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Ao iniciar esta pesquisa em 2010, Stott e Padilla eram vivos. Stott faleceu em julho de 2011 e Padilla continua sua missão na condição de pastor na Igreja Batista de La Lucila em Buenos Aires, na Argentina e trabalhando na FTL, na Rede Miquéias e na Fundação Kairós.

Nestas considerações finais, apresentarei os principais resultados obtidos na pesquisa sobre a Teologia da Missão Mundial em J. Stott e sobre a Teologia da Missão Integral em R. Padilla, e no comparativo entre as duas formas de se entender o fazer missionário.

Stott escreveu e pregou sobre variados temas. Sobre a igreja, afirmou que ela está no centro do plano de salvação. Em seus escritos depois do Congresso de Lausanne (1974) começam a aparecer alguns indicativos de sua preocupação, mesmo que secundária, com as obras do serviço social, como aparece em uma de suas últimas entrevistas, ao afirmar (apud DIAS, 2011, p. 2) “Cristo morreu não só para nos redimir de toda iniquidade, mas também para reunir e purificar para si mesmo um povo entusiasmado pelas boas obras”. Outro ponto marcante de seu pensamento era em relação à unidade dos cristãos evangélicos, que mesmo sendo de diferentes denominações deveriam estar unidos em Jesus Cristo. Esta unidade evangélica defendida por ele nos parece ser uma das causas principais de ele ser aceito por vários segmentos e denominações do setor evangélico. Quanto ao trânsito entre os católicos e em especial os militantes da Teologia da Libertação, o diálogo ficou prejudicado, porque seu foco estava mais na pregação da palavra que nas ações sociais e era contrário as ideias marxistas.

Quanto ao evangelho e a missão, à qual ele se refere inúmeras vezes em suas obras classificando-a como “missão mundial”, Stott compreende que o chamado de Deus é para participarmos de sua missão no mundo, pois o evangelho é muito mais que um conjunto de doutrinas, sendo na verdade, a missão de Deus. Somos apenas seus executores. A missão evangélica para ele deve ser praticada tendo em vista as ordenanças maiores de Jesus, que são “amar a Deus sobre todas as coisas e ao próximo como a si mesmo”. Em sua última obra “O Discípulo Radical”, publicada um

ano antes de seu falecimento, Stott se mostra disposto a incluir com mais vigor, o serviço social em conjunto com a proclamação da palavra. Ele chega afirmar (STOTT, 2011, p. 61) que devemos “trabalhar para que haja justiça para os pobres, que são explorados e impossibilitados de se defenderem”, fazendo menção indireta ao envolvimento que os cristãos devem ter com o compromisso financeiro e de justiça social porque assim, segundo ele, Jesus Cristo se torna mais visivelmente atraente.

Em suas obras anteriores à Lausanne, seu foco estava quase que totalmente voltado para um evangelho limitado à pregação da palavra. Para Stott, a lógica de enviar evangelistas, era para que as pessoas pudessem se converter ao invocar a Cristo e com isto “ganhar a salvação”. Quando tratou do serviço libertador nas causas sociais, era no sentido de “procurar impregnar a sociedade com seus valores cristãos”, (STOTT, 1997, p. 110) demonstrando que mesmo ao se referindo ao termo “serviço”, fazia referência a coisas do espírito. Em outras obras ele demonstra acreditar que pela oração muitas das necessidades físicas poderiam ser supridas.

Stott procura no Pacto de Lausanne (PL/74) um ponto de apoio para justificar seu modo de ver a missão mundial, priorizando a proclamação da palavra em detrimento do serviço de assistência social. Isto fica evidente quando afirma (STOTT, 210, p. 43): “penso que devemos concordar com a declaração de Lausanne de que na missão eclesiástica de serviço sacrificial o evangelho é fundamental”. Após citar esse recorte do PL/74 continua a dizer: “e como podemos sustentar com seriedade que a libertação política e econômica é tão importante quanto à salvação eterna?”. Fica bem claro que em sua Teologia da Missão Mundial a prioridade é a proclamação da palavra. O serviço social, relacionado à ajuda financeira e a militância política, deve ser relegado para segundo plano. Na prática o que acaba quase sempre acontecendo é que tal serviço não é realizado.

