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CAPÍTULO 2 – SELETIVIDADE SOCIAL E DEMOCRATIZAÇÃO DO ACESSO À

2.3 Estratégias de democratização do acesso à educação superior no Brasil

2.3.2 A expansão de vagas na Universidade de Brasília

Em 1961 foi autorizada a criação da Universidade de Brasília, pensada para ser uma instituição moderna, preocupada em atender as necessidades do País relativas à formação profissional, científica e à produção de conhecimentos necessários ao progresso e desenvolvimento nacional31.

Darcy Ribeiro concebeu a universidade da capital a partir do projeto “a universidade necessária”, perpassado pela ideia de superação do dilema conjuntural entre o que existe e o que precisa existir. A tarefa básica da universidade seria fazer prevalecer o que precisa existir sobre o que existe, dando um salto criativo sobre qualquer outro modelo de universidade existente. Nas palavras de Darcy: “a UnB é a ambição mais alta da inteligência brasileira, este

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O Plano Diretor da UnB (1962) diz que a universidade seria responsável por a) formar cidadãos responsáveis, empenhados na procura de soluções democráticas para os problemas com que se defronta o povo brasileiro na luta pelo desenvolvimento; b) preparar especialistas altamente qualificados em todos os ramos do saber, capazes de promover o progresso social pela aplicação dos recursos da técnica da ciência; c) reunir e formar cientistas, pesquisadores e artistas e lhes assegurar os necessários meios materiais e as indispensáveis condições de autonomia e de liberdade para se devotarem à ampliação do conhecimento e à sua aplicação à serviço do homem (FUB, 1962).

é o nosso sonho maior, esta é a utopia de quem entre nós tem cabeça para pensar este país e senti-lo com o coração” (RIBEIRO, 1986a). A UnB integrou o projeto de construção de uma nova capital32, imbuído da ideia de modernidade, cultura, desenvolvimento tecnológico e científico, solução de problemas e integração nacional e internacional, funções expressas no Plano Diretor da UnB33.

Visando atender os objetivos de uma instituição voltada às transformações sociais, Darcy Ribeiro propôs um modelo acadêmico curricular diferente do que era conhecido no Brasil. A universidade possuiria oito Institutos Centrais de Ensino e Pesquisa e cinco faculdades34, além de órgãos complementares35. Os alunos teriam a formação básica nos chamados cursos-tronco e, depois de dois anos, seguiriam para os institutos e faculdades, em modelo semelhante ao que 50 anos depois foi proposto no projeto da Universidade Nova.

A UnB funcionou nesses moldes por apenas dois anos. Durante o governo militar, a universidade sofreu diversas intervenções e mobilizações que alteraram o projeto original e culminaram, em 1968, na demissão de 79% do seu quadro docente36. Somente em 1985 a universidade passou a recuperar os processos democráticos.

Inicialmente, a universidade foi projetada para atender 15 mil estudantes de todo o País; em 2008 atendia 26.935 alunos. Na década de 1990, foi criada a maior parte dos cursos noturnos, bem como vários cursos de pós-graduação e extensão, de modo que, mesmo com o

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A Universidade de Brasília foi inaugurada no dia 21 de abril de 1962, um ano após a inauguração da Capital.

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De acordo com o Plano Diretor, as funções da UnB eram a) ampliar as exíguas oportunidades de educação oferecidas à juventude brasileira; b) diversificar as modalidades de formação científica e tecnológica atualmente ministradas, instituindo as novas orientações técnico-profissionais e que o incremento da produção, a expansão dos serviços e das atividades intelectuais estão a exigir; c) contribuir para que Brasília exerça, efetivamente, a função integradora que se propõe assumir, através da criação de um núcleo de ensino superior aberto aos jovens de todo o País e a uma parcela da juventude da América Latina e de um centro de pesquisas científicas e de estudos de alto padrão; d) assegurar a Brasília a categoria intelectual que ela precisa ter como capital do País e torná-la, prontamente, capaz de imprimir um caráter renovador aos empreendimentos que poderá projetar e executar; e) garantir à nova capital a capacidade de interagir com os nossos principais centros culturais, para ensejar o pleno desenvolvimento das ciências, das letras e das artes em todo o Brasil; f) facilitar aos poderes públicos o assessoramento de que carecem em todos os ramos do saber, o que somente uma universidade pode prover; g) dar à população de Brasília uma perspectiva cultural que a liberte do grave risco de fazer-se medíocre e provinciana, no cenário urbanístico e arquitetônico mais moderno do mundo (FUB, 1962).

