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A evolução do desenho urbano até a década de

1.3. A (RE) INVENÇÃO URBANA DO RIO DE JANEIRO E A IMPORTÂNCIA CRESCENTE DO ESPAÇO PÚBLICO

1.3.6. A evolução do desenho urbano até a década de

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No processo de transformação urbana o Estado teve um papel dos mais importantes, pois esteve quase sempre associado à classe dominante, refletindo o seu interesse e garantindo ao máximo a rentabilidade de seus investimentos.

O ingresso da capital do Império no mundo civilizado, uma vez iniciado por Pereira Passos tornou a construção da Avenida Central um emblema e foi seguido por um período de consolidação de novos espaços18.

O alinhamento político da administração pública municipal com a indústria privada do ramo de construções marcou o período pós-reforma Passos. Os prefeitos Paulo de Frontin, chamado pela imprensa “Hércules da prefeitura”19 e Carlos Sampaio, o “homem que arrasou o Castelo” intensificaram a remodelação e o embelezamento do centro e zona sul do Rio de Janeiro entre 1919 e 1922.

Paulo de Frontin caracterizou seu curto período à frente da prefeitura – janeiro a julho de 1919 - pela “abertura, pavimentação e duplicação de ruas e avenidas, e à perfuração de túneis, como o que ligava o centro da cidade à área portuária” tendo realizado um conjunto extraordinário de obras.20

Engenheiro, empresário do ramo imobiliário (foi sócio da empresa Melhoramentos junto com Carlos Sampaio), ex-diretor da Central do Brasil, Frontin torna evidente seu papel de interlocutor da burguesia ligada a construção civil e aos loteadores dos “novos espaços urbanos” que surgiram. De fato, a duplicação da Avenida Atlântica e a abertura da Avenida Meridional (atual Delfim Moreira) serviram aos propósitos de interligar as regiões da zona sul ao fluxo de expansão da cidade para onde corriam os bondes e as empresas imobiliárias. Ainda na zona sul, Frontin com o apoio do setor imobiliário que estava aterrando a Urca, empreendeu a construção de um cais, promovendo assim a infra-estrutura necessária à expansão do capital predial naquela região. Além disso, como garantia aos construtores de casas, vilas e sobrados para moradores de média e baixa renda promoveu a abertura da avenida Rio Comprido a partir do canal do Mangue.

18 Cf. GERSON, Brasil. Historia dos bairros do Rio. 5a. ed. Rio de Janeiro: Editora Nova Aguilar, 2000 19 Cf. Revista da Semana. Os doze trabalhos de Hércules da prefeitura. Rio de Janeiro, 1/3/1919. 20 Cf. MOTTA, Marly, op. cit, p. 196.

Carlos Sampaio seguindo uma tendência formulada na década de 1910 de que o país padecia de doenças e não de inferioridade racial ou deficiência climática aproveitou para fincar ainda mais ideologicamente a sua interpretação sobre a construção do tecido urbano. O arrasamento de um dos marcos da fundação da cidade, o morro do Castelo, que se constituía de um elevado onde viviam cinco mil pessoas pobres e negras precisava ser concretizado para garantir uma cidade ventilada e isenta dos miasmas da febre. Procurava-se harmonizar a beleza natural da cidade com a vocação de seus engenheiros reconstrutores.

A pretensão de Sampaio era o ingresso do país no século XX, a submissão da natureza à ordem da cultura, como ressalta Motta.21. A Exposição Internacional do Centenário da Independência de 1922 oferecia a oportunidade perfeita para repensar a tradição e o passado no novo contexto internacional e ainda por cima revelar uma nova possibilidade estética para a cidade.

Motta cita a revista Careta que afirmou à época que o panteão nacional deveria abrigar ao lado de Estácio de Sá e Mem de Sá, o nome de Pereira Passos, o “demolidor” do triste passado da cidade. Agora com o Centenário organizado no antigo morro arrasado, seria necessário reconfirmar a sua contribuição.

