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Um dos aspetos mais relevantes da análise do processo de integração europeia é o seu impacto sobre o poder executivo nacional. O debate em torno da existência de «novos processos de governação» é um bom exemplo deste impacto. A literatura relativa à «governação» reconcep-

22 Klaus H. Goetz, «European integration and national executives: a cause in search of

an effect?», West European Politics, 23, 4 (2000): 211-231.

tualiza assim os processos de governação, sugerindo a necessidade de um novo «mapa» para nos ajudar a compreender as suas formas modernas.24 Stoker sugere que este novo mapa implica uma análise da governação enquanto processo que envolve um conjunto de instituições e agentes (que podem ou não emanar do Estado), com fronteiras cada vez menos claras entre os papéis de diferentes agentes.25Neste novo mapa, a dimen- são europeia é uma das mais relevantes novas arenas de governação e de- cisão.

O impacto da UE também se articula com o popular conceito de «es- tado esvaziado».26Este sugere uma transferência para outras instituições e níveis de funções tradicionalmente desempenhadas pelos Estados na- cionais, criando assim um Estado nacional com uma «fachada externa» essencialmente inalterada, mas cujo conteúdo é cada vez mais inexistente. Neste contexto, a europeização surge como um bom exemplo desta transferência de responsabilidades e do esvaziamento dos Estados (e, im- plicitamente, dos executivos) nacionais. Como Stone Sweet, Fligstein e Sandholtz salientam, a integração europeia não pode ser separada de pro- cessos mais gerais de interação, que enfraquecem as estruturas de gover- nação nacional: «o passo para uma governação europeia tem sido fo- mentado por empresas que negoceiam cada vez mais fora das fronteiras nacionais, por economias europeias cada vez mais interdependentes em vários sentidos e por agentes que gradualmente constatam que as formas e os métodos da governação supranacional servem a sua conceção de in- teresses em evolução».27Independentemente da origem deste fenómeno, o impacto da europeização sobre os governos nacionais parece ser parti- cularmente forte.

No entanto, o fluxo de responsabilidades do domínio nacional para o supranacional não ocorre sem tensões ou conflitos. Como o estudo de Le Galès indica, a gradual resolução de conflitos entre os governos nacionais e a UE tende a produzir novos equilíbrios (assim como poten-

24 R. Rhodes, «What is new about governance and why does it matter?», in Governing

Europe, orgs. Jack Ernest Shalom Hayward e Anand Menon (Oxford: Oxford University

Press, 2003): 61-62.

25 Gerry Stoker, «Governance as a theory: five propositions», International Social Science

Journal, 50, 155 (1998): 17-28.

26 Robert Jessop, «The transition to post-Fordism...», 13-37; R. Rhodes, «The hollowing

out of the state: the changing nature of the public service in Britain», Political Quarterly, 65, 2 (1994): 138-151.

27 Alec Stone Sweet, Neil Fligstein e Wayne Sandholtz, «The institutionalization of Eu-

ropean space», in The Institutionalization of Europe, orgs. Neil Fligstein, Alec Stone Sweet e Wayne Sandholtz (Oxford: Oxford University Press, 2001), 2.

ciais tensões noutras áreas), resultando assim num processo de europei- zação «complexo e profundamente político» ao qual os governos nacio- nais – mesmo de países historicamente mais influentes no seio da UE, como a França – não podem escapar.28Este processo poderá ser mais lento e difícil do que alguns analistas ou mesmo atores políticos estima- riam ou desejariam.29No entanto, existe o consenso de que, de uma forma geral, o movimento do pêndulo não é desfavorável para o nível europeu.

