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Financiamento estudantil e concessão de bolsas para estudantes de baixa renda

CAPÍTULO 2 – SELETIVIDADE SOCIAL E DEMOCRATIZAÇÃO DO ACESSO À

2.3 Estratégias de democratização do acesso à educação superior no Brasil

2.3.3 Financiamento estudantil e concessão de bolsas para estudantes de baixa renda

O financiamento estudantil tem sido uma estratégia muito utilizada pelo governo federal, pois grande parte da demanda por educação superior não consegue custear uma instituição privada, onde se encontra a maioria das vagas. Os dois principais programas com o intuito de financiar cursos superiores e oferecer bolsas para estudantes de baixa renda são o Programa Universidade para Todos (ProUni) e o Programa de Financiamento Estudantil (FIES). Ambos atuam na esfera das instituições particulares.

O FIES concede financiamento estudantil para estudantes matriculados em cursos de instituições de educação superior privadas, reconhecidas pelo MEC. Prioritariamente, são atendidos estudantes de graduação que comprovem baixa renda e, caso haja disponibilidade de recursos, estudantes de mestrado e doutorado ou de cursos técnicos. O FIES também

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Planaltina oferece os cursos de Licenciatura em Ciências Naturais, Gestão do Agronegócio, Gestão Ambiental (noturno), Licenciatura em Ciências Naturais (noturno) e Licenciatura em Educação no Campo (durante as férias letivas). Ceilândia oferta os cursos de Enfermagem, Farmácia, Terapia Ocupacional, Fisioterapia e Saúde Coletiva. O campus do Gama oferta cursos de Engenharia Mecânica, de Energia, Software, Eletrônica e Aeroespacial, com entrada comum. Neste campus, somente após uma formação inicial o aluno opta pela formação específica, de modo semelhante ao projeto da mais recente universidade brasileira, a Universidade Federal do ABC.

atende bolsistas parciais do ProUni.

O ProUni, criado pela Medida Provisória n. 213, de 10 de setembro de 2004 e instituído pela Lei n. 11.096, de 13 de janeiro de 2005, vislumbrou, do ponto de vista de sua formulação, aproveitar a infraestrutura ociosa nas instituições privadas para incluir estudantes de baixa renda no ensino superior (SOUSA, 2010). Para tanto, o governo passou a oferecer benefícios fiscais43 em troca de bolsas de estudo integrais ou parciais nas instituições privadas, condicionados à renda per capita familiar.

As bolsas podem ser destinadas a estudantes egressos do ensino médio público ou advindos de escolas privadas que receberam bolsa integral no ensino médio, bem como a professores das redes públicas de educação básica, independentemente de renda. Parte das bolsas, obrigatoriamente, é direcionada a ações afirmativas e aos portadores de necessidades especiais e aos negros e indígenas. Uma das prioridades do programa é a formação de professores da escola básica, pretendendo-se impactos na qualidade do ensino.

Depois da flexibilização das regras inicialmente propostas para a concessão de bolsas44, ficou aprovado, para as instituições não filantrópicas, a oferta de uma bolsa integral para cada 10,7 alunos pagantes, ou, alternativamente, uma bolsa integral para cada 22 pagantes e certo número de bolsas parciais (50% e 25% da mensalidade), até atingir 8,5% da receita bruta. Para as IES filantrópicas, as regras são mais rígidas, pois são obrigadas a oferecer bolsas de gratuidade integrais e parciais (50% e 25% do valor da mensalidade) com valor total igual a 20% da receita anual efetivamente recebida (CARVALHO, 2006; CUNHA, 2007). Informações obtidas no sítio oficial do ProUni revelam que já foram atendidos, até o primeiro semestre de 2013, 1,2 milhão de estudantes, sendo 68% com bolsas integrais.

Mesmo diante desses importantes resultados, o ProUni foi alvo de inúmeras críticas, tanto de defensores da universidade pública como de setores ligados às instituições particulares. Aqueles defendiam como prioridade a ampliação e a qualificação do setor público, estes criticavam a ingerência do Estado (ABREU, 2010).