34 De acordo com o Plano Diretor da Universidade, os Institutos Centrais são estes: IC de Matemática, IC de

Física, IC de Química, IC de Biologia, IC de Geociência, IC de Ciências Humanas, IC de Letras e IC de Artes. As Faculdades, estas: Arquitetura e Urbanismo, Engenharia, Educação, Direito-Economia-Administração- Diplomacia, Ciências Agrárias e Ciências Médicas.

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A universidade contava, também, com estruturas complementares, a saber: Biblioteca Central, Centro de Teledifusão Educativa, Editora, Museu, Centro Militar, Estádio Universitário, Casas Nacionais de Língua e Cultura e o Centro Brasileiro de Estudos Portugueses

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arrocho financeiro, a universidade se expandiu37. Ainda assim, a universidade estava bem distante de atender a demanda do Distrito Federal por educação superior.

A Universidade de Brasília é a única universidade pública no DF e oferta apenas 8% do total de vagas disponibilizadas na região, com um índice de concorrência bem maior que nas outras 56 instituições privadas (INEP, 2012a). Além disso, possui os cursos de graduação com a melhor avaliação entre os ofertados nessa região. O público da UnB ainda abrange, em sua maioria, estudantes de melhor poder aquisitivo, especialmente nos cursos de alto e médio prestígio social. Os dados de perfil socioeconômico coletados em 2010 pelo CESPE indicam que 67% dos estudantes da UnB são oriundos de escolas particulares; apenas 23% se consideram negros; 48% residem nas regiões mais ricas do Distrito Federal: o Plano Piloto e suas proximidades; apenas 18% têm renda familiar entre 1 e 3 salários mínimos e 75% não exercem atividades laborais.

Inserindo-se nesse novo cenário nacional de expansão de vagas públicas e abertura do acesso a outros grupos sociais, a UnB intensificou as estratégias para democratizar o acesso à instituição, implantando uma série de ações: o sistema de cotas; o programa de expansão e descentralização para outras regiões administrativas do Distrito Federal; a UAB na UnB; e outras. Em 2007, a Universidade de Brasília aderiu ao Programa de Reestruturação e Expansão das Universidades Públicas (Reuni), pelo qual receberia um aporte de recursos financeiros e humanos (professores e técnicos administrativos)38 com o compromisso de estabelecer um plano de reestruturação e expansão baseado nas metas de inclusão social, mobilidade acadêmica, reestruturação curricular, permanência e democratização do acesso39.

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Na década de 1990, a UnB ingressou em um período de modernização, seguindo a tendência nacional diante da falta de investimentos nas instituições públicas federais, conforme explicam Oliveira, Dourado e Mendonça (2006). Assim, volta-se mais para o mercado, objetivando a captação de recursos por meio de diversas iniciativas, tais como: i) a ampliação da prestação de serviços técnicos demandados por órgãos públicos federais, estaduais e distritais; ii) a utilização do potencial de fabricar produtos para venda a terceiros ou para atender à demanda interna e iii) a realização de convênios e contratos, como discutido em Melo (2009).

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De acordo com acordo de metas Reuni/UnB, assinado em 13.03.2008, a UnB receberia entre 2008 e 2012 R$66.928.720,42 para despesas de custeio, R$53.850.180,00 para despesas com obras e R$29.500.000,00 para aquisição de equipamentos. Estavam previstas as contratações de 550 docentes, 400 técnicos administrativos e 310 funções gratificadas (FUB, 2008).

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A UnB estabeleceu como meta criar 43 cursos de graduação durante o Reuni e ampliar vagas em cursos existentes – ao todo, seriam 4.348 vagas a mais por ano, 1.360 delas destinadas aos três novos campi (FUB, 2008).

