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3.3 – Conceito de Igreja na Missão de J Stott e de R Padilla

Na parte 1.3 do capítulo I tratei da questão referente à missão mundial da igreja na perspectiva de J. Stott e na parte 2.3 do capítulo II tratei da missão integral da igreja sob a percepção teológica de R. Padilla. Nesta parte da pesquisa abordamos a questão da “igreja e missão” em que quatro elementos pontilham o tema, isto é, discipulado e ensino, palavra, serviço social e Reino de Deus.

J. Stott vê a inauguração da missão mundial da igreja com o advento da descida do Espírito Santo sobre ela (2007-b, p. 321):

Depois da descida do Espírito e do contra-ataque de satanás cuja derrota foi comemorada por Lucas (em Atos 6.7), a igreja está praticamente pronta para iniciar sua obra missionária. Até aqui ela se havia limitado aos judeus e se restringido a Jerusalém. Porém, agora, o Espírito Santo está prestes a empurrar seu povo para o mundo e o apóstolo Paulo é o instrumento escolhido por Deus para levar adiante esse empreendimento. A igreja recebe a responsabilidade de ir ao mundo para buscar os “perdidos”, ou seja, os que precisam se arrepender de seus pecados. A missão (cf. STOTT, 1997, p. 328) “começa no coração de Deus” porque “o Deus vivo da revelação bíblica é um Deus missionário”. Sendo assim, uma igreja que não se proponha ao serviço missionário perde por completo sua razão de existir, pois sua função é exatamente essa: o levar o evangelho pelo mundo. Para Stott, o discípulo que irá promover a missão, precisa ser “humilde” (cf. STOTT, 1997, p. 363) para alcançar os “orgulhosos” que porventura não aceitaram a Jesus como salvador de suas vidas.

Os discípulos precisam ser guiados pelo Espírito Santo para testemunharem pelo mundo o evangelho de Jesus, porque (STOTT, 1997, p. 374) “o Cristo do evangelho é missionário, ele comissionou a igreja para ir e fazer discípulos de todas as nações”. Em relação a isso não há acepção de pessoas, porque todas em absoluto podem ser salvas e ingressar na igreja. Assim, sucessivamente aumentará dia após dia a quantidade de pessoas na igreja, que, segundo a teologia da missão de Stott, serão vistas como pessoas salvas em Jesus Cristo. É pelo Espírito Santo que o discípulo sai pelo mundo anunciando o evangelho e levando com isso as boas novas a todos os povos, porque (STOTT, 1994, p. 139) “a presença do Espírito está presente hoje para espalhar seu povo (discípulos) pelo mundo” e com isso, concretizar a missão mundial.

Este discípulo que deve sair indo pelo mundo anunciando o evangelho, deve cumprir sua missão com amor, pois (STOTT, 2011, p. 20) “a intenção de Deus para a sua igreja é que ela seja uma comunidade de amor, de adoração e de serviço”. A tarefa missionária deve ser realizada não como uma simples forma de se cumprir um mandamento árduo, mas deve ser concretizada com disposição e caridade, algo central na palavra, até porque (STOTT, 2011, p. 20) “todos sabem que o amor é a maior virtude do mundo, e os cristãos sabem o motivo: é porque Deus é amor”.

Este amor divino é para Graham (1974, p. 15) ilimitado: “Deus não conhece limites. Não há limites para o seu poder. Não há limites para o seu amor. Não há limites para sua misericórdia”. Aqui, ao tratar do amor de Deus, ele se aproxima de Stott. Ao fazer menção à “misericórdia” ele se aproxima de Padilla, ao menos em parte, porque a misericórdia é um dos componentes da mensagem do Reino de Deus. Mais adiante, Billy Graham volta a distanciar-se da teologia de Padilla, porque volta a colocar no Reino de Deus, o foco da salvação limitada ao perdão dos pecados pessoais.

Para Graham (1974, p. 50)

O primeiro sermão que foi pregado pelo Senhor Jesus foi: ‘arrependei- vos, porque está próximo o reino dos céus’. Era Deus quem falava por intermédio do seu Filho. Jesus viera com um coração repleto de amor e compaixão, mas imediatamente começou a salientar a culpa e os pecados dos homens. Ele conclamava os homens a reconhecerem sua culpa e a abandonarem sua iniquidades. Ele anunciou que o arrependimento teria de vir antes que ele pudesse derramar o seu amor, a sua graça e a sua misericórdia sobre os homens.

