• Nenhum resultado encontrado

Ao tratar da “evangelização e a separação do mundo”, Padilla começa dizendo que o evangelho não procede de homens, mas (vem) de Deus. Ele aponta para um horizonte, onde a presença divina no mundo traz conflitos, porque faz o homem se questionar sobre dualismos, procurar discernir entre o Deus (verdadeiro) e os falsos deuses, entre luz e trevas, entre verdade, erro e mentira, onde se pode perceber o bom ou o ruim perfume, na medida em que a presença divina se manifesta pelo evangelho e joga

luz onde não havia luz, provocando reflexões que antes não existiam. Padilla (1992, p. 22) afirma que:

O evangelho une, mas também separa. E desta separação criada pelo evangelho surge a igreja como uma comunidade chamada não para ser do mundo, mas para estar no mundo. Urge a recuperação de uma evangelização que faça justiça ao binômio mundo/igreja, visto na perspectiva do evangelho: uma evangelização que se oriente para o rompimento da escravidão do homem no mundo e que não seja uma expressão da escravidão da igreja ao mundo”.

A igreja tem como sede o mundo, mas não deve ser serva dele. Precisa brilhar, ser luz onde existem trevas, semear a boa palavra, estar no mundo sem ser do mundo. Isto significa fazer a obra de Deus na terra, sem se contaminar com as coisas terrenas, como a mentira e o pecado derivados destas. A igreja precisa servir a Deus aqui no mundo, como uma comunidade diferenciada, feita para amar ao próximo, dar assistência aos necessitados, ajudar a todos os que venham “bater à sua porta”, sem discriminar, sem olhar se são judeus ou gregos. Antes de tudo, deve amar como fez o bom samaritano, que não perguntou ao judeu caído quais títulos possuía ou se tinha condições de devolver os gastos. Não perguntou quem era a pessoa carente, maltratada pelo mundo secular. Só amou a seu próximo e pronto.

Padilla aborda a questão da evangelização e da proclamação da palavra de Jesus, sendo ele o Senhor de tudo. Os discípulos perceberam isto em sua convivência direta e constante com Jesus, mas parece que só ficou claro, definido e certo que Jesus era de fato Senhor, quando de sua ressurreição. Padilla (1992, p. 22) relata que:

Dizer que Jesus Cristo é o Senhor é dizer que o mesmo Jesus a quem Deus colocou como sacrifício pelo pecado por meio de sua morte, havendo providenciado a base para o perdão de pecados mediante o sacrifício de si mesmo, ocupou o lugar que lhe corresponde como mediador no governo do mundo.

Para Padilla, esta situação revela um Deus que não só perdoa pecados por meio de sua morte na cruz, mas também apresenta seu Reino. E esta dupla libertação, isto é, do pecado e da escravidão do mundo, mostra um rei celeste que salva o ser humano tanto das dores do espírito como do corpo. Jesus vence as potestades malignas com um golpe triunfal na cruz. Jesus foi exaltado como Senhor do universo e por isso mesmo, pode salvar todo o mundo. No dizer de Padilla (1992, p. 23), “a salvação em Cristo envolve tanto o perdão dos pecados como a vitória sobre o mundo, por meio da fé”.

Analisando esta situação, pude perceber que é por meio da fé que se alcança a vitória em Cristo o Senhor, e para dizer que ele é de fato Senhor, precisamos estar dispostos a servi-lo em espírito e em verdade. Esse Jesus Senhor foi feito Rei por proclamação de Deus, atuando na vida das pessoas para formar uma nova humanidade, melhor e comprometida com o amor ao próximo.

Essa nova humanidade que se espera formar é a esperança da igreja, livre do domínio dos ídolos e senhores deste mundo. E proclamar que existe um só Deus, o Pai, para quem a igreja deve existir, e um só Senhor, mediador de todos os homens, Jesus Cristo, Senhor de todo universo, significa aceitar por completo que só Jesus Cristo salva. Estar livre dos ídolos é importante para que o ser humano se entregue por inteiro à obra missionária integral, que se executa no mundo.

Evangelização e mundanidade envolvem a propagação do evangelho neste mundo em que vivemos por meio da fé. Os crentes, segundo Padilla, se não ficarem com os olhos da fé abertos, correm o risco de se voltar novamente aos desejos do mundo. Não só isto, podem até criar uma “sub-cultura evangélica”, elaborando regras que nem sempre condizem com o evangelho, tolhendo a liberdade que deve ser proclamada por ele. Outra forma de mundanidade que pode incidir na missão da igreja é a tentativa de se adaptar o evangelho ao “espírito da época”. Padilla, em sua obra “Missão Integral – ensaios sobre o reino e a igreja”, apresenta exemplos do cristianismo secular e cristianismo-cultura, os quais passo a expor e a comentar:

O primeiro exemplo é o do cristianismo-cultura, a identificação do cristianismo como uma expressão cultural determinada, manifesta num evangelho interpretado como um produto econômico. Isto está muito relacionado com a forma americana de vida, em que se confunde o cristianismo com o ser (um consumidor) americano. A imagem deste cristão revela a tentativa de chegar ao sucesso como negociante exitoso, uma pessoa que encontrou a felicidade. Isto para Padilla (1992, p. 28) apresenta um problema fundamental:

O problema fundamental é que, num mercado de livres consumidores de religião em que a igreja não tem a possibilidade de manter o monopólio religioso, este cristianismo adotou o recurso de reduzir sua mensagem ao mínimo, para tornar possível que todos os homens queiram ser cristãos”. E continua: “o evangelho assim se converte numa mercadoria cuja aquisição garante ao consumidor a posse dos valores mais altos: o êxito

na vida e a felicidade pessoal agora e para sempre. O ato de aceitar a Cristo é o meio para alcançar o ideal da boa vida sem custo algum.