Em seu Plano de Reestruturação e Expansão (2007), a UnB propôs uma estrutura curricular nova no Brasil, focada nos Bacharelados em Grandes Áreas (BGA)40. O novo projeto curricular se assemelhava à estrutura na qual a UnB foi projetada em 1962, em seu Plano Orientador (1962), com previsão de uma etapa comum de formação para um determinado grupo de cursos e, depois, a formação específica.

O Reuni, como relatado, foi alvo de inúmeras críticas, não somente no Distrito Federal, mas em todo o território nacional. Estudantes e docentes protestaram contra as mudanças curriculares e acadêmicas da universidade pública, alegando principalmente o desmonte do sistema público e a precarização do ensino e do trabalho docente. Na UnB, a situação se agravou após descobertas de supostas irregularidades no gerenciamento dos recursos financeiros da universidade, quando os estudantes se mobilizaram e invadiram a reitoria, exigindo a exoneração do reitor e de seus decanos.

A gestão em vigor renunciou, assumindo uma administração pro tempore em 15 de abril de 2008. É importante apontar que as denúncias contra o ex-Reitor Thimothy Mulholland (2005-2008) foram julgadas em 2010 e este foi absolvido das acusações de improbidade administrativa, conforme descrito em Sousa (2013). Outrossim, cabe destacar que várias das decisões da UnB tem sido influenciadas por orientações políticas e ideológicas das administrações que se alternaram na gestão superior da universidade. Isso é evidenciado, por exemplo, na posse do reitor Ivan Marques de Toledo Camargo, em 20/11/2012, um dos decanos na gestão do ex-reitor Thimothy Mulholland. Enquanto o seu antecessor, José Geraldo de Sousa Junior (2008-2012), ressaltou o protagonismo político da UnB, o reitor que estava tomando posse defendeu como relevante para a instituição a excelência acadêmica e não o protagonismo político41.

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Bacharelados em Grandes Áreas equivalem aos Bacharelados Interdisciplinares (BI) propostos na Universidade Nova (ALMEIDA FILHO, 2007). Na definição do MEC, Bacharelados Interdisciplinares e similares são programas de formação em nível de graduação de natureza geral, que conduzem a diploma, organizados por áreas do conhecimento. Essa categoria de cursos foi inspirada na organização da formação superior proposta por Anísio Teixeira para a concepção da Universidade de Brasília, no início da década de 1960, no Processo de Bolonha e nos colleges estadunidenses (BRASIL, 2010). Na UnB, a proposta dos Bacharelados em Grandes Áreas (BGA) se assemelhava à concepção dos Bacharelados Interdisciplinares (BI) propostos na Universidade Nova. “Na UnB, o projeto de arquitetura acadêmica e curricular consistia na formação em camadas. Nos primeiros dois anos o aluno ingressaria na formação em Ciências e Humanidades, no terceiro ano optaria por um Bacharelado em Grandes Áreas ou um curso superior de tecnologia, no qual receberia um diploma de nível superior. Se optasse, no quarto ano, o aluno poderia ingressar em cursos acadêmicos/profissionais específicos ou uma licenciatura.” (MELO, 2009, p. 109).

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Uma das principais missões da administração pro tempore foi rediscutir o projeto Reuni com a comunidade acadêmica e apresentar um novo Plano de Reestruturação e Expansão da UnB ao Ministério da Educação. Abandonou-se a ideia dos bacharelados em grandes áreas. Os dois outros campi, em Ceilândia e no Gama, foram implantados agrupando os cursos por área de formação – Ceilândia na área de saúde e Gama na área tecnológica42. O

campus de Planaltina, existente desde 2006, ganhou três novos cursos. A UnB se

comprometeu, também, com as metas previstas no seu Plano Reuni.

Esse processo de expansão está em andamento, os três campi começaram a funcionar em 2005 (FUP) e 2008 (FCE e FGA) e toda a universidade enfrenta os desafios da expansão de seus cursos e vagas, tais como problemas relacionados à infraestrutura e ao preenchimento de vagas; à formação de alunos com maiores dificuldades acadêmicas; à manutenção e consolidação dos campi e relacionados à articulação com a sede, entre outros – eles serão detalhados nos capítulos destinados à análise dos dados.