Na teologia de Graham, ele procura demonstrar que a salvação da alma do pecado, pelo amor e pela misericórdia de Jesus está condicionada à atitude do pecador que se arrepende e se entrega a Cristo. Parece-me que neste ponto, Graham se distancia tanto de Stott e muito mais ainda de Padilla, por se mostrar radical na compreensão do amor de Deus para com os seres humanos. Caso isso fosse verdade, ou seja, o amor de Deus ficasse condicionado ao amor do ser humano para com ele, a humanidade não teria condições de receber amor, misericórdia e justiça divina.

Na missão evangelizadora o ensino da palavra deve ser contemplado, considerando que Jesus (STOTT, 2011, p. 385) “percorria as aldeias circunvizinhas a ensinar, ele andava por aí a ensinar”. É uma evangelização itinerante, sem lugar fixo, indo até onde estava o necessitado, algo que me parece diferente de nossos dias, quando a igreja abre as portas e fica a esperar os necessitados, ao contrário do que Jesus fazia. Ele ia ao encontro dos carentes para perceber seu sofrimento e lhes oferecer ajuda, seja de qual tipo fosse, ora espiritual, ora material, ali ele se fazia presente e pronto a amar. É deste tipo de discípulo, que vai a campo, proclame a palavra e leve amor e assistência social que as igrejas precisam, para que o evangelho do amor de Deus alcance o mundo. Stott, como temos visto, não elimina o serviço social de sua Teologia da Missão Mundial. Ele apenas a coloca num segundo plano, no caso em que tenha que decidir entre pregar a palavra e prestar serviço social. Ele observa isso em Jesus, dizendo que (STOTT, 1997, p. 385) “não há como duvidar de que palavra e ação estavam juntas no ministério público de Jesus”. Mesmo não especificando que “ação” seria esta, pelo referencial de Jesus em seu texto isto nos possibilita inferir que era uma ação social.

Quanto à igreja, Padilla (apud REY, 2010, p. 2) diz ser ela “um local também de reflexão teológica e o que nos une é a graça de Deus que permite integrar a própria vida nos termos da reflexão e da prática cristã”. Ele aponta para uma práxis missionária que precisa ser desenvolvida em “unidade”, isto é, em união para compartilhar o evangelho. Ele próprio percebeu e ao mesmo tempo praticou a unidade ao compreender que os membros do corpo são muitos, mas Cristo é a cabeça. Quando todos estão juntos, formam um único corpo eclesiástico.

A missão integral que leva ao mundo o evangelho integral (cf. Padilla, 2010, p. 47) “não visa apenas ganhar convertidos para aumentar o número de membros da igreja,

mas também formar discípulos que aprendam a obedecer a tudo o que Jesus Cristo ordenou a seus seguidores”. Quem segue a Jesus, deve obedecê-lo e, mais do que falar sobre ele, deve fazer o que Jesus fez, isto é, proclamar a palavra e praticar a ação social, amando ao próximo como a si mesmo e a Deus sobre todas as coisas.

Sobre a igreja em missão, Geoval Jacinto da Silva, teólogo e bispo metodista se aproxima da teologia de Padilla, ao demonstrar que a igreja deve proclamar o Reino de Deus. Silva (2009, p. 121) afirma:

A igreja tem de usar de forma criativa os lugares e espaços para marcar a presença do Reino de Deus por meio de uma proposta concreta de ações. Os lugares e espaços são diversificados, como também o é a vida das pessoas. Neste sentido, a dinâmica da vida na sociedade pós-moderna requer uma mensagem radical que possibilite alcançar as pessoas onde elas se encontram.

Silva tem uma teologia da missão “do caminho”, itinerante, de etapas, percebendo as necessidades do ser, que prioriza o respeito ao ser humano diferente em cada cultura, que a igreja precisa ir buscar onde estiver esse ser necessitado. A igreja precisa enviar seus discípulos pelo caminho, para encontrar os necessitados que são muitos e assim oferecer refrigério para o espírito e suprimento para as necessidades do corpo físico.

Outro teólogo que se aproxima da teologia de Padilla é Juan Stam. Ao tratar do discipulado a ser concretizado pela igreja, ele aponta para o exemplo que Jesus deixou. Stam (1994, p. 35) diz: “os discípulos tinham de deixar tudo, negar-se a si mesmos, tomar a sua cruz e segui-lo”. Jesus os formava mediante seu exemplo e suas palavras. “Jesus se concentrou em formar uma comunidade de compromisso radical que seria fermento de salvação e transformação do mundo”.

