta com o apoio da Direção-Geral dos Assuntos Comunitários (DGAC)/Direção- -Geral dos Assuntos Europeus (DGAE).40Magone refere ainda a cres- cente afetação de recursos à DGAC, tanto em termos de pessoal como de responsabilidades a nível dos assuntos europeus, reflexo da importân- cia do nível europeu e da necessidade de estruturas de apoio dentro do executivo para lidar com este nível.41A mesma conclusão pode ser tirada da criação de estruturas destinadas a interagir com o nível europeu dentro de uma série de ministérios, incluindo o GAERI (Gabinete de Assuntos Europeus e Relações Internacionais), no Ministério da Educação, e a Di- reção-Geral dos Assuntos Europeus e Relações Internacionais, no Minis- tério das Finanças. De forma a corresponder à necessidade de coordenação governamental, foi também criada a CIAC (Comissão Interministerial para os Assuntos Comunitários).42Como refere Mago ne,43esta serve como a principal estrutura para a coordenação interministerial e admi-

37 Patrick Le Galès, «The changing European state: pressures from within», in The Insti-

tutionalization of Europe, orgs. Neil Fligstein, Alec Stone Sweet e Wayne Sandholtz (Ox-

ford: Oxford University Press, 2001), 380-395.

38 Andreas Maurer, Jürgen Mittag e Wolfgang Wessels, «National systems’ adaptation

to the EU system...», 75-76.

39 José Magone, «Portugal»...

40 A Direção-Geral dos Assuntos Comunitários (DGAC) tornou-se a Direção-Geral

dos Assuntos Europeus (DGAE) em 2006 (v. Decreto-Lei n.º 204/2006, de 26 de outu- bro, artigo 27/4.º).

41 José Magone, The Developing Place of Portugal...,137.

42 Esta é atualmente a Comissão Interministerial para os Assuntos Europeus (cf. nota

40).

nistrativa, ainda que o seu papel real oscile no tempo, sendo por vezes ultrapassada por formas de coordenação mais informais.

Na prática, o impacto da europeização em Portugal pode ser descrito como um misto de «transformação» e «inércia», para usar a tipologia de Radaelli.44Este autor identifica quatro tipos de adaptação às pressões eu- ropeias por parte das instituições nacionais: inércia, absorção, transfor- mação e retração (retrenchment). Esta tipologia reflete a magnitude e a di- reção do processo de europeização, o qual, no caso da retração, pode, inclusive, ser negativo. Em tal caso, a reação dos agentes domésticos (por exemplo, devido à existência de múltiplos pontos de veto contrários aos de Bruxelas) pode levar as instituições a acentuarem o seu desalinha- mento relativamente à Europa. A inércia pode ser entendida como uma ausência de mudança, que pode tomar a forma de atrasos na transposição de diretivas, ou resistências a mudanças induzidas pela UE. A absorção, por sua vez, indica a adaptação – embora não profunda – das estruturas domésticas ao contexto europeu. Como salienta Héritier, esta implica uma acomodação aos requisitos das políticas públicas europeias, sem contudo gerar uma real transformação quer nas estruturas essenciais, quer na lógica comportamental do sistema político.45A transformação, por sua vez, implica uma modificação fundamental do comportamento po- lítico doméstico.

Esta tipologia é útil na medida em que estabelece critérios de análise. Naturalmente, os resultados são influenciados não apenas pelo grau de pressão provindo da UE, mas também pelo grau de desalinhamento pré- -existente entre os níveis europeu e doméstico. Ao mesmo tempo, vale a pena notar que esta tipologia não é capaz de responder inteiramente à questão da «correlação vs. causalidade» na análise do impacto da euro- peização.

A figura 2.2 mostra a percentagem de transposições e a respetiva pro- porção de infrações nas várias etapas do processo. Como se pode ver, o padrão de adaptação em Portugal tende a ser, no geral, de «absorção», mas uma absorção resultante de um padrão misto de «transformação» e «inércia».

Este padrão sugere a inadequação de perspetivas simplistas de Portugal enquanto «bom aluno» da UE. Ao mesmo tempo sublinha o grau de es- colha dos agentes domésticos às pressões europeias, com especial desta- que aqui para o poder executivo. Retomando o argumento desenvolvido

44 Claudio Radaelli, «The Europeanization of public policy»...

em Jalali,46o nível europeu cria assim uma nova estrutura de oportuni- dades que os agentes domésticos – novamente, sobretudo o poder exe- cutivo – podem explorar a seu favor, designadamente na construção de apoio para as suas políticas públicas.

A margem de manobra do poder executivo:

Outline

Documentos relacionados