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A vocação industrial do cinema americano prenuncia sua liderança.

A “BROADWAY” BRASILEIRA E SEU SIGNIFICADO NO PROJETO DE FRANCISCO SERRADOR

3.1 A HEGEMONIA DO CINEMA AMERICANO E A CONSTRUÇÃO DA IDENTIDADE DA CINELÂNDIA SE CRUZAM NO PROJETO DE

3.1.1. A vocação industrial do cinema americano prenuncia sua liderança.

Nos EUA, a pequena cidade de Hollywood apresenta-se numa situação privilegiada para capitalizar a liderança do setor, uma vez que atraía produtores de Nova Iorque e se aproveitava das condições ideais para locações externas presentes no ambiente natural da Califórnia e arredores. Em 1910 fundiu-se com a cidade de Los Angeles, que na época tornava-se um pólo industrial decorrente do progresso da indústria petrolífera na região e ainda era beneficiada pela ligação ferroviária com San Francisco e Atchison. A competição entre as duas ferrovias trouxe à cidade um contingente enorme de imigrantes vindos do interior dos EUA, tornando a cidade de Los Angeles um grande centro portuário.

O setor cinematográfico que veio se organizando junto ao turismo na década de 1920 encontra um mercado interno em grande expansão e desenvolve o negócio numa visão centralizada na reprodução industrial, uma espécie de vocação da cidade. Logo são fundados estúdios importantes como a Fox, Universal e Paramount, que não somente concorrem entre si, como elaboram fusões convergindo o interesse financeiro para a estratégia fundamental da indústria que era a distribuição internacional.

Surgem como resultado dessas fusões grandes estúdios como 20th Century Fox e Metro Goldwyn Meyer que pontuaram suas ações mercadológicas através da contratação de diretores e atores que deveriam regular um sistema de ícones capaz de representar crenças e valores americanos, nascendo o “star system”, sistema de estrelas de Hollywood.

Como preceito fundamental para o seu funcionamento são inaugurados novos segmentos temáticos que elaborados para determinados atores favorecem as construções simbólicas que fazem surgir ídolos em cada um destes segmentos. Como exemplo

surgem as comédias de Charlie Chaplin e Buster Keaton. Clara Bow é personificada como alegoria romântica, Douglas Fairbanks é o herói das aventuras. Como símbolo sexual, uma das mais marcantes foi Greta Garbo.

É preciso ressaltar que também se organizavam alternativas aos grandes estúdios americanos merecendo destaque o surgimento da United Artists, pelo esforço conjunto de Chaplin, Fairbanks junto com Mary Pickford e David Grifith. Aliás, Grifith, como diretor protagonizou em 1915, um dos maiores sucessos do cinema mudo, o filme “The

Birth of a Nation” (“O Nascimento de uma nação”), caracterizado por fazer apologia

da escravatura, segregação racial e promoção do aparecimento da Ku Klux Klan.

Outras expressões buscam ocupar o seu espaço no cinema europeu. A arte cinematográfica impressionista francesa, chamada de avant garde, o expressionismo alemão, o cinema surrealista espanhol e a experiência dialética do cinema russo devem ser mencionados112.

Nos seus primórdios, o cinema, se lança como atividade crescentemente diversificada, embora não tenha desenvolvido até o início do século XX as características que o tornariam uma indústria oligopolizada nas décadas seguintes. Na cidade de Los Angeles da qual faz parte agora o antigo povoado de Hollywood, e na França dos irmãos Lumière a configuração artesanal e local da produção vai sendo substituída amplamente a partir da década de 1910 por uma plataforma financeira concentradora que se move impulsionada por dois fatores principais. (Xavier, 1978).

O primeiro deles é a base tecnológica desta área de negócios que era conhecida por poucos empresários, muitos deles inventores dos primeiros engenhos cinematográficos e que se tornam donos de sua própria produtora, como Thomas Edison, que criou a Edison Company.