Padilla revela um fato em sua vida que mostra de forma bem acentuada o que diferencia sua Teologia da Missão Integral da Teologia da Missão Mundial de Stott. Ele conta como lhe ensinaram o evangelho, assim (PADILLA, 2010, p. 47):

Cresci num lar evangélico e dou graças a Deus por minha herança evangélica. Entretanto, com o passar do tempo, reconheci que minha compreensão do evangelho era inadequada: havia aprendido que a salvação é pela graça, por meio da fé, dom de Deus; não de obras, para que ninguém se glorie.

Agora, ele relata como de fato o evangelho deveria ser ensinado (PADILLA, 2010, p. 47):

Mas não havia aprendido que somos feitura dele, criados em Cristo Jesus para boas obras, as quais Deus de antemão preparou para que andássemos nela. Em outras palavras, havia recebido um evangelho que enfatizava os benefícios da salvação, mas deixava de lado o propósito que Deus quer realizar por meio de seu povo, no qual eu me incluo. Na prática, havia recebido um evangelho incompleto.

A Teologia da Missão Mundial de Stott se aproxima muito daquilo que Padilla diz ter recebido como “herança”, ou seja, um evangelho focado na salvação da alma e distante das obras sociais. Padilla, por meio da reflexão teológica percebeu que “havia recebido um evangelho incompleto”, isto é, sem a dimensão do serviço social. Ele passou a chamar de evangelho integral aquele em que o homem integral precisa ser contemplado na missão integral, que se expressa de maneira conjunta na proclamação da palavra e nas obras de serviço social.

Para que a unidade da igreja não seja abalada, Padilla (1992, p. 142) afirma que “uma das necessidades mais urgentes na igreja atualmente é a fé no poder do evangelho como uma mensagem de libertação do mundo”, a de que a fé, a esperança e o amor cristão devem caminhar juntos para manter a igreja unida ao redor do evangelho de Jesus Cristo. Por ser a missão integral inseparável da unidade da igreja, Padilla (1992, p. 145) afirma que “ela tem a ver com a vontade de se alegrar com os que se alegram e chorar com os que choram”.

Sobre o corpo da igreja e a função do discipulado, fazendo uma análise posso perceber que a igreja como um corpo em unidade, reunida no amor de Deus, é para Stott um ajuntamento de pessoas salvas que aceitaram a Jesus como seu único e suficiente salvador e que precisam trazer novos membros para este corpo, para continuarem a ganhar almas e em seguida, sendo possível, prestar o serviço social. O orgulho e o pecado são as causas principais do sofrimento humano, naqueles que não aderiram à salvação dada por Jesus. Padilla percebe neste corpo (igreja) uma oportunidade para se fazer teologia, refletir criticamente e, por meio do evangelho anunciado na pregação e no serviço social, em semelhança ao que Cristo pregou e fez, apresentar ao mundo o Reino de Deus. Aqueles que sofrem carecem de coisas materiais e também espirituais,

mas o evangelho integral lhes servirá de ajuda. Para que isto aconteça se faz necessário haver discípulos dispostos a saírem pelo mundo proclamando a palavra do Reino de Deus.

A proclamação da palavra e o serviço social, são os dois elementos da missão. O que diferencia a missão mundial de Stott e a missão integral de Padilla, pode ser observado em linhas gerais como segue.

Stott compreende que o sofrimento humano espiritual e material está no orgulho de não aceitar a Jesus como salvador. Esta é maior razão de ele colocar a ação pelo serviço social em segundo plano, isto é, se sobrarem tempo e recursos o serviço social deve ser realizado. Mais radical ainda, quanto à exclusão do serviço social da missão mundial é o pensamento de Graham que se emparelha com o de Stott por colocar o sofrimento na base do pecado pessoal, ao afirmar (GRAHAM, 1974, p. 5) “Deus não deve ser acusado da trágica sorte em que o mundo tem estado engolfado por tanto tempo. A culpa cabe inteira e adequadamente a Adão”. Com essa teologia, não há espaço para o serviço social, porque o sofrimento do ser humano, seja espiritual ou material, está no pecado pessoal.

