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Carlos René Padilla nasceu em 1932 num lar evangélico batista muito simples, em Quito, Equador, e quando tinha apenas dois anos e meio de vida a família mudou-se para a Colômbia em busca de uma vida financeira digna. Nessa época tinha três irmãos e três irmãs, sete filhos no total. Fez seu estudo primário (fundamental) na Colômbia e quando estava cursando o terceiro ano, foi expulso da escola “por não querer assistir a uma procissão” (cf. ZWETSCH, 2008, p. 146). Isto mostra um pouco da situação religiosa em que estavam vivendo os evangélicos naquele momento e no país. Sua família voltou ao Equador, em parte motivada pela perseguição religiosa e também por questões de estudo dos filhos. Então ele acabou fazendo o segundo grau (médio) em Quito.

Padilla fez duas graduações nos Estados Unidos da América no Wheaton College, onde se formou em filosofia e em seguida teologia. Assim que terminou os estudos da graduação, ele se vinculou à CIEE – Comunidade Internacional de Estudantes Evangélicos – sendo nomeado secretário viajante para cobrir e realizar trabalhos na Venezuela, Colômbia, Equador e Peru, em 1959. Foi em 1963, já casado e com duas filhas, que ele viajou para a Inglaterra para fazer um doutorado em Ciências Bíblicas, sob a direção do professor F.F. Bruce. Lá ficou por dois anos e, quando terminou seu estudo, voltou para a América Latina, na época com sua mulher e três filhas, estabelecendo-se em Lima, Peru.

Após pouco mais de um ano no Peru, Padilla mudou-se para a Argentina com sua família. Ele recorda que (apud REY, 2010, p. 1) “seu trabalho com a CIEE começou em 1959 e terminou em 1982 na Argentina”. Também esteve à frente da revista “Certeza” e foi diretor da revista “Iglesia y Misión” por vários anos. Ao deixar a CIEE, passou a servir no campo da literatura evangélica. Trabalhou com a editorial “Caribe” e posteriormente foi trabalhar como secretário executivo da FTL – Fraternidade Teológica

Latino-Americana, da qual havia sido membro fundador. Zwetsch (2008, p. 149) ao estudar o pensamento de Padilla nos diz que:

Em 1971, René Padilla participou de um encontro de teólogos e intelectuais evangélicos realizado em Cochabamba, Bolívia. Foi nessa oportunidade que se decidiu constituir a Fraternidade Teológica Latino- Americana (FTL), realizando um sonho ha muito aguardado. A FTL responsabilizou-se pela organização de diversos Congressos Latino- Americanos de Evangelização (CLADEs). Padilla é um dos fundadores da FTL, junto com Samuel Escobar, Pedro Arana (ambos companheiros especiais) e outros.

Ao longo de sua trajetória (ZWETSCH, 2008, p. 149) Padilla foi “conferencista, articulador do movimento estudantil evangélico internacional, editor de literatura evangélica, pastor local e liderança reconhecida nos meios evangélicos”. Acrescento que também foi (e tem sido) um escritor, organizador e editor profícuo, destacando-se em seus escritos os livros “Missão Integral: ensaios sobre o reino e a igreja”, “O que é missão integral?” e “Discipulado y Misión”. Sua luta por um evangelho integral começou cedo. Aos dezessete anos de idade já pregava em penitenciárias e em estação de rádio no Equador, sempre preocupado com o fundamento bíblico e ação na missão integral contextualizada na vida das pessoas. Assim continua até hoje, orientando seu ministério pastoral, profissional e vida pessoal pelo evangelho. Padilla atualmente continua trabalhando como secretário de publicações da FTL, e ainda é presidente da rede Miquéias e da Fundação Kairós na Argentina, das quais também foi fundador. Na Igreja Batista de La Lucila, em um bairro residencial de Buenos Aires, ainda continua colaborando como membro da comissão de pregação.

Em se tratando de sua vida e obra, é conveniente mencionar nesta pesquisa que a preocupação e o trabalho missionário de Padilla foram realizados em grande parte no contexto social da América Latina. Em uma de suas últimas entrevistas dada ao informativo Enlace no ano de 2010, concedida ao pastor Victor Rey, ele se manifesta quanto às tarefas da teologia, o panorama teológico de hoje, o futuro da teologia e sobre quais áreas são as mais necessitadas de uma reflexão teológica na América Latina. Padilla (apud REY, 2010, p. 4) responde em linhas gerais que a tarefa da teologia é dupla: “uma tarefa crítica e outra construtiva para apontar a direção na qual a igreja deve mover-se em obediência ao evangelho”.

A tarefa da teologia na América Latina deve e precisa ser pensada dentro do contexto de seu povo. Isto nos coloca diante da situação econômica, política e religiosa, respeitando as diferentes formas de cultura. Nesta geografia tão extensa, isto se diversifica de maneira radical, mesmo dentro de cada país latino, como no Brasil, onde as formas de pensar, agir e sentir, se modificam bastante entre as regiões norte, nordeste, sul, sudeste e centro-oeste. As situações vividas no cotidiano latino, como a ambiental, a da violência, a da corrupção (histórica), devem ser inseridas na reflexão no diálogo cristão, trazendo para dentro das comunidades elementos que lhes permitam associar a teologia e a missão aos fatos vivenciados no terreno prático da vida.

