• Nenhum resultado encontrado

O processo de integração europeia tem exercido uma influência signi- ficativa nas relações industriais não só através da implementação do acquis

communautaire e da regulamentação europeia sobre questões sociais, mas

também ao promover uma socialização de elites e o desenvolvimento de redes transnacionais que mostram ser fundamentais para a consolida- ção dos grupos de interesses (recebem um apoio substancial por parte

63Nataf, Democratization..., 191. 64Id., ibid., 143.

dos seus homólogos europeus). Para além disso, o desenvolvimento de interesses económicos e de redes a nível europeu também consolida o apoio de atores económicos à democracia e o modelo económico e social europeu. O efeito mais importante, no entanto, tem sido que a europei- zação tem encorajado a abertura da economia portuguesa à concorrência crescente que levou a privatizações, downsizing e reestruturação interna de sectores económicos e à liberalização da economia. Esses desenvolvi- mentos geraram pressões e tiveram uma influência significativa nos atores sociais, contribuindo para o aparecimento de um novo padrão de rela- ções industriais.

Atualmente, os legados do autoritarismo e a experiência do período revolucionário têm travado os esforços para institucionalizar um con- junto de relações industriais modernas e estáveis baseadas na confiança. De facto, as relações industriais portuguesas ainda estão marcadas pela herança do corporativismo autoritário e pelas características específicas da transição democrática, em particular o facto de as mobilizações revo- lucionárias em massa terem encorajado a radicalização e o antagonismo de classes e levado ao intervencionismo e regulamentação do Estado.65 A falta de confiança está enraizada na agitação revolucionária, relacio- nada com o objetivo de eliminar o capitalismo e com o estabelecimento de legislação vantajosa para os trabalhadores. Esse desenvolvimento mudou a balança de poderes entre as classes trabalhadora e de capitais e, consequentemente, o papel político da classe trabalhadora organizada tem sido razoavelmente forte vis-à-vis a classe patronal organizada. O conflito entre classes tem sido agravado pela cisão entre comunistas e socialistas, que levou, como vimos, à fragmentação do movimento tra- balhador. Em resultado, diferenças de estratégias, estrutura e práticas im- pedem relações próximas entre os sindicatos. As consequências ainda se ressentem atualmente e mitigaram os efeitos da europeização e limitaram o seu impacto do ponto de vista comportamental e ideológico dos atores, travando assim o surgimento de um modelo baseado na confiança e na cooperação: divisões e polarização ideológicas, fragmentação do movi- mento trabalhador e patronal, rigidez no mercado laboral (isto é, despe- dimentos limitados e definição limitada de despedimento por justa causa); relações antagónicas entre a classe de trabalhadores e a classe de capitais; altos níveis de mobilização e conflito.

O Estado atual das coisas tem consequências significativas. Um dos principais desafios das chamadas economias suborganizadas é conseguir

a capacidade coordenadora pelos atores sociais que irá permitir-lhes res- ponder às pressões internacionais e resolver os problemas económicos que resultam da crescente concorrência internacional e da integração de mercado.66Infelizmente, em Portugal tem havido muito poucas melho- rias em estratégias tecnológicas, de gestão e comerciais, bem como um aumento limitado de produtividade. A competitividade ainda tem como base os salários baixos. No entanto, este modelo não é sustentável num mundo global onde Portugal enfrenta a concorrência crescente dos novos Estados membros e das economias de baixo custo da Ásia oriental.

O desafio da competitividade requer reformas estruturais e um cres- cimento económico, o que pressupõe um maior investimento em in- fraestruturas, esforços para melhorar a qualidade da educação, uma pro- moção rigorosa da concorrência em todas as áreas e uma simplificação fiscal. Portugal precisa de substituir o modelo de baixo custo por um de alto valor agregado baseado no valor agregado da intensidade de ca- pital de produção. Isso requer investimentos tecnológicos, uma nova cultura de empreendedorismo, um capital humano com fortes aptidões e, mais importante, um padrão de relações industriais flexível e adaptável baseado na confiança e na cooperação. De facto, enquanto as mudanças em regimes de produção e estruturas ocupacionais requerem uma maior flexibilidade, a crescente concorrência merece mecanismos institucionais que facilitem a cooperação entre os atores sociais e inclinem a balança da determinação dos salários para o lado do sector comercializável da economia. Daí a importância da negociação social, que é a chave para promover uma mudança de um modelo de baixo custo para um de alto valor agregado.

Quais são as perspetivas da negociação social nacional? Ainda não está claro

se as tendências atuais irão persistir no futuro, se irão consolidar o papel dominante tradicional do Estado nas relações industriais ou permitir aos atores sociais tomarem a iniciativa e afirmarem a sua autonomia. O su- cesso (ou fracasso) dessas iniciativas determinará a consolidação dessa abordagem. Como já vimos, o regresso da negociação social nacional tem tido consequências positivas para as economias portuguesas e con- tribuiu para sustentar um crescimento rápido. Ao mesmo tempo, a dis- cussão anterior sugere que as motivações que levaram os atores sociais a regressar às negociações sociais nacionais são mais estruturais do que a meta de participação na UEM e parecem perdurar no futuro. Os atores

66Peter Hall e David Soskice, coords., Varieties of Capitalism. The Institutional Foundations

sociais deveriam ter incentivos poderosos para continuar essa abordagem, tendo em conta as dificuldades que o governo e os empregadores tiveram no passado para controlar o aumento do salário global sem o apoio dos sindicatos, associado ao desgaste que fragmentações futuras teriam na posição das principais confederações. Para além disso, a análise do papel desempenhado pelo CES e pela CPCS sugere que uma estratégia em conjunto que tenha como base a negociação social durará mais tempo do que o máximo que os atores sociais têm sido capazes de desenvolver uma capacidade de aprendizagem estratégica.