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O ProUni isenta as instituições de educação superior privadas de quatro tributos: Imposto de Renda das Pessoas Jurídicas, Contribuição Social sobre o Lucro Líquido, Contribuição Social para Financiamento da Seguridade Social e Contribuição para o Programa de Integração Social. As instituições filantrópicas, que já tinham isenção de impostos, teriam de transformar 20% das suas matrículas em cursos de graduação ou sequencial de formação específica em vagas para o ProUni e utilizar 20% de sua renda bruta em bolsas de estudo dedicadas ao Programa.

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Muitos pesquisadores concluíram que o ProUni faz parte de um conjunto de políticas pensadas no governo para facilitar o acesso à educação superior com baixos custos para o Estado (MANCEBO, 2004). Conforme argumentam Catani, Hey e Gilioli (2006, p. 127), o “princípio do ProUni segue essa orientação: promove o acesso à educação superior com baixo custo para o governo, isto é, uma engenharia administrativa que equilibra impacto popular, atendimento às demandas do setor privado e regulagem das contas do Estado”. Nessa perspectiva, o ProUni é visto como um programa assistencialista que prioriza o acesso do estudante à educação superior, sem se preocupar com a permanência de estudantes pobres no sistema e com a qualidade dos cursos ofertados, como apontado por Mancebo (2004), Carvalho (2006) e Catani, Hey e Gilioli (2006).

Para esse grupo de pesquisadores, o ProUni segue o modelo privatizante adotado na década de 1990, facilitando o financiamento e a expansão do sistema privado, em vez de investir possíveis recursos no sistema público. Nesse sentido, Paula (2010, p. 302) defende que,

[...] embora o ProUni tenha outorgado um número significativo de bolsas, havendo maior cobertura, a proposta pode representar um aprofundamento da privatização do sistema de ensino superior, uma vez que funciona como mecanismo de recuperação financeira das instituições privadas, que deixam de pagar elevadas quantias ao Estado (renúncia fiscal) em troca de vagas ociosas destinadas aos alunos carentes. Para estas instituições, a medida pode significar uma ajuda financeira considerável, tendo em vista o alto índice de inadimplência e evasão dos alunos.

Cunha (2007) concorda com esse argumento, mas adverte que, de acordo com a legislação brasileira, os recursos do ProUni não poderiam ser revertidos para as universidades federais facilmente, pois são provenientes de impostos e, por isso, não têm destinação específica. Assim, os “recursos que iriam para o ensino superior público, caso não houvesse renúncia de impostos, obedeceriam ao tratamento definido pelos orçamentos governamentais, sendo, portanto, indeterminado o montante que reforçaria os orçamentos das IES públicas” (CUNHA, 2007, p. 821).

O ProUni também contribuiria para reproduzir as desigualdades sociais. Primeiramente, porque o programa oferece oportunidades de acesso a estudantes carentes, mas não há uma preocupação efetiva com a permanência desses estudantes na educação superior, em sua maioria jovens de famílias com renda suficiente para manter as necessidades

básicas ou nem isso45. Existem duas soluções paliativas para minimizar esse problema: a Lei n. 11.180, art.1146 – que não é suficiente para atender todos os bolsistas –, e a concessão de crédito por intermédio do Programa de Financiamento Estudantil (FIES)47 – que passou a atender bolsistas parciais do ProUni, beneficiados com bolsas de 50%. Cabe ressaltar que o FIES pode não ser uma alternativa viável a estudantes de baixa renda, em virtude da “defasagem entre a taxa de juros de empréstimo e a taxa de crescimento da renda do recém- formado, combinada ao aumento do desemprego na população com diploma de nível superior”, conforme registrou Carvalho (2006, p. 993).

Por outro lado, no geral, os cursos das instituições de educação superior particulares não têm a mesma qualidade de cursos das instituições públicas. Desse modo, o governo estaria patrocinando a segmentação e a diferenciação no sistema escolar ao destinar “escolas academicamente superiores para os que passarem nos vestibulares das instituições públicas e escolas academicamente mais fracas, salvo exceções, para os pobres”, como bem registrou Mancebo (2004, p. 13).