Um modelo que encerra bem este gradual processo de transformação dos processos políticos na Europa contemporânea é o modelo de gover- nação multinível. Como referem Marks e Hooghe, a «autoridade formal tem sido dispersa dos Estados centrais, quer para cima, para instituições supranacionais, quer para baixo, para os governos regionais e locais», po- dendo-se acrescentar a esta lista também a cada vez menos nítida fron- teira entre os sectores público e privado, percetível no papel do terceiro sector nos processos de políticas públicas.30A governação multinível de- fine-se como sendo caracterizada por «trocas negociadas e não hierárqui- cas entre instituições a nível transnacional, nacional, regional e local».31 Neste sentido, o conceito de governação multinível permite-nos ultra- passar a divisão entre o estudo da política internacional e da política na- cional, uma dicotomia cada vez menos aplicável à realidade complexa e mutável gerada pelo processo de integração europeia. Como refere Scharpf, «as ferramentas conceptuais com que as subdisciplinas da ciência política de relações internacionais e política comparada estão a abordar o estudo das instituições europeias são inadequadas para lidar com inte- rações multinível».32

28 Patrick Le Galès, «Est maître des lieux celui qui les organise: how rules change when

national and European policy domains collide», in The Institutionalization of Europe, orgs. Neil Fligstein, Alec Stone Sweet e Wayne Sandholtz (Oxford: Oxford University Press, 2001), 125.

29 V., por exemplo, os comentários de Romani Prodi e de Gerhard Schröder. Para a

perspetiva de Prodi, v. a entrevista de outubro de 1999 ao diário espanhol El País, repu- blicada no European Foundation Intelligence Digest, 8 (22 de outubro a 4 de novembro, 1999), 81, www.europeanfoundation.org/docs/81id.htm. Para a visão de Schröder, v. o plano Schröder de 2001.

30 Gary Marks e Liesbet Hooghe, «Contrasting visions of multi-level governance», in

Multi-level Governance, orgs. Ian Bache e Matthew Flinders (Oxford: Oxford University

Press, 2004), 15.

31 B. Guy Peters e Jon Pierre, «Developments in intergovernmental relations: towards

multi-level governance», Policy and Politics, 29, 2 (2001): 131.

32 Cit. in Multi-level Governance, orgs. Ian Bache e Matthew Flinders (Oxford: Oxford

A utilização e o desenvolvimento do conceito de governação multi- nível por autores como Marks e Hooghe também encerram a noção de que a relação entre os diferentes níveis – e, de interesse particular aqui, entre o nível europeu e os executivos nacionais – não é caracterizada por uma definição jurisdicional clara, hierárquica e formal.33Ao invés, as ju- risdições podem variar em diferentes áreas de políticas públicas, informais ou formais, e também sofrer mutações ao longo do tempo. Esta distinção é captada pela definição de Marks e Hooghe dos tipos I e II de governa- ção multinível, cada um com implicações claras – e claramente distintas – sobre os processos de governação. O tipo I envolve uma estrutura ju- risdicional explícita, hierárquica e consideravelmente estável entre os di- ferentes níveis, em contraste forte com a estrutura complexa, fluida e composta de inúmeras e sobrepostas jurisdições do tipo II. O impacto do nível europeu é sobretudo captado por este segundo tipo de gover- nação multinível, em que surgem jurisdições específicas em termos de funções, com níveis jurisdicionais que se cruzam e se sobrepõem territo- rialmente, num processo capturado pelo conceito de «fragmegração». Este conceito, derivado da contração das palavras «fragmentação» e «in- tegração», ilustra de forma capaz o impacto distinto e aparentemente contraditório quando se analisa a governação multinível, em geral, e o impacto da europeização sobre os executivos nacionais, em particular.34 Neste contexto, vale a pena salientar a previsão de Schmidt da existência de uma correlação entre o impacto da europeização e a estrutura do Estado pré-existente.35Schmidt sugere que o impacto das estruturas de formulação de políticas «quasi-federalistas» e «quasi-pluralistas» da UE é mais intenso em Estados unitários do que em Estados federais ou em que se verifica um considerável grau de descentralização no poder, na medida em que impli- cam uma maior redução da autonomia e controlo do poder executivo.

A europeização do poder executivo:

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