O segundo fator tem a ver com as empresas cinematográficas americanas e francesas que já aproveitavam o contexto das teorias cientificas da administração para ampliar suas capacidades de organização e multiplicar os negócios na ótica do capitalismo industrial. O resultado desta concentração faz surgir um ambiente de

112 Destacam-se na filmografia de vanguarda francesa, o cineasta Abel Gance (“J’accuse”) e Jean Epstein

(“A queda da casa de Usher”). Na Alemanha, Robert Wiene (“Das cabinet des Dr. Caligari”), Fritz

Lang (“Metropolis”) e Friedrich W. Murnau (“Nosferatu” e “Phantom”). Na Espanha, destaca-se Luis Bunel (“Um Perro Andaluz”). Na Rússia, Serguei Eisenstein criou a técnica de montagem intelectual no filme “O encouraçado Potemkin”. Todos estes projetos surgiram entre 1919 e 1929.

interesse estratificado no qual ficam delineados dois papéis: os centros produtores, liderados por França e Estados Unidos e os centros importadores.113

No resto da Europa, Itália, Inglaterra, Alemanha, Espanha e Rússia, que esboçaram ensaios comuns semelhantes às iniciativas ocorridas no cinema francês não conduziram suas produções a um estágio que pudesse se assemelhar ao de uma expansão internacional, pelo menos não nos moldes dos grandes estúdios americanos. De fato, o capital, a tecnologia e o mercado em processo de dilatação vão conduzir o modelo americano após a Primeira Guerra à liderança mundial, principalmente a partir da experiência de Edison e da filosofia do “star system”. Os demais países ocupam a função de importadores com reduzidas possibilidades de desenvolvimento de uma produção local. Essa posição se explica pela desproteção dos governos, pela falta de diretrizes políticas e pelos escassos recursos financeiros.

Por outro lado, ressaltamos que na América Latina o reconhecimento do cinema como estratégia de formulação de uma auto-imagem nacional ocorre paralelamente ao processo de hegemonização do centro exportador hollywoodiano. No caso do Brasil, do ponto de vista político, uma diretriz para o cinema nacional seria adotada somente na década de 1930 no governo Vargas e de certo modo será inspirada no modelo americano de Hollywood, como será visto.

Uma das razões para o atraso da implantação de uma política para o cinema deve-se também a questão da sonorização introduzida nos filmes americanos no fim dos anos 1920. A nova técnica ampliou as categorias temáticas fazendo surgir as comédias musicais, adiando no Brasil a aspiração por um cinema nacional pela elevação dos custos de produção de filmes sonoros. Este recurso permitiu aos estúdios americanos a exclusividade do cinema “falado” entre 1927 e 1929. A atriz Greta Garbo teria sido a última protagonista de um filme mudo da MGM em 1929114, coincidindo este ano como o primeiro da série Oscar da Academia de Cinema.

A revista Cinearte115 apresenta algumas estatísticas que comprovam a ascensão da industria cinematográfica americana. A exportação de metros de película que era de 4 milhões e meio em 1918, salta para 7 milhões de metros em 1927. Já por esta época, o maior mercado consumidor deixava de ser a Europa para se concentrar na América

113 ibidem

114 Greta Garbo estrelou o filme “O Beijo” em 1929, mas dois filmes mudos de Charlie Chaplin “Luzes da

Cidade” e “Tempos Modernos” teriam sido verdadeiramente os últimos, meses depois.

Latina. Somente a Austrália e a Argentina superavam o Brasil na importação de filmes americanos, informação também replicada por Evelyn Lima.

Segundo Gastão Pereira da Silva, que escreveu a biografia de Francisco Serrador, havia em 1920 um projeto para o complexo de cinemas, escritórios e hotéis no perímetro do antigo Convento da Ajuda. Verificamos muita semelhança com aquela

maquete que Alfred Agache elaboraria em 1928 para o Rio futurista da década de 1950,

conforme comentado anteriormente. Nesse desenho de Serrador que cobria a esquina das ruas Evaristo da Veiga e Avenida Rio Branco estaria sendo erguido um de seus prédios planejados, um “arranha-céu” de 21 andares, sem contar a construção interna que se ergueria da base principal como uma espécie de subtorre, talvez com mais seis ou sete andares. No térreo os cinemas se encarregariam da circulação e do consumo das pessoas nas lojas próximas.116

Esta perspectiva de um dos projetos de Serrador foi elaborada antes de sua ida aos Estados Unidos, onde permaneceria por três anos, mas já continha todos os ingredientes arquitetônicos da Escola de Chicago e conquanto este plano tenha sido uma surpresa porque incluía moradias em prédios com elevadores para uma população ainda acostumada a morar em sobrados, a idéia de aproveitar os prédios para escritórios e projetos hoteleiros seria mais bem recebida.

3.1.2. A Broadway inspira em Serrador o modelo de sociabilidade urbana

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