Por sua vez, Durham (2010) acredita que a isenção de impostos efetivada pelo ProUni permitiu que a educação superior voltasse a ser um negócio ainda mais rentável e, embora tenha aumentado “o acesso ao ensino superior por parte da população mais pobre, perdeu-se no entanto a oportunidade de incentivar a qualidade do ensino privado, o que poderia ser feito restringindo-se o ProUni aos cursos e às instituições mais bem avaliados” (DURHAM, 2010, p. 162).

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O seguinte trecho do artigo de Catani, Hey e Gilioli (2006, p. 134) revela características dos candidatos ao ProUni: o Observatório Universitário da Universidade Cândido Mendes constatou que cerca de 35% dos alunos que estão no último ano do ensino médio ou que já o concluíram (3,7 milhões num total de 10,5 milhões) “vêm de famílias em que a renda média nem sequer é suficiente para comprar eletrodomésticos de primeira necessidade, como geladeiras, ou que comprometem mais de 40% do orçamento familiar com aluguel” (GOIS, 2004a). Além disso, uma família com renda de R$1.000 a R$1.200 “consome 82% de seus recursos com despesas essenciais como alimentação, habitação, transporte, higiene, saúde e vestuário. Em famílias no extremo mais pobre (renda mensal inferior a R$400), o orçamento familiar é insuficiente para cobrir essas despesas básicas” (GOIS, 2004a).

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Essa Lei, de 23 de setembro de 2005, criou a Bolsa Permanência do ProUni. De acordo com o MEC, a Bolsa Permanência é um benefício, no valor de até R$300,00 mensais, concedido a estudantes com bolsa integral em utilização, matriculados em cursos presenciais com no mínimo 6 (seis) semestres de duração e cuja carga horária média seja superior ou igual a 6 (seis) horas diárias de aula, de acordo com os dados cadastrados pelas instituições de ensino junto ao MEC (http://prouniportal.mec.gov.br).

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O FIES existe desde 1999, concede crédito para estudantes de baixa renda custearem os estudos superiores nas instituições privadas. Mais de 560 mil estudantes foram beneficiados e 1.459 instituições de Ensino Superior estão credenciadas, com 2.080 campi cadastrados e aplicação de recursos da ordem de R$6,0 bilhões (http://www3.caixa.gov.br/fies/FIES /default.asp).

Catani, Hey e Gilioli (2006, p. 137) aprofundam mais ainda a crítica ao ProUni afirmando que mesmo “[...] como mera política assistencialista o ProUni é fraco, porque espera que as IES privadas ‘cuidem’ da permanência do estudante. Abre o acesso à educação superior, mas não oferece mais do que um arremedo de cidadania de segunda classe aos contemplados.”

O ProUni cresceu vertiginosamente nos últimos anos. Como apontou Sousa (2010), o programa não foi eficiente para reduzir todas as vagas ociosas do setor privado, mas tem propiciado a inclusão de milhares de jovens de baixa renda nos cursos superiores. Velloso (2011) também considera o ProUni vantajoso para a democratização do acesso aos cursos superiores. Como disse esse autor, embora o programa represente uma receita cativa para as instituições do setor privado, atende a um número expressivo de jovens de baixa renda; considerando os dados do INEP de 2009, o ProUni beneficiou aproximadamente 10% dos 3,8 milhões de alunos do setor naquele ano.

Ainda assim, há que se considerar as questões relativas à qualidade dos cursos ou mesmo à permanência dos estudantes. Parte delas são reflexos dos problemas vivenciados na educação básica, ainda incapaz de qualificar os estudantes para os cursos superiores, como apontado por Durham (2010) mediante avaliação dos dados do Programa Internacional de Avaliação de Estudantes (PISA). A autora destaca que 75% dos concluintes do ensino fundamental não têm condições de enfrentar o ensino superior com sucesso e estarão, consequentemente, excluídos deste nível de ensino.