Ao mesmo tempo, outros desenvolvimentos favorecem a continuação desses processos. Em primeiro lugar, a moderação salarial é a chave para colmatar a diferença entre os países mais ricos da UE (o PIB por cabeça em Portugal é só de 74% da média da UE), para explorar uma especiali- zação pela Europa e para atrair investimentos dos seus parceiros europeus (a retribuição média por hora na indústria ainda é inferior a metade do nível alemão). Para além disso, o abandono de estratégias de vastas ma- cronegociações – que abrangiam todos os aspetos e acabavam em ma- croacordos – a favor de uma nova estratégia que tem como base diferen- tes mesas de negociações é mais propício para acordos. Os atores sociais portugueses adotaram uma abordagem mais flexível através de negocia- ções paralelas de vários acordos de concertação social, cada um com um alcance limitado. Essa estratégia negocial tem como base um pacote de negócios que inclui tanto a organização e flexibilidade do mercado la- boral como importantes reformas sociais. Os novos pactos procuram manter o equilíbrio entre a flexibilidade e a solidariedade e entre a equi- dade e a eficiência. Fazem parte de uma troca política: benefícios sociais e emprego em troca de flexibilidade e moderação salarial. Em países como Portugal, onde as reformas unilaterais não têm sido eficazes e têm encontrado uma forte resistência, os governos são capazes de continuar a utilizar essa estratégia para ganhar legitimidade por reformas laborais e sociais pouco populares e para ultrapassar o veto institucional dos par- ceiros sociais. Os parceiros sociais, em resposta, são capazes de aceitar essa abordagem enquanto participarem no processo de fazer política e receberem compensações. Finalmente, um incentivo suplementar é o facto de a negociação social ajudar a evitar um efeito negativo da política social na negociação salarial.67

67Anke Hassel e Bernhard Ebbinghaus, «From means to ends. Linking wage modera-

tion and social policy reform», in Social Pacts in Europe. New Dynamics, coords. Giuseppe Fajertag e Philippe Pochet (Bruxelas: ETUI, 2000).

Para Portugal, com um tipo de relações industriais muito enraizado na lei e com uma forte intervenção do Estado, o desafio vai ser construir novos mecanismos institucionais que proporcionem os instrumentos ne- cessários para que os governos adotem as políticas do lado da oferta ade- quadas e contenham a inflação enquanto mantêm ativas as políticas fis- cais e para os microatores terem a flexibilidade interna e externa necessária e os custos mais baixos para competir efetivamente num mer- cado globalizado. A negociação social é o instrumento adequado para alcançar esses objetivos, pois fornece aos atores sociais processos para al- cançar um balanço entre eficiência e solidariedade enquanto vencem os pontos vetados.

Finalmente, a união económica e monetária europeia irá significar mais restrições em políticas económicas domésticas porque a união monetária subordina a política macroeconómica na área da UEM a uma única au- toridade monetária, o independente Banco Central Europeu. Embora al- guns académicos já tenham previsto a rejeição de esquemas de concerta- ção centralizada, novas análises demonstram a importância que a política de rendimentos terá no contexto da união monetária.68A política de ren- dimentos, com a sua influência nas relações laborais e nos custos do tra- balho, parece continuar a ser um instrumento adequado para melhorar a competitividade e contribui para convergir para os objetivos seguidos pelas economias europeias. Os benefícios da negociação salarial centrali- zada, no entanto, articulam-se muito com a habilidade dos líderes sindi- cais para controlar o crescimento salarial geral com o intuito de impedir medidas de política monetária que resultarão num desemprego mais ele- vado.69A UEM resultará na descentralização do nível de negociação sa- larial pela UE porque, por todo o lado, as organizações sindicais circun- dantes serão menos abrangentes e, por isso, terão menos incentivos para assimilar as pressões inflacionárias dos aumentos salariais.70O risco será

68Torben Iversen, Contested Economic Institutions: The Politics of Macroeconomic and Wage-

Bargaining in Organised Capitalism (Nova Iorque: Cambridge University Press, 1999).

69Pérez, «Yet the Century?», 22; Peter Hall e Robert Franzese, «Mixed signals. Central

bank independence, coordinated wage-bargaining, and European monetary union», In-

ternational Organization, 52, 3: 505-535.

70«Towards a euro wage?», pelo instituto de pesquisa inglês Industrial Relations Services,

sugere que o euro irá empurrar os sistemas salariais para dois caminhos, para a centrali- zação e descentralização, dependendo das regiões, dos sectores económicos e empresas (Financial Times, 13 de outubro de 1998, 3), Sirkka Hamalainen, do conselho executivo do Banco Central Europeu, declarou num discurso em Londres que a flexibilidade laboral melhorou e os acordos salariais tornaram-se mais moderados desde a introdução do euro. Declarou que «há provas de uma mudança muito significativa no comportamento do

que no novo contexto da UEM, no qual a negociação salarial é relativa- mente fragmentada, mas onde há uma única autoridade monetária para toda a zona, os negociadores salariais serão menos sensíveis às ameaças do BCE. Contudo, dado que os custos unitários do trabalho continuarão a ser um fator crítico na melhoria da competitividade, haverá grandes pressões por parte dos governos, empregadores e sindicatos para continuar com a negociação salarial a nível nacional.

mercado laboral nos países da zona euro, nomeadamente no campo das negociações sa- lariais... a disciplina melhorou bastante nesse campo, com as exigências salariais assu- mindo aparentemente um nível de inflação definitivamente mais baixo e ajustando-se mais rapidamente às condições cíclicas do que antes da introdução do euro» (v. «ECB hails euro effects on labour markets», in Financial Times, 26 de Fevereiro de 2002, 4).

Outline

Documentos relacionados