Esta discordância quanto ao envolvimento dos evangélicos com a política e a colocação das causas sociais relacionadas às necessidades físicas em segundo plano, distancia sua teologia da missão de alguns setores evangélicos, como aqueles que aderiram ao evangelho integral proposta na missão integral difundida por R. Padilla e outros. Mais distante fica ainda dos setores cristãos católicos e em específico com aqueles que difundem a Teologia da Libertação, com os quais fica impossibilitado o

diálogo. Para Stott, a libertação está nas coisas do espírito. A pessoa que aceitar a Jesus como salvador, quase que automaticamente resolve as necessidades tanto materiais quanto espirituais e ganha a vida eterna nos céus. Para que se possa apreciar esta afirmativa, veja-se (STOTT, 2006-b, p. 434) este texto: “se alguém tiver de escolher, a salvação é mais importante que o bem-estar temporal. Isso parece algo inquestionável para mim”.

Stott apresenta à humanidade uma teologia da missão na qual vem em primeiro lugar a proclamação da palavra para com isso se salvar almas, porque a evangelização pela pregação da palavra tem relação com o destino eterno das pessoas. Em segundo lugar vem, caso seja possível (se sobrar tempo e recursos), a realização da prestação do serviço pelas ações sociais. Note-se que ele não exclui o serviço de sua teologia da missão. O que ele faz é uma escala de prioridades, que quase chega a eliminar a preocupação com o serviço social da missão. Isso se dá em grande parte porque para ele o problema do sofrimento se concentra no “orgulho”, quando a pessoa deixa de aceitar a Cristo como seu único e suficiente salvador. Com isso, o sofrimento humano tem sua causa no ser o homem pecador. Esta sua causa está no pecado pessoal, individual, de cada ser humano, e não no fato de ser ele necessitado de coisas materiais ou vitima das injustiças sociais, do pecado social. Esta marca (do pecado pessoal) na teologia da missão de Stott é recorrente em suas obras como se vê em (STOTT, 1997, p. 63, 378): “não somente Jesus salva, mas também que, para fazê-lo, ele morreu pelos nossos pecados e ressuscitou da morte”. Isto mostra em sua teologia da missão a prioridade da palavra. E continua: “a salvação espiritual e eterna de uma pessoa é de maior importância que o seu bem-estar temporal e material”.

Quanto a R. Padilla, sua presença foi marcante no Congresso Internacional de Evangelização Mundial de Lausanne, onde foi integrante do grupo de trabalho “discípulo radical” e onde proferiu uma palestra sobre “a evangelização e o mundo”. Ele despertou um grande interesse nos congressistas e reacendeu o debate sobre o papel do serviço social no evangelho e na missão da igreja. Isto se confirma em sua posição teológica até nossos dias.

Sua pregação de um evangelho integral, que contempla a necessidade do homem como um todo, isto é, espiritual e material, tem sido sua bandeira evangélica e

símbolo de luta por um mundo que perceba a presença divina em decorrência do Reino de Deus anunciado por Jesus Cristo.

Sua vida e obra têm proposto uma Teologia da Missão Integral marcante no meio evangélico. Ele acredita que a tarefa da teologia é a de ter uma postura crítica e outra construtiva, para apontar em qual direção a igreja deve seguir anunciando o evangelho e prestando serviço social. Por entender que “dá para ser evangélico sem cometer suicídio intelectual”, sua Teologia do Evangelho Integral permite um diálogo com a Teologia da Libertação do segmento católico. Padilla (1992, p. 17) afirma que “a escatologia centrada na salvação futura da alma resulta excessivamente limitada frente às escatologias seculares de nossa época, a mais significativa das quais, a marxista, que vislumbra a formação de uma sociedade ideal e de um homem novo”. Assim, em sua teologia da missão, estão presentes os elementos indissociáveis de pregação e da ação social. Estes e seu entendimento de que se faz necessário incluir na vida cristã as questões relativas à economia e à política, permitem um diálogo religioso com a Teologia da Libertação católica.

Padilla pensa a teologia da missão contextualizada em um mundo onde as pessoas são carentes das coisas do espírito e das coisas materiais. Sua contextualização mais específica se encontra na América Latina, onde exerceu e continua realizando seu ministério público evangélico. Ele não perde de vista a necessidade de cada pessoa e a importância da preocupação social, quando afirma (PADILLA, 1992, p. 48) que “o evangelho de Jesus Cristo é uma mensagem pessoal: revela um Deus que chama cada um dos seus pelo nome. Mas é ao mesmo tempo uma mensagem mundial: revela um Deus cujo propósito abarca o mundo inteiro”. Essa pessoa no mundo tem necessidades individuais físicas e espirituais e também carências sociais. Estes elementos da vida cotidiana estão inclusos em sua teologia do evangelho e da missão integral.

