• Nenhum resultado encontrado

CAPÍTULO 2 – SELETIVIDADE SOCIAL E DEMOCRATIZAÇÃO DO ACESSO À

2.3 Estratégias de democratização do acesso à educação superior no Brasil

2.3.1 A expansão de vagas nas universidades federais

A expansão de vagas públicas é uma estratégia de democratização do acesso defendida por inúmeros pesquisadores (AMARAL, 2008; CHAVES; LIMA; MEDEIROS, 2008; OLIVEIRA et al., 2008; RISTOFF, 2008)27, pois, entre outros fatores que se apresentam, sobram muitas vagas ociosas nas instituições privadas. Cabe salientar que o não preenchimento de vagas na educação superior, especialmente nos estabelecimentos particulares, pode ser atribuído a pelo menos dois fatores principais: i) a oferta de vagas que, desde 2003, é maior que a demanda, representada pelo número de concluintes do ensino médio, como evidenciado em Velloso (2011); ii) os estudantes que estão no ensino médio são, em maioria, provenientes de famílias de baixa renda e têm dificuldades em financiar os cursos superiores. Ristoff (2008, p. 44) aponta que os mais de 9 milhões de estudantes do ensino médio têm renda familiar 2,3 vezes menor do que a do alunado da educação superior, “há milhões deles tão pobres que, mesmo que a educação superior seja pública e gratuita, terão dificuldades de se manterem no campus. Sousa (2010, 2013) constatou que um dos elementos

26

O Programa Universidade Aberta, apesar da sua importância, não será estudado neste trabalho, pois o nosso foco é a expansão do ensino presencial nas universidades públicas.

27A projeção do crescimento das matrículas, a se manterem os índices inerciais instalados, indica que não

será possível atingir a meta de matricular 40% dos alunos em IES públicas até 2010, sem a intervenção direta do poder público. Para que a meta possa ser atingida, serão necessários investimentos significativos, especialmente para absorver os alunos de baixa renda que hoje têm acesso à educação fundamental e média (INEP, 2004 apud SOUSA, 2009).

que certamente contribui para a ociosidade das vagas é a incipiente taxa de escolaridade bruta e líquida da população entre 18 a 24 anos, impedindo que seja atingida a meta de 30% de jovens na educação superior, considerando a taxa líquida. Ademais, outros fatores como a oferta de um número excedente de vagas nas instituições privadas e o crescimento desordenado do sistema, voltado mais às demandas do mercado e menos às demandas sociais, contribuem para o não preenchimento das vagas nos cursos de educação superior, conforme concluiu esse autor.

Destacamos dois relevantes projetos de expansão da educação superior, via universidade pública, que têm proporcionado novas chances de ingresso para estudantes de baixa renda, a despeito dos desafios e das dificuldades vivenciadas na implantação: Programa de Expansão e interiorização das IFES e Reuni. É igualmente relevante a expansão dos cursos tecnológicos, por meio da ampliação da rede de Institutos Federais de Ciência e Tecnologia. Outro programa importante, mas que não será aqui objeto de estudo por tratar da expansão de cursos a distância, é a Universidade Aberta do Brasil.

O Reuni foi precedido pelo Programa de Expansão das IFES, que representou o primeiro momento de crescimento das universidades públicas federais, iniciado em 2003. Por intermédio desse programa, o governo federal priorizou o financiamento de projetos de interiorização de campi universitários fora das capitais, no intuito de democratizar o acesso e promover o desenvolvimento local e sustentado dos municípios brasileiros. A Universidade de Brasília foi uma das universidades a adotar esse mecanismo: além de criar três campi novos, adotou cotas raciais e bonificação para estudantes das regiões onde se encontram os novos campi.

