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Em Portugal, um golpe militar instalou um novo regime autoritário em 1926. Nos anos 30, a instauração de um regime autoritário-corpora- tivo (o Estado Novo) pelo ditador António Salazar (1932-1968) e a apro- vação de uma nova constituição em 1933 levaram à substituição de todos os partidos políticos independentes pela União Nacional (UN) e à inter- dição de todos os sindicatos a favor de novos corpos corporativistas, num regime que durou mais de quarenta anos.

O longo legado de intervenção por um regime autoritário-corporativo deixou uma grande marca na configuração do mercado de trabalho por- tuguês e na sua estrutura sindical. O regime também se caracterizava pela intervenção direta do Estado na economia e pela regulação autoritária das relações laborais através de instituições corporativistas. O Estado es- tava encarregue do licenciamento de novas empresas, tarifas externas, in- vestimento estrangeiro, finanças, planeamento e controlo de preços ex- cessivos, salários e arrendamentos.1Foi introduzida uma versão alterada do Estatuto do Trabalho Nacional Italiano (o Estatuto do Trabalho Na- cional), que regulava as relações de trabalho e a representação dos grupos de interesses para os próximos quarenta anos. O governo autoritário pro- curou acabar com a luta de classes. Na área das relações industriais, o re- gime criou um sistema corporativista de relações industriais com base nos sindicatos nacionais e grémios, que tinham o monopólio legal da representação e eram controlados diretamente pelo governo. Enquanto ser membro do sindicato era voluntário, os não membros eram obrigados a pagar impostos e o governo promoveu negociações coletivas muito cedo, visto tratar-se de um processo coordenado pelo Estado, e, dado que era voluntário, acontecia muito poucas vezes a nível empresarial. Até aos anos 60, os salários e grande parte das regulamentações laborais eram definidos diretamente pelo governo, a lei só reconhecia injustiças individuais e as greves eram ilegais e reprimidas.

A longa herança do autoritarismo corporativo levou a um cenário de relações industriais dominadas pelo Estado. Durante o último período do regime, Marcelo Caetano tentou criar uma maior autonomia sindical e fortalecer as negociações coletivas – que se tornaram legalmente obri- gatórias – para melhorar a produtividade, a gestão e aumentar os salários. Essas reformas introduziram uma autonomia limitada e fortaleceram as negociações coletivas. As greves continuaram ilegais, mas o governo de- senvolveu processos de conciliação e de arbitragem patrocinados pelo Estado para abordar disputas industriais. A organização de eleições livres em organizações sindicais resultou na entrada nessas organizações de opositores ao regime, nomeadamente comunistas. Eles mobilizavam tra- balhadores contra o regime, o que levou à repressão nos últimos anos e a uma radicalização dramática das relações de classe no período de tran-

1José Barreto, «Portugal. Industrial relations under democracy», in Industrial Relations

in the New Europe, coords. Anthony Ferner e Richard Hyman (Cambridge: Blackwell,

sição. Essas atividades resultaram num renovado impulso de filiações, reforçado pelo novo estatuto e respeitabilidade dessas organizações.

A queda do regime em 1974 resultou no desmantelamento do sistema corporativista. Em 1974, oficiais do exército preocupados com o futuro do país e descontentes com a guerra colonial levaram a cabo um golpe de Estado que acabou com o regime autoritário, desencadeando um pro- cesso de transição democrática com grandes consequências no mercado de trabalho e nas instituições económicas portugueses. A transição para a democracia, todavia, não foi tranquila. A democratização foi ameaçada em 1974-1975 por um movimento revolucionário comunista que era orientado para a construção de uma sociedade socialista e levou o país à beira do conflito. O clima social e político durante a revolução era radi- calmente anticapitalista. O Partido Comunista conquistou o controlo do Ministério do Trabalho e outros cargos governamentais, o que resultou numa mudança na balança de poderes a favor dos trabalhadores, que pres- sionaram, inclusivamente através de intimidação e violência, e levaram a um impressionante aumento de salários e de benefícios sociais.

Esse período revolucionário, embora curto, deixou um legado estável no país. Ao contrário da Espanha, onde os sindicatos afogaram as suas ambições com o projeto global de reforma gradual, em Portugal a natu- reza revolucionária do processo de transição ajudou à radicalização dos trabalhadores, aprofundou os ressentimentos entre os trabalhadores e os empregadores e impediu o desenvolvimento de uma nova cultura de ne- gociações baseada no compromisso. Esse legado ainda se sente no país e travou a modernização do sistema de relações industriais português. Por outro lado, a intervenção do Estado aumentou durante a revolução e a nova constituição salvaguardou um novo sistema de relações indus- triais muito favorável para os trabalhadores portugueses. Todos os bancos e seguradoras nacionais, bem como muitas das empresas industriais foram nacionalizados. Na mesma altura, o governo revolucionário apro- vou novas leis laborais bastante rígidas. Por exemplo, as normas que re- gulavam as rescisões, os despedimentos, e as regras de indemnização por despedimento eram muito restritivas.2 Além disso, a Constituição de 1976

2Existia, no entanto, um paradoxo porque as normas jurídicas que abrangiam as con-

tratações temporárias eram permissivas. Essas permitiam aos empregadores portugueses contratarem trabalhadores a título de trabalho temporário e evitavam as restrições dos despedimentos e os custos elevados de pagamento de indemnizações por despedimento. O resultado desse desenvolvimento foi – tal como em Espanha na segunda metade dos anos 80 – a segmentação crescente do mercado de trabalho e o forte aumento da contra- tação temporária.

salvaguardou o direito à segurança no trabalho, o que impediu os suces- sivos governos de reformarem as leis laborais. A segurança social foi alar- gada a toda a população em 1974, mas alguns subsídios permaneceram abaixo da norma europeia. Para além disso, a maioria dos trabalhadores estava protegida por regulamentação legal, o governo introduziu em 1974 um salário mínimo, que é revisto anualmente, e aprovou uma nova lei em 1975 que dificultou os despedimentos coletivos. Essas medidas foram alteradas nos anos 80, quando sucessivos governos liderados pelo libe- ral-conservador Partido Social-Democrático, PSD, reformaram a Cons- tituição e aprovaram leis laborais que introduziram uma legislação mais flexível que facilitou os despedimentos coletivos e reduziu os custos das indemnizações por despedimento.3Esses desenvolvimentos resultaram numa deterioração dramática das condições económicas, com desem- prego em massa, inflação alta, grandes défices orçamentais e recessão, que exerceram uma forte pressão no mercado de trabalho e nas empresas e levaram a políticas deflacionárias pelos governos seguintes.

As tentativas de golpe de Estado falhadas em 1974 e 1975 abriram por- tas a uma nova fase no processo de transição que culminou nas eleições livres por sufrágio universal em 1975 e 1976. Depois das eleições, o Par- tido Socialista (PS), liderado por Mário Soares, tornou-se o maior partido e o Partido Comunista foi excluído do poder. Foi aprovada uma nova constituição em 1976. Isso preparou o caminho para a criação de um novo padrão de relações industriais. As secções seguintes irão descrever esse desenvolvimento de modo geral.

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