• Nenhum resultado encontrado

O evangelho deve promover a liberdade, proclamar a libertação aos cativos e restaurar vidas. A conquista da liberdade não significa estar a pessoa livre para fazer tudo o que bem entender, sem regras e sem prestar contas de seus atos a Deus e aos homens. Para Stott, a liberdade começa com o perdão dado por Jesus, porque a verdade nos liberta do pecado, pelo perdão dado por Deus. Em sua obra “Cómo comprender la Biblia”, Stott (1977, p. 13) associa liberdade com salvação dizendo que “salvação é liberdade. Sim, e também renovação de todo o cosmo”. Esta questão cósmica influencia Stott ao ponto de utilizar em sua teologia da missão, o termo missão mundial, com muita frequência.

Esta liberdade que o evangelho nos proporciona, possui uma dimensão cósmica compreendida no seguinte espaço: com Deus, com o próximo e com a natureza. Stott (2011, p. 43), quando trata sobre o cuidado com a criação relacionada à nossa liberdade, adverte que a mesma deve ser responsável e vigiada:

A Bíblia nos diz que, na criação, Deus estabeleceu para os seres humanos três tipos fundamentais de relacionamento: primeiro com ele mesmo, pois ele fez o homem à sua própria imagem; segundo entre si, pois a raça humana é plural desde o princípio; e terceiro para com a boa terra e as criaturas sobre as quais ele os estabeleceu.

Sendo assim, podemos compreender que esta dimensão da liberdade humana, para com Deus, o próximo e com a natureza – seus elementos naturais e os animais – nos permite uma sensação de domínio pelas técnicas descobertas pela ciência. Ao mesmo tempo, nos revela a fragilidade e a impossibilidade de agir com as forças naturais que assolam a vida na terra. Fazer bom uso desta liberdade é ser compromissado com a vida oferecida por Deus no espaço cósmico, amando e respeitando tudo aquilo que nos foi confiado. Isto inclui o fazer missionário, como exemplo de liberdade de proclamação da palavra e das ações sociais.

A liberdade para Heimann (2008, p. 575) é definida em seus aspectos gerais da seguinte forma:

Nas ciências sociais sob aspectos gerais, concorda-se em definir liberdade, como a condição de um indivíduo não ser submetido ao domínio de outro, tendo o poder sobre si mesmo, sobre suas ações e decisões, pressupondo a ausência de coação ou constrangimentos externos; na filosofia, para Montesquieu, liberdade é o direito de fazer tudo quanto as leis permitem. Já Kant entendeu a liberdade como liberdade de consciência. Para Leibniz, somos livres porque Deus nos comunicou um grau de sua perfeição e de sua liberdade.

Em Stott, a liberdade verdadeira encontra-se em Jesus Cristo que nos liberta da consciência da culpa, do ego e do poder do medo. Não existe para ele, um apontamento direcionado para a libertação do corpo, dos males causados pela ausência de ações sociais e da opressão política, do sofrimento quando a dor se reconhece na exposição de corpos marcados pela violência, fome, miséria e descaso social. Assim, das definições acima, as que mais se aproximam de Stott, segundo meu entendimento, são as definições de Kant e de Leibniz, ao se aproximarem da consciência e da imagem de Deus em nós.

Compreendo que a liberdade nesse sentido, seria uma acomodação “nos braços de Jesus” (no sentido de descanso e liberdade), numa ação teológica refletida, e não propriamente um estado de dormência, cuidando a pessoa mais de si, que se envolvendo com as causas sociais, mesmo que ficando restrita ao espaço delimitado na comunidade

cristã, se envolvendo com as pessoas que fazem parte da igreja. Esta liberdade é, no entanto, um chamado de Cristo para que os cristãos ultrapassem a linha demarcatória da igreja e se relacionem, se envolvam com o mundo, no sentido de, cf. Stott (1997, p. 58) “levar aos cativos a liberdade do evangelho”.

Stott enquadra a questão da liberdade no NT conforme a citação anterior e adiciona que ela poderá ser alcançada pelo amor. }Ele faz um paralelo ilustrativo (1997, p. 59): “se a água é o elemento em que os peixes se encontram como peixes, então o elemento em que os humanos se encontram como humanos é o amor, as relações de amor”. Ele coloca o amor sob um aspecto geográfico com se fosse um espaço físico de encontro, sendo o amor o oxigênio que preenche este espaço, e a liberdade, como sendo uma escolha, sem opção de outra, para assim ser livre. É no cuidado, na precaução de nossas escolhas que devemos centrar nossa atenção e procurar fazê-las dentro do que é transmitido pelo evangelho.

Refletindo sobre os pontos de liberdade, compreendo que não se deve agir sob o manto da liberdade de forma irrestrita para depois procurar justificativas no “destino divino” a fim de se isentar de suas ações negativas. Deve o homem, antes de agir, consultar sua consciência e sendo religioso, acreditando em Deus, “deve orar antes e agir depois” e não o contrário, isto é, agir primeiro e orar depois, porque a falta de cuidado com a liberdade pode levar o ser humano a sérias consequências.

Na sequência da citação de Heimann (2008, p. 575), em se tratando do compromisso da liberdade com a ética cristã, observa-se o que segue:

A ética cristã propõe decisões e ações que permitam ao indivíduo viver em harmonia consigo, com o próximo, com a natureza e com Deus. A fonte da ética cristã é a revelação de Deus aos humanos, encontrada nas escrituras sagradas. Está fundamentada em Cristo e na sua obra em favor da humanidade. A moralidade ou ética cristã, portanto, pode ser definida como a aceitação voluntária da vontade divina como norma, por personalidades humanas livres, com o objetivo e a finalidade de realizar esta vontade na vida individual bem como nas várias relações sociais. Portanto, o conceito de liberdade cristã brota do ser imagem de Deus em Cristo.

Comparando a questão da liberdade em Stott, com a citação anterior, percebi semelhanças de conteúdo, por expressar a liberdade um sentido de vigilância do evangelho. Pelo amor ao próximo e no pedido de perdão a Deus pelos pecados

cometidos, o cristão pode ser ético e restaurar sua imagem e semelhança de Deus em Cristo Jesus. Pode recriar a possibilidade de uma vida pessoal e social pautada pelo amor a Deus e ao próximo como a si mesmo, dando à liberdade uma forma de agir consciente e respeitosa para com o ser humano, os seres vivos em geral e o meio ambiente. Pela palavra do evangelho ela pode ser renovada a cada dia em nossas vidas, permitindo a todos nós vivermos em liberdade com total responsabilidade.

Esta dimensão da liberdade de cuidado e zelo na vida cristã em toda sua extensão cósmica deve e precisa ser levada a sério, porque é um elemento importante para que o missionário, ao desempenhar a missão mundial, tenha suas atitudes e ações práticas pautadas no evangelho. Quando Stott (1992, p. 58) nos lembra que “missão quer dizer atividade divina que emerge da própria natureza de Deus. Ora, o Deus vivo da Bíblia é um Deus que envia”, devemos ficar em alerta com os cuidados que precisamos ter com nossa liberdade, pois ela teve de ser comprada por alguém. A humanidade era escrava do “senhor” pecado e seu penhor foi pago com a vida de Cristo na cruz, um preço elevado, incapaz de ser mensurado financeiramente, pois foi a preço de sangue derramado na cruz de Cristo. Este é nosso próximo ponto a ser tratado nesta pesquisa, dentro da perspectiva da missão mundial.