O Programa de Apoio a Planos de Reestruturação e Expansão das Universidades Federais (Reuni), de certa forma, deu continuidade ao programa de expansão, pois o principal objetivo era criar condições para a ampliação do acesso e a permanência de estudantes na educação superior, em nível de graduação, por meio do melhor aproveitamento da estrutura física e de recursos humanos existentes. Para tanto, definiu-se como metas a elevação gradual da taxa de conclusão média dos cursos de graduação presenciais para 90% e da relação de alunos de graduação em cursos presenciais por professor para 18, bem como aumento mínimo nas matrículas de graduação num prazo de cinco anos.

Uma das principais críticas ao Reuni foi relativa à obrigatoriedade de aderir ao programa para receber o recurso previsto, fato que teria impulsionado a adesão de todas as IFES em um período curto de tempo, mesmo sem um projeto de expansão consolidado na universidade. Nesse sentido, mesmo sem haver consenso sobre o programa, uma parte dos

reitores e suas equipes, supostamente, decidiram participar do Reuni para não perder os recursos orçamentários previstos e a autorização para contratação de docentes e técnicos, vinculada ao cumprimento das metas. Sobre esse assunto, Braga (2007) afirma que,

Ao condicionar a apresentação imediata de projetos, ao encaminhamento orçamentário, o executivo praticamente impôs um paradigma – as universidades federais devem seguir o exemplo das universidades particulares: oferecendo cursos acessíveis aos alunos egressos do ensino médio público, aprovando de uma forma ou de outra a maioria desses alunos; contratando mais professores em tempo parcial e com menos qualificação; buscando financiamento no sistema produtivo através da prestação de serviços; e assimilando os campi universitários ao espaço urbano, descaracterizando-os assim como entidades autônomas.

O Reuni causou muita polêmica e provocou a reação do movimento estudantil com o apoio da ANDES, culminando em inúmeros protestos e invasão de reitorias em diversas instituições. Algumas explicações para essas mobilizações eram o tempo muito curto para pensar o programa e a associação com o projeto Universidade Nova28, o qual propunha a reconfiguração da estrutura acadêmica brasileira, substituindo cursos por ciclos ou níveis de formação, conforme detalharam Camargo e Lazarte (2012).

Em nota publicada na época do surgimento do programa, 2007, a ANDES argumentou que o Reuni era uma ação de coerção, que precisava ser entendida na correta dimensão da ameaça que configurava, pois poderia resultar no redesenho completo da função das universidades públicas federais, as quais receberiam 20% a mais nas suas verbas para atender a uma exigência de até 100% de aumento de vagas, estando de acordo com o novo modelo que cabe às universidades, tendo em vista a inserção subalterna do País no contexto mundial da dita globalização. Outros pesquisadores, tal como Cunha (2007), vislumbraram no Reuni uma oportunidade real de crescimento do sistema público, embora com algumas medidas de caráter duvidoso como o Bacharelado Interdisciplinar.

Após os primeiros anos de implantação desses programas, é possível evidenciar resultados consideráveis, especialmente na ampliação do sistema universitário público brasileiro. O Relatório do primeiro ano do Reuni (2008) revela que os dois Programas, Reuni

28

“Universidade Nova é o nome de uma proposta de estrutura acadêmica e curricular para as universidades brasileiras. Consiste, principalmente, na implementação dos Bacharelados Interdisciplinares (BI), de forma que o aluno ingressa em um curso geral por área de conhecimento, após dois anos ele recebe um diploma de nível superior, mas sem especificação de profissão. A partir daí, ele pode optar por continuar sua formação, cursando a parte específica do curso e, se quiser, fazer a especialização em nível de mestrado e doutorado. O modelo é inspirado em universidades americanas e europeias e foi encabeçado, no Brasil, pelo Reitor da Universidade Federal da Bahia, Naomar de Almeida Filho, que realizou diversos seminários divulgando o modelo, inclusive um na Universidade de Brasília, em 2007.” (MELO, 2009, p.109).

e Expansão, investiram aproximadamente 1,6 bilhões e autorizaram a contratação de 6.355 vagas para técnicos administrativos e 9.489 vagas para docentes das universidades federais. Menciona-se, igualmente, o cumprimento das metas em relação ao quantitativo de vagas ofertadas. As vagas diurnas ultrapassaram a meta, enquanto as vagas noturnas apresentaram um pequeno déficit em relação ao previsto nos projetos das IFES.