Quanto ao panorama teológico de hoje na América Latina, Padilla (apud REY, 2010, p. 4) responde que:

No panorama teológico da América Latina, tem havido um crescimento nos círculos evangélicos, quanto à preocupação por uma reflexão teológica. Todavia, penso eu, estamos longe de alcançar uma situação necessária (suficiente), porque em muitos setores se teme a teologia ou a relega a uma posição de nenhuma importância, se crê que a igreja pode funcionar perfeitamente com fórmulas que recebeu de fora. Não há uma reflexão teológica em muitos círculos e eu creio que isso é assunto de preocupação porque às vezes, as coisas vão cambiando em certas situações. Ver que a juventude tem preocupações teológicas e está aprendendo a pensar teologicamente é algo que anima.

Pensar a situação geral da teologia latina, para Padilla, é perceber como está se fazendo a reflexão teologica, a qual vem se expandindo. Mas este crescimento ainda não é suficiente para abarcar as tarefas que devem ser cumpridas pela missão cristã. A postura de “defesa” de boa parte dos evangélicos, procurando não se sabe ao certo se defender de quê, coloca a teologia muitas vezes como um sinal de ameaça à fé cristã e não como um complemento da fé, mesmo que seja crítica, mas sabemos que ao final esta seria mesmo uma crítica construtiva.

É possível perceber que o apego radical às Escrituras não permite à maioria dos fiéis evangélicos se darem a liberdade de contrapor ideias novas e reflexivas, devendo apenas aceitar os dogmas pré-estabelecidos, gerando uma falsa segurança e garantindo a unidade do rebanho. Um dos fatores que levam ao crer sem criticar está na postura das lideranças da igreja que, de modo geral, são pessoas com idade madura. Elas, com suas imposições, acabam de certa forma inibindo a possibilidade de uma reflexão mais

“livre” que poderia advir por meio dos mais novos e dos estudantes de teologia de instituições não ligadas diretamente a sua denominação religiosa.

Quanto ao futuro da teologia na América Latina, Padilla (apud REY, 2010, p. 5) afirma:

A nova geração é que precisa se responsabilizar pela tarefa teológica, como pela tarefa da igreja em geral; sinto falta de mais gente que veja a importância da reflexão teológica, não como uma ocupação ociosa para os que têm demasiado tempo sobrando e não têm nada que fazer. Alguns contrapõem, por exemplo, a evangelização com a reflexão teológica, e eu não creio nisso. Eu creio que não há reflexão que não faça incidência na vida prática, se é que uma reflexão possa se desprender do compromisso cristão às vezes sem reflexão da tarefa em que estamos empenhados, isto se torna um mero ativismo, e eu não creio num mero ativismo nem em intelectualismo, creio em uma teologia que ilumina a ação da igreja e que critica o que deve ser criticado desde uma perspectiva bíblica.

Sobre essa questão, Padilla vê o futuro da teologia na América Latina como um compromisso a ser assumido pela nova geração. Esta situação precisa ser colocada e contextualizada considerando a igreja e a reflexão teológica como algo essencial e não acessório, como muitas das vezes é visto pelas pessoas.

A tarefa de se refletir teologicamente, alinhada à vida concreta, precisa ser prioritária e vinculada à vida cristã. É um feito a ser realizado por todos e transmitido o mais cedo possível às novas gerações de cristãos, para terem no fazer teológico uma motivação prática e séria, voltada para atender às necessidades humanas em sua integralidade.

Sobre a questão voltada para as áreas necessitadas (débeis) dos evangélicos na América Latina, Padilla (apud REY, 2010, p. 5) responde:

Não se pode falar sobre isso a não ser em termos gerais, dependendo muito da situação. Há situações em que não se está estudando a Palavra como se deve, há pregações vazias da Palavra, existe muita ênfase na emoção, não se reflete, há muita pobreza intelectual e dependência do que se pensa fora do contexto latino-americano; estamos recebendo diretivas de outros lados e isso não ajuda, não há preocupação por uma liderança local enraizada na Palavra e na situação (real) de nosso povo (latino). Às vezes falta um trabalho sério de contextualização no solo evangélico que determine o futuro da igreja.

A necessidade mais aparente dos evangélicos latinos, é que se precisa estudar mais a palavra e refletir dentro de nosso contexto cultural. É preciso saber interpretar o

que nos é apresentado de outras realidades e países e colocar isso dentro de nossa realidade. A formação de lideranças que pensem o evangelho pelo viés latino irá determinar o futuro das igrejas instaladas e consequentemente o futuro regional das comunidades cristãs.

Feito este panorama da vida e obra e do contexto latino-americano a partir do qual Padilla propõe sua práxis teológica da missão integral, passemos às questões do evangelho e o mundo.