Tratar das coisas do ser humano relacionadas ao evangelho e à salvação na busca de uma vida em abundância é algo que para ele deve ser considerado, visto que a pessoa é um ser integral. A salvação não deve compreender um polo e esquecer o outro, isto é, não pode procurar apenas solucionar uma questão relacionada à vida eterna. Precisa se relacionar também com a concretude e muitas das vezes com as

duras necessidades da vida material. Quanto a isto, ele afirma (PADILLA, 1992, p. 15) “não se pode falar de salvação sem que se faça referência à relação do homem com o mundo do qual ele faz parte”. Isto é, não se pode tratar das causas do espírito sem se envolver e se referir às causas do corpo físico e com a natureza em cujo cotidiano o homem está inserido.

Em seu pensamento teológico, os efeitos do sofrimento humano se relacionam com as causas tanto da enfermidade espiritual, quanto com as das necessidades materiais. Partindo deste ponto, Padilla indica que o sofrimento espiritual deve ser solucionado com a ajuda e o perdão de Deus aos pecados de cada pessoa. Indica também que o sofrimento social é uma questão do pecado social, muitas vezes provocado pelo descaso dos governantes e da corrupção infiltrada na esfera pública e privada que acontece em vários segmentos da sociedade. Isto é a causa de grandes dores sociais no mundo e precisa ser compreendida e tratada por meio do evangelho integral. Foi a este mundo que Jesus veio anunciar o Reino de Deus, pregando a justiça e a misericórdia, e, por amar esta humanidade problemática, ainda assim não veio aqui para condená-la, mas para salvá-la do sofrimento, pois (PADILLA, 1992, p. 18) “para isso (salvar) ele foi enviado pelo Pai: não para condenar o mundo, mas para que o mundo fosse salvo por ele”. É uma teologia da salvação integral, que anuncia vitória nas lutas do espírito e do corpo, voltada para o ser humano inteiro, composto de corpo e alma.

É neste mundo árduo, num ambiente onde a corrupção moral e a necessidade física das pessoas se mostram grandes, que os discípulos de Jesus Cristo, a serviço da igreja e impulsionados pelo Espírito Santo, vão realizar a tarefa da missão integral. A igreja, separada do mundo, deve retornar a ele para concretizar a proclamação da palavra e executar o serviço social conjuntamente, de forma indissociável, sem escala de prioridades. A vitória do cristão na luta por uma vida melhor, para Padilla, somente poderá se confirmar se o homem integral for atendido em suas necessidades de conforto espiritual e suprimento das coisas materiais. Ele alerta para que o discípulo de Jesus ao sair para realizar a missão integral, seja honesto e não esconda o “custo” de se tornar um cristão autêntico, porque em muitos segmentos evangélicos, erroneamente tem-se anunciado um evangelho de mercado, voltado para o poder de

consumo, na busca de uma felicidade que somente poderá ser atingida caso se consiga comprar mais e mais.

Com esse tipo de evangelho de consumo, ao qual Padilla rejeita, a cruz de Cristo e todo o seu custo ficam sobre seus próprios ombros. O ensinamento de Jesus, porém, foi diferente, recomendando a seus seguidores “quem quiser vir após mim, negue-se a si mesmo, tome a sua cruz e siga-me”. Padilla não quer dizer com isto que a posse de dinheiro e de bens deva ser rejeitada ou tratada de forma preconceituosa, ou até mesmo que as pessoas que as possuam, digamos, os ricos, devam ser hostilizados, porque (PADILLA, 1992, p. 28) “vista por si só, a técnica, como a ciência ou o dinheiro, é moralmente neutra”. Compartilhar os bens e usar o dinheiro num estilo de vida cristã simples, em que de fato a preocupação e o comprometimento com os necessitados sejam reais, é uma forma de se evitar e de se resolver vários problemas ligados ao pecado social. Ela se revela na vida daqueles que cumprem os mandamentos centrais de Jesus de “amar a Deus sobre todas as coisas e ao próximo como a si mesmo”.