Segundo dados obtidos no site do Ministério da Educação29, o número de municípios atendidos pelas universidades federais passou de 114 para 237, entre 2003 e 2011, e foram criadas 14 novas universidades e 100 campi universitários em todo o País. A partir de dados do censo da educação superior produzidos pelo INEP, constatamos que o número de vagas ofertadas no setor público, embora represente apenas 6,6% do total, cresceu 41% entre 2004 e 2009; nas instituições privadas esse aumento foi de 21%, e no Brasil como um todo, de 26%. A Universidade de Brasília apresentou crescimento de 31% nesse período, passando de 3.988 vagas em 2004 para 5.859 em 2009; e continuou crescendo, totalizando a oferta de 8.870 vagas em 2012.

Outras dimensões, como a reestruturação acadêmica e a inovação pedagógica, apresentaram progressos tímidos (RAMALHO FILHO, 2008b). Embora o tema tenha sido lançado ao debate, houve muita polêmica a respeito, que pode ter sido propagada pela resistência a novas propostas de funcionamento das universidades e pelo prazo exíguo para repensar a estrutura universitária, fatores que resultaram em protestos e mobilizações da comunidade universitária.

De fato, a estrutura universitária brasileira sofreu parcas transformações com o Reuni, a despeito de terem sido propostas novidades como formação em ciclos, formação básica comum e bacharelados com dois ou mais itinerários formativos, como destacado no relatório do MEC. As novas propostas de formação aconteceram de forma isolada, apenas em uma pequena parte dos cursos das instituições que as implantaram. A própria Universidade Federal da Bahia, que por meio do então reitor, Naomar de Almeida Filho, encabeçava o projeto Universidade Nova, implantou apenas quatro Bacharelados Interdisciplinares30.

29

Informações disponíveis no link:

http://reuni.mec.gov.br/index.php?option=com_content&view=article&id=100&Itemid=81, acesso em 20/02/2013.

30

Camargo e Lazarte (2012) contabilizam a implantação de BI em 14 universidades federais (UFABC, UFRB, UFBA, UFRN, UFERSA, UFSC, UFVJM, UNIFAL, UFJF, UFOPA, UFSJ, UNIPAMPA, UFRJ, UNIFESP), cerca de 9 mil vagas, representando 4% da oferta nas universidades federais. Esses autores ressaltam que apenas cinco deles foram implantados no Reuni, as outras foram iniciativas após o início do programa.

Considerando esses resultados, conclui-se que o Reuni representou um programa muito mais de expansão do que de reestruturação do sistema, reproduzindo o mesmo modelo de carreira acadêmica, a mesma remuneração salarial, a mesma estrutura isomorfista: ensino, pesquisa e extensão; como apontou Durham (2010), pode-se lamentar que a expansão não tenha sido utilizada para diversificar o sistema de educação superior, “o que se torna cada vez mais necessário dada a crescente heterogeneidade dos egressos do ensino médio em termos de competência acadêmica, interesses e vocações” (p. 162). Todavia, são relevantes o espaço aberto para o debate sobre a estrutura dos cursos acadêmicos e a oportunidade de estabelecer novos parâmetros capazes de embasar projetos futuros. Cabe refletir, a partir desse cenário, até que ponto essa não diversificação do sistema de educação superior federal limita a expansão das vagas públicas nas universidades e, por outro lado, contribui para a expansão do ensino privado de perfil empresarial. Seria possível massificar o acesso nas universidades federais e ao mesmo tempo fortalecê-las como instituições responsáveis pelo desenvolvimento da pesquisa acadêmica?