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CAPÍTULO 1 – ORGANIZAÇÃO DA EDUCAÇÃO SUPERIOR NO BRASIL

1.4 Financiamento da educação superior na década de 1990

Na década de 1990, o governo brasileiro, seguindo uma tendência mundial de mercantilização da educação superior, ocasionada após legitimação de um diagnóstico econômico global, originário de organismos internacionais como a OECD, Banco Mundial, e Banco Interamericano (PRATES, 2010), optou por adotar políticas neoliberais que foram responsáveis por mudanças na economia do País e em diversos setores. Exemplos disso são a financeirização da riqueza, com diminuição dos gastos com o setor público; a privatização do setor produtivo estatal; e a elevação da carga tributária, provocando aumento do desemprego e da desigualdade social (POCHMANN, 2010). A adoção de tais políticas esteve relacionada à crise fiscal do Estado de Bem-estar Social e à popularização da ideologia neoliberal nos anos 1980, como afirmou Prates (2010).

Na educação superior, essas medidas resultaram em contenção do investimento financeiro nas universidades públicas e incentivo ao crescimento de instituições privadas, que, como já dissemos, representam mais de 80% do sistema de educação superior brasileiro. Ao mesmo tempo que incentivou o crescimento do setor privado, o Estado reduziu o financiamento das instituições públicas, criando condições de o mercado assumir esse papel.

Por sua vez, o Estado adquiriu uma perspectiva mais gerencialista, no sentido de regulação, fiscalização e avaliação da oferta (OLIVEIRA; DOURADO; AMARAL, 2006).

Essa contenção do financiamento público foi justificada pelo entendimento do governo e de organismos multilaterais de que o sistema público era ineficiente, excessivamente burocratizado, caro e responsável pela reprodução das desigualdades educacionais e sociais (MOEHLECKE; CATANI, 2006). Nessa época, as IFES foram obrigadas a buscar alternativas de financiamento para continuar a funcionar e a expandir suas atividades. Proliferaram cursos de pós-graduação lato sensu, cursos de extensão, assessorias, consultorias e fundações de apoio.

Especialmente as universidades federais sofreram cortes radicais nos recursos de investimento e manutenção. No período de 1994-2002, o ensino superior público federal registrou expansão de 37% das matrículas, todavia com redução de 5% do corpo docente, de 21% no quadro de funcionários e quase congelamento dos salários, compensado apenas pela Gratificação de Ensino a Docência (GED) (SGUISSARDI, 2006). Dados da ANDIFES de 2004 (MEC, 2006) revelaram que, entre 1995-2001, as 54 instituições federais de educação superior existentes perderam 24,0% dos recursos para custeio (pessoal, água, luz telefone e materiais diversos) e 77,0% de recursos para investimento em salas de aulas, laboratórios, computadores e acervo bibliográfico.

No intuito de facilitar a compreensão sobre esse assunto, é importante esclarecer que o financiamento das IFES advém, em grande parte (88%), do Fundo Público Federal (FPF)16. O restante são recursos de convênios e de receita própria, correspondendo a 9% e 3%, respectivamente. Embora a Constituição Federal estabeleça autonomia financeira17 para as universidades e vincule um patamar mínimo da receita resultante de impostos18 para

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O FPF, segundo a caracterização de Amaral (2003), é constituído de recursos provenientes da arrecadação de tributos recolhidos aos cofres governamentais, tais como impostos, taxas e contribuições; da utilização do patrimônio; da realização de serviços; das atividades agropecuárias e industriais; das transferências entre governos; das operações de crédito; da alienação de bens; da amortização de empréstimos; e dos recursos de privatizações. Estes recursos são utilizados no financiamento de todas as atividades da burocracia do Estado e no financiamento de atividades sociais (programas relacionados às áreas de educação, saúde, saneamento básico, habitação, assistência social, salário-desemprego) e econômicas (subsídio à agricultura e à instalação de fábricas e para socorro a bancos, juros subsidiados em empréstimos com grande tempo de carência, renúncia fiscal, pagamento de dívida pública).

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A Constituição Federal de 1988 estabelece em seu artigo 207 que “as universidades gozam de autonomia didático-científica, administrativa e de gestão financeira e patrimonial, e obedecerão ao princípio da indissociabilidade entre ensino, pesquisa e extensão”.

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As despesas do FPF, fora as voltadas à manutenção da burocracia federal, são classificadas em financeiras e não financeiras. As despesas financeiras são juros e encargos e amortização das dívidas interna e externa. As não

utilização dos recursos da União em manutenção e desenvolvimento do ensino, houve aumento dos gastos com despesas financeiras4 da União, de modo que parte dos gastos com a área social transformou-se em gastos financeiros (AMARAL, 2003, 2008).

Após 1998, depois de firmado acordo com o Fundo Monetário Internacional (FMI) para o ajuste fiscal decorrente da quebra da âncora cambial, as ações na área social foram ainda mais preteridas em virtude do pagamento de juros e encargos da dívida firmada. Uma grande preocupação era a de que o não pagamento da dívida acarretasse fuga de investidores e consequente crise econômica.

Corbucci (2000), em estudo sobre a gestão da universidade pública, no período de 1995 a 1998, realizado com dados de sistemas governamentais – Sistema Integrado de Administração Financeira do Governo Federal (SIAFI) e Sistema Integrado de Dados Orçamentários (SIDOR) – destaca que, a despeito dessa diminuição nos investimentos públicos em universidades federais na década de 1990, houve aumento da eficiência e da eficácia na gerência dos recursos públicos nessas instituições; muito embora os gastos tenham sido comprimidos, constatou-se crescimento das matrículas e do número de profissionais formados, bem como da produção científica. De acordo com os dados apresentados por esse pesquisador, observou-se incremento nominal em torno de 8% dos recursos investidos nas IFES no período, aproximadamente 400 milhões, todavia, esses recursos foram destinados ao pagamento de precatórios e obrigações com inativos e pensionistas.

A despeito desses resultados, apontados por Corbucci (2000), podemos dizer que na década de 1990 acentuou-se a privatização da educação superior; o Estado diminuiu o investimento nos estudos superiores públicos ao mesmo tempo que incentivou a ampliação do setor privado. Consequentemente, a esfera pública cresceu pouco em relação ao setor particular de educação superior.

financeiras se destinam a pagamento de pessoal e encargos sociais, custeio e capital, para as atividades do governo federal referentes às áreas sociais como educação, saúde, previdência, proteção ao trabalhador, segurança e habitação. Portanto, as prioridades para as ações dos poderes públicos, incluindo o financiamento da educação superior, estabelecem-se no embate entre os gastos do Fundo Público Federal (AMARAL, 2003).