Em Stott, a proclamação da palavra deve ser priorizada, porque em seu modo de ver o “salvar almas” é o ponto central e a razão do anúncio do evangelho de Jesus no mundo. Ele entende que ao aceitar a Jesus o problema da salvação eterna já está resolvido e as coisas terrenas, os sofrimentos e necessidades do corpo físico, devem fazer com que o homem aprenda a suportar tais carências, porque o mundo vindouro, recompensa por ter ele recebido a vida eterna, compensará tudo o que se passou de dor e angústia enquanto vivia aqui na terra.

Voltando a análise da Teologia da Missão Integral de Padilla, percebo que o sofrimento humano tem causas espirituais e também materiais. O pecado pode ser pessoal (no coração) ou social (pela corrupção mundana). Muitas dores são provocadas pela ausência das coisas necessárias para a sobrevivência básica. O sofrimento se relaciona direto com a falta de paz, misericórdia e justiça, que se espera trazer para os necessitados com a pregação do evangelho que Jesus pregou, isto é, o evangelho do Reino de Deus. O dinheiro se mostra na teologia de Padilla “como sendo (…)a raiz de

todos os males”, no que se assemelha com a teologia de Jacques Ellul, quando este aborda esta questão.

Ellul (2008, p. 79) afirma: “Jesus coloca (o dinheiro) na sua amplitude quando chama o dinheiro de Mamom. Aqui, Jesus personifica o dinheiro e o considera como um tipo de divindade. O que Jesus nos revela aqui é que o dinheiro é um poder, que age por si mesmo, que tem um valor espiritual”. Para Padilla a força poderosa do dinheiro muitas vezes se manifesta no mundo como a personificação do anticristo, por trazer sofrimento ao homem ou porque o homem faz de “Mamom” seu deus e passa a adorá-lo e servi-lo. Eis aqui uma grande fonte de sofrimento para o homem.

Em Padilla, tanto a proclamação da palavra como o serviço social são indissociáveis, isto é, são tratados de forma conjunta. Não há separação ou prioridade de um ato sobre outro, ambos são absolutamente necessários, ao compreender ele que o homem carece tanto de coisas materiais quanto de espirituais. Essa importância da ação social conjunta com a pregação aparece na teologia da missão do teólogo brasileiro Steuernagel (1992, p. 156) que afirmar “pecamos quando estamos interessados apenas na alma das pessoas, não nos importando pela vida como um todo. O evangelho tem relação com todo homem e o homem todo”.

Padilla consegue com sua teologia sobre o homem integral dialogar com o setor católico do cristianismo que propagou a Teologia da Libertação, como podemos perceber por meio de alguns teólogos citados por ele em suas obras e conferências. Um exemplo forte deste diálogo está em Dussel (1982, p. 77) que afirma: “o pão é a vida do pobre e quem o defrauda é homicida”, onde a dimensão social aparece de maneira muito destacada. Já Stott se distancia desta forma de pensar teologicamente o serviço social, inclusive como citado nesta dissertação. Stott afirma que a Teologia da Libertação contém influência marxista e direcionamento político e por conter estes elementos deve ser criticada e negada.

Assim, na reflexão teológica de Dussel, a dimensão do serviço social deve e precisa contribuir para que o evangelho de Jesus seja entendido como uma benção também neste mundo presente, sem que se tenha que esperar somente por uma vida abundante futura, ou seja, na vida eterna. Compartilhar a palavra e os bens é um dever que os discípulos de Jesus precisam ensinar e também praticar como exemplo.

Outro fator que diferencia a missão integral de Padilla em comparação com a missão mundial de Stott, é que aquele deixa claro que o Reino de Deus foi o foco da pregação de Jesus (cf. PADILLA, 1992, p. 203) “tanto a palavra como a ação social apontam para o Reino de Deus. A missão da igreja é uma extensão da missão de Jesus”. Logo, sua teologia da missão está ancorada no pregar o que Jesus Cristo pregou, isto é, pregar o Reino de Deus aos seres humanos, sendo a palavra indissociável do serviço social. Stott, ao contrário, se concentra em pregar sobre Cristo, ou seja, que só Jesus Cristo salva. Este foco missionário de Stott, esclarece o motivo que o faz colocar uma ordem prioritária em primeiro proclamar a palavra e depois praticar o serviço social, porque segundo ele, a salvação da alma deve ser priorizada.