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A Broadway inspira em Serrador o modelo de sociabilidade urbana pretendido para a área da Cinelândia.

A “BROADWAY” BRASILEIRA E SEU SIGNIFICADO NO PROJETO DE FRANCISCO SERRADOR

3.1 A HEGEMONIA DO CINEMA AMERICANO E A CONSTRUÇÃO DA IDENTIDADE DA CINELÂNDIA SE CRUZAM NO PROJETO DE

3.1.2. A Broadway inspira em Serrador o modelo de sociabilidade urbana pretendido para a área da Cinelândia.

Um aspecto importante quando se estuda a natureza do empreendimento que Francisco Serrador projetava para o entorno da Praça Floriano no terreno do antigo Convento da Ajuda é que embora tenha sido um empresário do ramo cinematográfico, Serrador sabia que sem uma isca o cinema talvez não pudesse ser mais abrangente. Sua visão provavelmente não se restringia ao negócio de comercializar ingressos de cinema e organizar suas faturas de venda. Nossa hipótese a respeito disso, é que o verdadeiro fascínio de seu projeto estava contido no tipo de experiência coletiva que ele queria importar. E precisaremos conhecer a Broadway, a mais famosa avenida por entre os arranha-céus de Nova Iorque para entender o espírito contido na intenção e no propósito do espanhol.

116 SILVA.Gastão Pereira da. Francisco Serrador, o criador da Cinelândia. Rio de Janeiro. Empresa Propaganda Ariel, s/d.

A Broadway, via larga em inglês, existente antes mesmo do Commissioner’s

Plan de 1811117 não obedece a malha viária ortogonal original da cidade de Nova Iorque. Este corredor que atravessa a Times Square, o centro financeiro da cidade, é uma referencia internacional desde os anos 1920 pela formação de uma rede de teatros ao longo de sua via expressa, hoje composta por 43 unidades teatrais agregadas no

Circuito Broadway.

Tornou-se um predicado cultural da metrópole que se devia constituir e revelava desta forma um dos ícones preferidos da indústria cinematográfica. São famosas as cenas do filme King Kong simulando o grande gorila em cima da cobertura do Teatro Broadway com a cidade e seus arranha-céus ao fundo. Essa característica conferiu ao termo “Broadway theater” uma simbologia de prestígio na forma de fazer teatro profissional nos Estados Unidos. Mesmo comparando-se ao teatro West End de Londres, o modelo americano propiciava aos atores, técnicos e diretores maior lucratividade e retorno de imagem.

O que vai conferir aos teatros da Broadway uma matriz de exportação será o formato teatro musical advindo das óperas e operetas. Desde 1866 quando Giuseppe Operti adaptou a primeira peça teatral The black crook ao conceito de musical, abriu-se a oportunidade para novos talentos como Tin Pan Alley, John Walter Bratton e Gus Edwards na passagem do século. Mais adiante, as operetas de W.S. Gilbert e Arthur Sullivan se tornaram símbolos do teatro musical. Ao chegar aos anos 1920, os musicais desenvolvidos da ópera e da opereta, mesmo sem muito planejamento tornaram-se populares como Lady be good, Sunny e Funny face. Estes musicais inspiraram padrões que seriam usados por George Gershwin, Cole Porter, Vincent Youmans e Richard Rodgers, entre outros.

De qualquer modo, foi a partir de Show boat, em 1927, que o profissionalismo chegou aos musicais da Broadway através da integração de enredo e partitura que Florenz Ziegfield executou baseado na novela original de Edna Ferber. Uma novidade teria sido a demonstração espetacularizada de canção e dança a partir de vários temas amarrados e com um conceito extravagante de figurino.118

117 O Commissioners' Plan of 1811 foi um plano urbanístico da Cidade de Nova Iorque. No início foi muito críticado pelo excesso de ortogonalidade gerando uma possível sensação de monotonia, em comparação com padrões das malhas urbanas menos regulares de cidades mais antigas.

Fonte: http://pt.wikipedia.org/wiki/Commissioners. Acesso: 22/7/2009.

Neste período que marcou a transição das óperas e operetas para os espetáculos musicais, o empresário Francisco Serrador, que esteve por três anos nos Estados Unidos teria completado em 1925 um ciclo de conhecimento e estudo tanto em Hollywood como na Broadway, que devem ter inspirado uma melhor compreensão do projeto original que queria instalar no Rio de Janeiro.

Segundo Evelyn Lima, o objetivo principal de Francisco Serrador era transformar o terreno do antigo Convento da Ajuda no maior centro de diversões da América Latina. O seu verdadeiro sonho teria sido a criação de um Centro Comercial que fizesse o deslocamento comercial de luxo da Rua do Ouvidor e adjacências, já uma área em processo de obsolescência, para a Praça Floriano, tendo como principal fator de atração os cinemas instalados na base dos “arranha-céus”. (2000:258).