Algumas revistas se posicionavam favoráveis ao tombamento do morro do Castelo, como a Revista da Semana que expôs seu pensamento em 1920:

“O Rio é a cidade mais paradoxal. A cinqüenta metros do teatro onde se canta o Parcifal (...), a vinte metros do Palácio das Belas Artes (...), a quinze metros de uma grandiosa biblioteca e do Supremo Tribunal da Justiça (...), pode-se ver cabras pastando na encosta do Morro do Castelo”.22

Os vinte metros que separavam a “civilização” (o teatro) da “barbárie” (as cabras) compreendiam o espaço entre o atual Museu Nacional de Belas Artes, a Biblioteca Nacional e o Centro Cultural da Justiça Federal. Próximo destas edificações que se ergueram em frente aos futuros cinemas da Cinelândia havia ladeiras que levavam ao “povoado de africanos” ou à “aldeia de botocudos” conforme era classificado o morro do Castelo, pela mesma revista, anos antes, em 191623.

21 Ibidem

22 Revista da Semana, Rio de Janeiro, 31/7/1920 – v. 21, n. 25. 23 Revista da Semana, Rio de Janeiro, 21/12/1916 – v. 17, n. 42.

Fica evidente a estratificação social que tinha amadurecido no final do século XIX e que durante este período de reformas foi consolidada. Constata-se uma harmonização definitiva entre o capital imobiliário e os prefeitos-engenheiros das décadas de 1910-20. Carlos Sampaio pautou sua gestão urbana pela proposta de substituição da desordem por edifícios que deveriam estar longe das cabras e barracos. Deste modo, sua ideologia se notabiliza por uma profunda “espacialização que demarcava os lugares da produção, do consumo, da moradia, da cultura, os espaços dos ricos e dos pobres”.24

O crescimento na direção dos subúrbios ocorre sem apoio do Estado ou das concessionárias de serviços públicos. O resultado é uma paisagem urbana caracterizada pela ausência de benefícios infraestruturais e agravada pela imigração cada vez maior de nordestinos em busca dos empregos nas fabricas que começam a proliferar.

Um fato importante que comprova a ligação de Paulo de Frontin e Carlos Sampaio junto ao capital imobiliário é que como sócios na Empresa Industrial

Melhoramentos foram responsáveis por vários projetos, loteamentos de chácaras e

concessões. Como justificativa para eliminar parte das despesas públicas com saneamento e modernização da cidade foram criados títulos de exclusividade em terrenos que só se tornariam lucrativos com inversão futura de capitais. Além disso, segundo Motta, a Melhoramentos ganhou a concessão para abrir o túnel João Ricardo que ligaria a área portuária ao centro. Essa intervenção garantia à empresa a desapropriação de prédios, isenção de taxas sobre construções, direito à exploração de carris e cobrança de pedágio.25

Um conjunto de elementos ideológicos e políticos legitima estes prefeitos à frente da prefeitura. Nos primeiros anos do século XX os engenheiros determinavam os rumos da cidade moderna pautados no conceito de progresso e civilidade. Frontin e Sampaio ocuparam a direção de empresas-chave no processo de reconstrução da cidade e suas indicações serviram ao propósito de acelerar o ritmo de expansão urbana. Este entrelaçamento permitiu unir os interesses públicos e privados que permitiria a entrada de investidores particulares nos espaços recém-criados ou revitalizados.

Dentre estes espaços destacava-se o lote na Praça Floriano, desocupado desde 1911 que precisava se incorporar ao perímetro “civilizado” do seu entorno. Os prédios que ocuparão este local vão inserir novos significados à Praça conforme a matriz

24 Cf. MOTTA, Marly, op. cit, p. 208. 25 ibidem

ideológica americana que se instalará através das salas de cinema de Serrador. A despeito disso, o modelo arquitetônico instalado na Avenida Central e no entorno da Praça Floriano permanecerá atrelado prioritariamente à influência eclética européia.

CAPÍTULO II

AS TRANSFORMAÇÕES DO RIO DE JANEIRO E SUAS

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