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A matriz neoclássica prepara o neorrenascentimo da Praça Floriano

AS TRANSFORMAÇÕES DO RIO DE JANEIRO E SUAS RELAÇÕES COM A CINELÂNDIA.

2.2. A “INVENCÃO” DA CINELÂNDIA CUMPRE O SEU PAPEL NA UTOPIA DA CIDADE-CAPITAL.

2.2.1. A matriz neoclássica prepara o neorrenascentimo da Praça Floriano

O gosto francês importado da Beaux-Arts68 de Paris reconhecido nesses divulgadores exponenciais teve contribuição destacada de Grandjean de Montigny - idealizador da Imperial Academia de Belas Artes, como atesta a arquiteta e urbanista Evelyn Furquim Werneck Lima. (2000). Com a inauguração da Sociedade Propagadora de Belas-Artes pelo arquiteto Bethencourt da Silva, completou-se no final do século XIX um elo de influência francesa da Beaux-Arts de Paris

A nova configuração política teve correspondência nos modos de agir, pensar e sentir que já não poderiam ser contidos nos símbolos da província e deveriam ser externalizados conforme o desejo de se pertencer à “Corte”. A essa altura os motivos neoclássicos serviam para compor o novo cenário arquitetônico através de empreendimentos como a Biblioteca Nacional, o Jardim Botânico, a Academia de Belas-Artes e o Banco do Brasil.

O rompimento político com Portugal a partir do processo de independência e a imposição de um modelo centralizador a partir de 1834 permitiu as condições necessárias para a construção da cidade-capital brasileira. Nesse ano, o Rio de Janeiro passou a ostentar o status de Município Neutro, apartado da província fluminense e subordinado ao governo central.

Os conjuntos de fachadas neoclássicas e arcos triunfais foram orquestrados para ofertar ao Rio de Janeiro o semblante de uma capital européia. Até meados do século XIX sob forte influencia luso-francesa e acrescido pela contribuição de Haussmann no espaço público de Paris foi sendo constituído um acervo arquitetônico em meio aos conceitos que a sociedade burguesa conferia à civilidade. Mais tarde, Pereira Passos se apropriaria das intervenções de Haussmann e as reproduziria no Rio de Janeiro, mas já numa extensão “eclética”.

Embora a influência lusa não tivesse se apagado, a cidade-capital do Rio de Janeiro idealizada por Passos e Frontin foi palco no inicio do século XX da introdução do estilo neorrenascentista, agora o novo modelo europeu a ser copiado, no contexto da modernidade burguesa.

A neo-renascença é um estilo que pode ser compreendido como movimento ou parte do movimento chamado de eclético, que dominava a Europa no final do século

68 O termo École des Beaux-Arts refere-se às múltiplas escolas artísticas francesas, sendo a mais tradicional a École Nationale Supérieure dês Beaux-Arts de Paris. O estilo arquitetônico combinava as matrizes gregas e romanas com temas renascentistas e durou até o final da década de 1920.

XIX. Como todo estilo revivalista, o neorrenascentismo pretendia retomar no campo da arquitetura as formas e expressões decorativas do Renascimento europeu dos séculos XV a XVII. Assim como na arquitetura original, o neorrenascentismo caracteriza-se por inúmeras fontes criativas, sendo difícil distinguir suas especificidades até porque foram constatadas combinações com o neogótico, neobarroco e até com o neoclassicismo69. O termo “eclético” passa a ser utilizado para apontar as edificações neorrenascentistas e suas adequações expressas, como por exemplo, nos palácios italianos, nos châteaux franceses, nas prefeituras (rathauser) alemãs e nas casas de campo do período isabelino, na Inglaterra.

O espaço físico fundamental onde ocorre a versão brasileira desta cena arquitetônica complexa é historicamente definido na Avenida Central e seu “ato final” transcorre na Praça Floriano antes do fim da década de 1900, com a conclusão do “Pentágono das Artes”.

Não custa lembrar que os espaços públicos (ruas e praças) se somam aos “fechados” (cinemas, teatros, cafés) e intensificam a sua função de sítios simbólicos de representação nas cidades-capitais. Nelas, a intenção de definir padrões de conduta, costumes e moda constituíam um nítido propósito unificador e homogeneizante para os quais a interação pública tinha tanto valor quanto o espetáculo propriamente dito70.

Nas décadas de 1920-30 a livre recombinação de expressões arquitetônicas do período historicista e o surgimento ou a intensificação no campo das artes em geral, de estilos paralelos como a arte nova, o impressionismo e a art déco criaram oportunidades para os ajustes que a cidade-capital teria que executar em substituição ao estilo neorrenascentista do “Pentágono das Artes”.

Citando Argan71 a arquiteta Evelyn Lima lembra que o historiador da arte deve reconstruir uma “cadeia de juízos” sobre as obras que sustentam sua pesquisa e indagar quais os valores já emitidos anteriormente acerca da arquitetura das estruturas de pedra e cal. Ela lembra que Argan sustentava a idéia de que o conceito de “espaço arquitetônico não pode restringir-se ao estudo das formas da arquitetura, mas estender-

69 A Ópera Garnier de Paris (1861-74) e a Ópera Semper em Dresden (1871-78) são exemplos de edificações neorrenascentistas que mesclaram elementos do barroco e do neoclassicismo.

70 Jurgen Habermas diagnostica a questão da esfera pública burguesa e do tipo de representatividade pública proporcionada pela vida em sociedade, tanto em Londres quanto em Paris, desde a metade do século XVII. Ver Mudança estrutural da esfera pública: investigações quanto a uma categoria da

sociedade burguesa. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 1984.

71 Ver ARGAN, G. C. Historia de I’arte como historia de la ciudad. Trad. Beatriz Podestá. Barcelona: Laia, 1984.

se ao conjunto de edifícios e da relação que existe entre eles, numa visão urbanística.”(p. 24).

Assim, a partir da comprovação deste sistema de relações entre a arquitetura e os conteúdos sociais da cidade, torna-se possível o estudo do imaginário político como decorrência de que os diferentes padrões arquiteturais correspondem aos diferentes empenhos de poder. No tocante ao imaginário popular, pode ser visto como uma experiência de percepção, tornando-se uma arte essencial ao estudo da cultura e das utopias modernas.

A construção da cidade-capital, entretanto como lugar de unidade nacional ou mesmo de uma extração dela, como uma praça, uma avenida ou um bairro não pode circunscrever-se à definição de um arcabouço arquitetônico. Se estivermos utilizando a ênfase nesta abordagem é porque de alguma forma se consegue organizar um discurso tangível da cidade-capital através de seus marcos arquiteturais funcionando como um sistema de afinidades e inclusões sociais, um processo que vigora dentro da cidade, mas mesclado com fatos e circunstancias religiosas, políticas e culturais.

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