Serrador quando indagado sobre como conseguiria persuadir os lojistas e profissionais liberais a saírem da Rua do Ouvidor para o novo complexo inspirado na Broadway teria dito que o seu plano não era inaugurar casas ou teatros adaptados aos cinemas, como que se referindo aos cinematógrafos da Avenida Rio Branco da década passada. Sua visão está estampada na sua declaração: (...) São cine-teatros dos mais modernos, reproduzindo o que de melhor vi no estrangeiro [Broadway e Hollywood] neste particular, com todos os requisitos da técnica atual”.119

Que requisitos seriam esses que teriam motivado Serrador? De inicio, as operetas de Sullivan e Gilbert estavam na moda em Nova Iorque no período em que Serrador morou nos EUA, tendo contato com o modo de vida americano. No teatro Ziegfeld ou no Niblo’s Gardens, sucedem-se musicais como Tip Toes, Oh...Kay, No, no

Nanette, entre outros já mencionados, cuja ênfase nos atores, atrizes, performances e

canções populares era a tendência dos autores teatrais.

Serrador teria lutado desde o começo por um projeto que ajudasse a levar o público mais para perto de seus cinemas. Quando esteve na Broadway deve ter compreendido que de alguma maneira o modelo europeu para o teatro e a ópera estavam sendo substituídos por padrões híbridos como as operetas ou por modelos comerciais como o cinema industrial visto por ele em Hollywood e a experiência de consumo cultural dos “espetáculos-negócio” da Broadway. Em outras palavras, ao longo de suas observações entre 1922 e 1925, ele pode perceber algumas das instituições e práticas centrais da cultura de consumo norte-americana que ele ajudaria a introduzir no Brasil.

Um desses requisitos teria motivado Serrador a importar não apenas os cinemas, mas um modelo mais calculado de progresso e modernidade que não pode deixar de ser comentado. Como na Broadway o público era levado mais para perto dos cinemas através dos inúmeros teatros, restaurantes, bares e cafés e organizava um sistema integrado de consumo. James P. Woodard (2008) escrevendo recentemente lembrou que esta integração de serviços pode ser descrita como “cultura de consumo”120. O autor associa o termo à “consumismo” e “cultura consumista” e se refere a eles como uma tradição identificada na base de instituições, como os shoppings, lojas de departamentos, supermercados, agencias de publicidade, organizações de marketing e emissoras de rádio e televisão que se estabeleceriam até o fim da primeira metade do século XX.

William Leach citado por Woodard acrescenta que o termo culto à novidade (“the cult of the new”) e o conseqüente valor que se confere às posses materiais (“money

value”) são os condutores da qualidade da cultura consumista que passa a valer no

século XX.

Estabelecemos aqui a comparação para identificar as grandes corporações de cinema e as companhias de teatro profissional que se organizaram nas décadas de 1920- 30 como exemplos de instituições que se constituíram como disseminadoras dos três sentidos da cultura de consumo: o institucional, o social e o cultural. Conforme preconizado por Woodard, entendemos que Serrador assimilaria e tentaria expandir no Brasil a experiência válida na sociedade industrial americana e que estaria se tornando modelo para a América Latina.

Há de qualquer modo, uma peculiaridade no formato assimilador de Serrador que merece uma reflexão. Quando em 1925, poucos meses depois de sua chegada ao Brasil e após a inauguração do Capitólio - o primeiro cinema do futuro Quarteirão

Serrador - verificou-se que continha um fosso de orquestra para eventuais espetáculos

de palco.

João Máximo nos informa que todos os quatro primeiros cinemas de Serrador continham essa característica. O Capitólio estrearia três meses após a sua abertura a revista musical afrancesada, Comme à Paris, que os autores não consideravam revista e sim revuette. Este espetáculo era uma obra que tinha a colaboração do francês Georges

120 Este conceito foi extraído do paper de James P.Woodard da Montclair St University (EUA) no IV Simpósio Internacional de Historia do Brasil. Rio de Janeiro, BRASA/CPDOC/FCRB, em 12 e 13 de junho de 2008.

Boetgen e José do Patrocínio Filho. Foram incluídas coristas americanizadas apelidadas de capitol’s girls, porém acompanhadas de estrelas do Bataclan parisiense, do qual a esposa de Boetgen fazia parte. O fato é que o cinema e o teatro pareciam andar juntos no projeto de Serrador, tal e qual na Broadway americana, mas com peculiaridades. Os grandes lançamentos cinematográficos seguiam o modelo ostentatório de Hollywood garantindo a supremacia do cinema americano, enquanto o teatro se mantinha fiel à escola francesa. (Máximo, 1997:81).

3.1.3. A concepção da Cinelândia e os conceitos de “cultura de massa” e

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