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As condições institucionais e estruturais em Portugal proporcionam uma base substancial para analisar os argumentos desenvolvidos pela li- teratura neocorporativista. Faltam algumas condições especificadas pela literatura que caracterizam os acordos neocorporativistas: os sindicatos

58Sebastián Royo, A New Century of Corporatism? Spain and Portugal in Comparative Pers-

pective (Westport: Praeger, 2002).

de trabalhadores portugueses não organizam uma grande proporção da população ativa e não têm o monopólio da representação. De facto, Por- tugal tem sindicatos de trabalhadores divididos e relativamente fracos com um nível baixo de filiações. A fragmentação é particularmente aguda, embora as duas maiores confederações, a UGT e a CGTP, domi- nem o movimento dos trabalhadores. Além disso, o país tem uma tradi- ção de confrontação dentro das maiores confederações por razões ideo- lógicas e o sindicato de orientação comunista tem sido dominante por um longo período de tempo. A CGTP deu alguns passos para quebrar algumas ligações com o Partido Comunista, mas o PCP ainda tem muita influência dentro do sindicato e tem um importante papel estratégico. Isso tem impedido a consolidação de boas relações entre a UGT (onde o PS e o PSD ainda têm um papel) e a CGTP. Além disso, os sindicatos têm pouco pessoal e carecem do poder organizacional e financeiro dos seus homólogos europeus. Além do mais, também existe uma fragmen- tação entre os empregadores, com três associações competindo pelo apoio das empresas. Finalmente, Portugal tem um sistema de negociação social relativamente descentralizado, um desenvolvimento, de acordo com a literatura neocorporativista, nada propício à moderação salarial.

Outros fatores, no entanto, favoreceram o desenvolvimento da con- certação social. Por exemplo, os sindicatos preferem negociações centra- lizadas à descentralização a fim de ultrapassarem a sua fraqueza a nível empresarial. Além disso, há organizações profissionais relativamente for- tes que monopolizam a representação na profissão. Essas organizações não estão categoricamente contra os sindicatos e querem evitar ataques ideológicos contra o movimento dos trabalhadores. Também têm que- rido negociar com os sindicatos para conseguir um pacto social.

O modelo de concertação português tem sido caracterizado por várias particularidades específicas que configuraram um processo de concerta- ção nitidamente diferente do existente noutros países, tais como a Suécia, a Áustria e a Holanda. Em Portugal, o processo de negociação social tem sido caracterizado pela primazia de considerações políticas sobre outros objetivos, forte intervenção do Estado, um único cenário institucional, objetivos específicos relacionados com o padrão político e económico existente e subordinação dos sindicatos aos partidos políticos.60

Um fator-chave que ajuda a explicar a evolução nos padrões das rela- ções industriais que surgiram em Portugal tem sido o modo de transição

60Sebastián Royo, From Social Democracy to Neoliberalism. The Consequences of Party He-

política. As fases revolucionárias do processo de democratização enco- rajaram a radicalização dos trabalhadores e intensificaram os antagonis- mos de classes.61Esse desenvolvimento deixou um legado de descon- fiança entre os atores e aprofundou a politização do sistema de relações industriais. A classe trabalhadora portuguesa foi um dos principais atores durante o processo de transição e participou ativamente no desenvolvi- mento da Constituição de 1976, o que resultou numa posição pró-traba- lhadores dessa Constituição.62A consequência desse desenvolvimento tem sido que os sucessivos governos democráticos enfrentaram constran- gimentos quando tentaram reformar as leis laborais para as tornarem mais favoráveis para as empresas. Por exemplo, em 1987, o Tribunal Constitucional declarou inconstitucional a reforma laboral aprovada pelo governo do PSD. Consequentemente, a opinião dos empresários nunca teve uma influência hegemónica e ficaram cientes de que tinham de ne- gociar com a classe trabalhadora para reformar as leis laborais.

Para além disso, uma das principais características que facilitaram o desenvolvimento e a institucionalização da concertação social em Por- tugal foi a criação em 1983 pelo governo PS-PSD da Comissão Perma- nente de Concertação Social (CPCS). Esta instituição estava encarregue de estabelecer um consenso entre os atores sociais e de facilitar a concer- tação. A função principal dessa instituição é formalizar mecanismos de participação e garantir que as opiniões dos agentes são tidas em conside- ração quando se aprova legislação que os afecta. A CPCS tem conse- guido moderar a oposição da CGTP às negociações centralizadas e en- corajou a colaboração entre a UGT e a CGTP.

Além disso, em Portugal, o partido no governo não tem conseguido constituir uma maioria constitucional que imponha a sua opinião – isto é, o PSD nunca recebeu uma maioria suficiente para reformar a Consti- tuição por si só, e daí a necessidade de fazer alianças com outros atores sociais para reformar o sistema. Os fatores institucionais também ajudam a explicar os resultados. Portugal tem um sistema semipresidencialista. Embora o presidente não tenha o poder do presidente francês – ou até

61Outros académicos argumentaram que o modelo espanhol parece confirmar que a

coligação de softliners intraregime e softliners extraregime resulta num modelo mais confli- tuoso de relações industriais que diminui o papel dos sindicatos, porque não são neces- sários para a consolidação dos objetivos dessa coligação. Em Portugal, pelo contrário,

extraregime softliners têm um papel central no processo de democratização, e isso resultou

num sistema mais inclusivo de relações industriais, porque precisam que as classes tra- balhadoras reforçam o seu programa (Nataf, Democratization..., 210).

62Rafael Durán Muñoz, Acciones Colectivas y Transiciones a la Democracia. España y Por-

do presidente norte-americano –, tem conseguido bloquear as propostas do governo quando é contra. Uma das principais características do sis- tema político português é o poder que o presidente tem de remeter le- gislação controversa ao Tribunal Constitucional. Esse equilíbrio tem sido reforçado quando o país elege um presidente de um partido diferente do que está no governo. Na segunda metade dos anos 80, durante o governo PSD, Mário Soares foi eleito presidente com o apoio do PS e do PCP. Ele pôde reprimir o impulso reformista do governo PSD e salvaguardou os direitos dos trabalhadores. Em 1986 ele impediu a implementação da reforma laboral aprovada pelo governo PSD. Enviou-a para o Tribunal Constitucional, que declarou que ela não estava em conformidade com a constituição do regime. Ele utilizou esse poder trinta e três vezes desde 1986 e conseguiu forçar o PSD dois terços das vezes a reformular legis- lação importante.63

Finalmente, os partidos políticos ainda têm um papel decisivo nos sin- dicatos (e vice-versa). Há representantes sindicais eleitos para o parlamento em listas partidárias e representantes partidários na comissão executiva dos sindicatos. Isso tem um papel decisivo na concertação porque permite aos partidos (nomeadamente ao PSD e ao PS) influenciar os sindicatos (UGT) para conseguirem a concertação. A UGT não é dominada só por um partido: tanto o Partido Socialista, PS, como o Partido Social-Demo- crata, PSD, controlam os sindicatos que integram a UGT (em 1981, o PS controlava 20 sindicatos e o PSD 24). O poder executivo está organizado pelas linhas partidárias e ambos os partidos concordam que o sindicato deveria estar envolvido num diálogo nacional sobre política económica. Por isso, a UGT rejeita uma abordagem de conflito de classes e defende o consenso e a negociação, ao contrário da confrontação.64

Conclusões: a europeização de grupos

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