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O parlamento como elo de ligação entre a sociedade civil portuguesa e as instituições europeias

Como interlocutora das instituições europeias no mecanismo de alerta prévio do Tratado de Lisboa, no diálogo político com a CE, na coope - ração interparlamentar com o PE e no relacionamento institucional com o Conselho, a AR procurou assumir um papel político-institucional reforçado no referente ao processo de decisão europeu, nos seus mais variados níveis. Além do seu desempenho no processo de escrutínio das iniciativas europeias e como principal parceiro institucional do governo nesta matéria, o parlamento procurou também representar o elo direto de ligação entre a sociedade civil e as instituições da UE.

Por exemplo, a ação do parlamento português, em 2007, relativamente a uma iniciativa europeia a respeito da reorganização do sector viti - vinícola – a comunicação da CE «Para um sector vitivinícola europeu sustentável» – ilustra este papel de mediador das organizações da socie - dade civil e dos sectores diretamente afetados por iniciativas europeias entre os níveis nacional e europeu.53Cumprindo o seu procedimento de escrutínio, a CAE enviou a iniciativa para pronúncia da comissão competente em razão da matéria, à época a Subcomissão de Agricultura da Comissão de Assuntos Económicos, Inovação e Desenvolvimento Regional, que nomeou um deputado-relator e convocou uma audição pública com a participação de produtores de vinho, de organizações representativas do sector, do governo, de deputados portugueses ao PE e do comissário europeu responsável por esse portfólio. O debate foi precedido de uma consulta pública alargada e resultou num intenso debate acerca do conteúdo da proposta e das suas possíveis conse -

53 AR, COM (2006) 319, http://www.ipex.eu/IPEXL-WEB/dossier/dossier.do?

quências para a agricultura e o sector vitivinícola português. A sessão pública sobre o conteúdo da proposta, assim como as diversas diligências daí decorrentes, resultaram no facto de muitas das preocupações expressas pelo sector vitivinícola português terem sido tidas em consideração na versão final da diretiva e, sobretudo, terem permitido que o sector vitivinícola português se preparasse atempadamente para as mudanças resultantes da diretiva.

Conclusão

O presente capítulo descreve a importância da transmissão das iniciativas legislativas da CE aos parlamentos nacionais e os processos institucionais relativos ao escrutínio parlamentar dessas iniciativas. A adaptação do parlamento às novas responsabilidades que lhe são cometidas pelo Tratado de Lisboa ilustra o impacto da oportuna interação entre a pressão para a mudança (levada a cabo pelas disposições do Tratado de Lisboa referentes aos parlamentos nacionais) e a reforma dos procedimentos internos de escrutínio parlamentar (lei de escrutínio dos assuntos europeus e Regimento da AR) e a disponibilidade, por parte da CE, de, por um lado, disponibilizar novos recursos de informação acerca das suas iniciativas e, por outro lado, convidar os parlamentos nacionais a enviarem as suas reações («iniciativa Barroso»/«diálogo político»). Mais do que resultado da politização das questões europeias a nível nacional, a adoção de um sistema sistemático de escrutínio pelo parlamento português foi o resultado de uma coligação deliberada de atores políticos de todos os grupos parlamentares, bem como da participação dos mais destacados presidentes e membros da CAE, orientados para assegurarem uma resposta às pressões da UE por parte da AR, nomeadamente para assegurarem o envolvimento dos parla - mentos nacionais no processo legislativo de decisão europeu. O trabalho preparatório do parlamento, ao estabelecer o seu sistema de escrutínio através da adoção e implementação da lei de escrutínio dos assuntos europeus, em 2006, foi essencial para a plena participação do parlamento português no exercício de poderes, possibilidades e mecanismos que o Tratado de Lisboa viria a conter três anos mais tarde.

O parlamento procurou adaptar-se às oportunidades da evolução do contexto europeu, ajustando os seus procedimentos internos à nova realidade – em particular, fortalecendo as competências (pese embora não os recursos) da CAE e incluindo as comissões parlamentares

competentes na tarefa de escrutínio das propostas de legislação da UE. Esta nova rotina de internalização das questões europeias nas agendas das comissões parlamentares enraizou-se durante os anos anteriores ao da entrada em vigor do Tratado, constituindo já prática corrente quando o mesmo entrou em vigor, em 2009. Tentando ir além da abordagem de aprovação automática do processo de aprovação/ratificação, ex post, dos tratados, os instrumentos de escrutínio contínuo e ex ante das posições do governo, previstos na lei de escrutínio dos assuntos europeus, conferem ao parlamento um reforço dos seus mecanismos de fiscalização política do executivo.

A análise realizada neste capítulo, nomeadamente em relação a alguns casos de referência, ilustra uma certa – ainda que tímida – alteração qua - litativa do papel da AR, sobretudo na sua perceção da necessidade e da relevância do exercício do acompa nhamento e da participação parla - mentar no processo de decisão europeu: primeiro, a nível nacional – na participação na definição da posição nacional apresentada pelo governo – e, num segundo momento, a nível europeu – na participação no diálogo político com a CE e no controlo prévio da observância do princípio da subsidiariedade por parte das iniciativas das instituições europeias, na sequência do Tratado de Lisboa.

Resta, porém, que o elevado número de pareceres enviados pela AR às instituições europeias e que reflete uma significativa atividade parlamentar se traduza (mesmo que à custa de uma eventual diminuição numérica de elaboração de relatórios e pareceres) num efetivo poder de influência, quer a nível nacional, na definição da posição nacional, quer a nível europeu, na adoção final dos atos legislativos europeus.

Não obstante o acima mencionado, é facto que o parlamento possui agora um sistema de escrutínio legal e processualmente sedimentado, um contacto intenso com outros parlamentos nacionais – que constitui já parte da rotina de trabalho do parlamento Português –. e deu passos firmes para se estabelecer como um agente – a vários níveis – e como uma ponte entre os vários intervenientes nacionais e as instituições europeias. Parece possível afirmar, assim, que resta a cada ator, em cada momento, explorar as faculdades e condições ao seu dispor para que todo o esforço dedicado ao acompanhamento, à apreciação e à pronúncia parlamentar das iniciativas europeias conduza, se focado em prioridades e trabalhando de forma consequente, a resultados politi camente relevantes, condicentes com o reconhecimento do seu ativismo a nível quantitativo.

Por último, resta salientar que os poderes atribuídos pelo Tratado sobre a Estabilidade, Coordenação e Governação da União Económica e

Monetária à CE em matéria de fiscalização dos orçamentos nacionais leva-nos a revisitar a necessidade de um efetivo acompanhamento e escrutínio dos parlamentos nacionais ao poder executivo e ao processo legislativo europeu crucial para minorar as consequências políticas da limitação de mais um poder parlamentar clássico.

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