Padilla tem em sua Teologia da Missão Integral um elemento marcante, isto é, a mensagem do Reino de Deus. Enquanto esperamos pelo novo céu e pela nova terra, devemos agora mesmo buscar o arrependimento de nossos pecados pessoais e sociais e de maneira incisiva participar, segundo a mensagem do evangelho integral, da vida daqueles que são necessitados neste mundo presente, pois (PADILLA, 2009, p. 33) “o amor é a lei suprema da vida, ele está ligado à paixão pela justiça social”, isto é, a manifestação da realização das boas obras na vida do cristão. E continua em outro de seus textos (PADILLA, 1992, p. 203): “tanto a Palavra como a ação social apontam para o Reino de Deus. A missão da igreja é uma extensão da missão de Jesus”.

Na Teologia da Missão Integral de Padilla, a questão da proclamação da palavra da salvação e da ação pelo serviço social concretizado pelas boas obras de maneira conjunta e indissociável é tão forte que ele comenta em uma de suas últimas entrevistas (apud REY, 2011, p. 5): “a única missão que faz honrar o nome de Jesus Cristo, é a missão em que se mostra uma compaixão real pelo homem integral, como pessoa e como membro de uma sociedade, em seu aspecto pessoal e comunitário”. O que muitas vezes tem impedido a concretização da missão integral é a falta de

comprometimento de muitos cristãos em levar uma vida simples, para disponibilizar mais recursos e tempo em prol dos necessitados. O cuidado com esta postura deve ser tamanha a ponto de se evitar uma adoração ao “anticristo”. Este pode ser simbolizado pela adoração ao “deus Mamom”, isto é, um apego desmedido ao dinheiro a ponto de passar a adorá-lo no lugar de Deus.

Stott, por concentrar em sua teologia da missão a prioridade de se pregar o evangelho na busca de salvar almas do inferno para se viver eternamente no céu, colocando em segundo plano a realização do serviço social ligado às necessidades físicas das pessoas carentes – serviços estes que poderão ser executados caso sobrem recursos financeiros e tempo – e por criticar esta ação social discordando da teoria marxista que envolve política e economia, se distancia da missão integral propagada pela teologia de Padilla. Esta compreende que a missão deve tratar de maneira indissociável a proclamação da palavra e a prestação do serviço social, executando-as de forma conjunta, considera que as causas econômicas e as políticas públicas são matérias que precisam constar na agenda do missionário. Por outro lado, a teologia da missão de J. Stott, por focar fundamentalmente na salvação eterna da alma fica impossibilitada de dialogar com a Teologia da Libertação.

Finalmente, sintetizando as principais diferenças entre a teologia da missão em J. Stott e R. Padilla, apurei o seguinte: na teologia de J. Stott, ele prega a salvação da alma, indicando que a raiz do mal no mundo está no “orgulho” de cada pessoa que não aceita a Jesus como seu salvador. Prega e testemunha sobre a vida de Jesus, tendo seu foco na honra e na glória de Cristo. Sua concepção teológica permite promover um diálogo com vários segmentos evangélicos, mas se distancia da Teologia da Libertação católica. Já Padilla prega o Reino de Deus (amor, justiça, esperança), indicando que a raiz do mal no mundo é o dinheiro e que o pecado pode ter uma causa pessoal ou social. Prega e faz como Jesus fez e pregou entre os homens, ou seja, anuncia o Reino de Deus contemplando a justiça e a misericórdia, com foco no Cristo Rei. Sua concepção teológica permite dialogar com vários segmentos evangélicos e com a Teologia da Libertação católica.

Em síntese, apresento as principais semelhanças entre a teologia da missão de J. Stott e de R. Padilla, nas quais ambos concordam. Eles concordam que a palavra

indica o caminho da esperança, sendo que igreja deve ter unidade para poder evangelizar o mundo e cada membro precisa ser um discípulo radical, ou seja, comprometido com a igreja e com o evangelho. A palavra precisa ser proclamada no mundo. Os cristãos precisam considerar e viver um estilo de vida simples, inclusive com responsabilidade ambiental e poder participar da vida comunitária da igreja, contribuindo para ajudar os necessitados. Em Lausanne (1974) eles se aproximaram em razão do grupo de trabalho “discípulo radical” e do amigo que se tornou comum entre eles, Samuel Escobar, que foi um dos membros da comissão de redação do Pacto de Lausanne. Por último, Stott e Padilla concordam entre si que se deve “amar a Deus sobre todas as coisas e ao próximo como a si mesmo” para que a obra missionária, a missão de Deus, seja cumprida no mundo.