Com isto, a cruz de Cristo fica sobre os ombros dele. Ele é quem deve levá-la para que os convertidos neste sistema mercantilista não precisem se esforçar e possam tão somente gozar de uma boa vida, regada de bens materiais. Padilla aponta para um “analgésico”, um paliativo que não cura, mas adormece por algum tempo o cristão que se rende a este tipo de “conversão”, apenas para desfrutar das coisas deste mundo. Este evangelho que se tornou um produto econômico precisa ser distribuído ao maior número de pessoas possível, e a tecnologia é uma grande aliada para esta empreitada. O que vale é o rebanho aumentar em quantidade, para mostrar matematicamente que o cristianismo está se expandindo. Mas este tipo de expansão numérica não revela a essência deste crescimento, que é uma multidão de “pedintes”, os quais confundem o evangelho da cruz de Jesus Cristo com a boa vida sem esforços.

Compreendo que a crítica que Padilla faz à tecnologia (ou técnica) não se refere a uma oposição ao uso dos meios de comunicação e de fluidez da riqueza, não sendo ele contrário ao desenvolvimento da ciência ou da tecnologia, como ele mesmo disse (PADILLA, 1992, p. 28): “obviamente o questionável nesta aproximação à evangelização não é o uso da técnica em si: vista por si só, a técnica, como a ciência ou o dinheiro, é moralmente neutra”. O que ele procura combater é a ideia de um cristianismo antropocêntrico, fazendo do homem o centro do evangelho no qual o Senhor Jesus Cristo deveria ser central.

Com um mundo globalizado, a missão torna-se também global. Padilla (1997-b, p. 219) reconhece e sabe deste desafio missionário, dizendo que “inegavelmente nestas últimas décadas o mundo se fez mais pequeno com a trans-nacionalização dos capitais, das indústrias, do comércio e do turismo; as comunicações via satélite, a difusão de programas sociais, políticos e econômicos, o mundo é hoje mais que uma aldeia global”. É neste novo cenário mundial que o missionário terá de enfrentar novos desafios culturais.

Já o cristianismo secular, que segundo Padilla (1992, p. 26) tem “o conceito de que o mundo natural representa a totalidade da realidade e que, portanto o único conhecimento possível seja o científico”, leva a crer que “tudo o que acontece no universo pode ser explicado com base em leis de causa e efeito; o que não puder ser

investigado por métodos empíricos não pode ser real”. Isto leva a uma outra consequência: fica descartada a existência de Deus como ser transcendente com poder para atuar na história e na natureza. Logo, é um caminho que pode conduzir o homem ao mundo, por entender que pela ciência, ele não necessita da “premissa de uma realidade sobrenatural, que é a premissa básica da religião”.

O cristianismo secular coloca o homem como o centro da capacidade e das decisões que acontecem e que vão acontecer no mundo, onde Deus em nada pode influenciar. Excluir Deus da atuação livre em tudo o que acontece na natureza e na vida pessoal dos seres humanos é uma forma de se acomodar ao pensamento da época, que para Padilla é também uma forma de mundanidade. De forma absoluta, agir e pensar desta forma é uma negação da mensagem bíblica, que apresenta como um de seus pressupostos o de que Deus age e atua livremente em todo o universo. Padilla (1992, p. 27) ao dizer que “substituir o amor de Deus manifesto em Jesus Cristo pelo amor às coisas da cidade secular, como se a ordem presente, à qual pertencem, tivesse valor absoluto”, deixa claro que isto não é bom, porque trocaríamos o amor ao próximo, a natureza e a Deus pelas coisas materiais, que se acabam de forma rápida, coisas que “a ferrugem corrói, a traça come e o ladrão rouba”.

A evangelização e a separação do mundo, conforme Padilla (1992, p. 30), vêm mostrar que “o evangelho é um chamado não somente para confiar, mas para arrepender-se, para romper com este mundo. E somente na medida em que sejamos livres deste mundo poderemos servir aos homens”. Libertar-nos das coisas terrenas nos dá a oportunidade de servir a Deus por meio da proclamação da palavra e da assistência social ao nosso próximo. Isto implica o desapego de tudo o que se constitui matéria, objetos que muitas vezes nos fazem desejar sem limites, consumir em excesso e desperdiçar recursos naturais pelo gozo rápido, sem olharmos ao redor para perceber que este é o tipo de mundanidade a que faz referência o evangelho, ao nos alertar para que “não amemos este mundo, porque quem ama este mundo o amor do Pai não está nele”. Mundo aqui tem a dimensão do apartar-se de Deus e querer viver de forma independente do Criador, o que caracteriza uma secularização radical.

O compromisso do crente com Jesus Cristo de servi-lo de maneira completa é uma forma real de se afastar da secularização e do mundo, voltar-se para a palavra de

Deus e comprometer-se com as ações sociais junto aos necessitados e, adicionalmente, zelar pela criação como um todo. A proposta de Padilla (2003, p. 15) se apresenta assim: “a missão integral é a expressão concreta do compromisso com Jesus Cristo como o Senhor da totalidade da vida e de toda criação”. Esta aliança com Jesus é a única maneira cristã de se evitar o secularismo radical. A evangelização e o compromisso da igreja missionária é o que veremos no próximo ponto desta pesquisa.