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A experiência de OP estadual no governo do Rio Grande do Sul

3.5. A difusão e a transformação do “modo petista de governar”

3.5.1. A experiência de OP estadual no governo do Rio Grande do Sul

Observamos que a repercussão do OP em outros contextos não foi homogênea. Esse processo participativo, conforme já foi mencionado anteriormente, foi incorporado por outros partidos políticos sob diferentes formatos em distintas gestões municipais. A replicabilidade do OP em outros contextos não seguiu necessariamente os mesmos resultados do caso de Porto Alegre. Tomamos como exemplo a experiência de OP adotada no Estado do

Rio Grande do Sul, a qual se diferencia do modelo adotado na cidade de Porto Alegre, pois obteve uma dimensão maior113, afetando um volume maior de interesses e provocando fortes reações políticas.

Goldfrank e Schneider (2006) relatam que antes da adoção do OP estadual pelo governo petista, outros partidos implementaram métodos participativos de decisão orçamentária no governo do estado do Rio Grande do Sul, ao longo da década de 1990. No apogeu do reconhecimento nacional e internacional do OP, o governo do PDT (1991-1994) criou o COREDES – Conselhos Regionais de Desenvolvimento, dividindo o estado em 22 regiões para formular propostas para o orçamento anual com o principal objetivo de diminuir as desigualdades regionais. O governo do PMDB (1995-1998), que sucedeu o PDT, deu continuidade ao COREDES e, no final do seu mandato, acrescentou a esse projeto outro dispositivo denominado Consulta Popular (CP), segundo o qual eleitores poderiam escolher quais das propostas formuladas pelo COREDES poderiam ser implementadas. Ao contrário do OP, que era aberto à participação de todos os cidadãos individualmente, o COREDES era formado, regionalmente, por deputados estaduais e federais, prefeitos, vereadores, representantes de universidades e organizações da sociedade civil. Nesse sentido, os autores ressaltam que o COREDES acumulou vantagens para um grande número de deputados, prefeitos e vereadores do PDT por meio do Estado. Contudo, essa experiência foi uma crescente frustração porque poucas propostas regionais foram implementadas e muitos COREDES pararam de funcionar. O COREDES recebeu pouca atenção do PMDB até o último ano do seu mandato (1998), no qual o governador alterou esse projeto com a organização da CP, a qual mobilizou 6% do eleitorado (cerca de 380.000 eleitores) para selecionar projetos que poderiam ser incluídos no orçamento do estado no ano seguinte. Os autores evidenciam que da mesma forma que o OP beneficiou o PT em Porto Alegre, o COREDES também favoreceu o PMDB e seus aliados à direita. Nas eleições de 1998, a disputa polarizou-se em torno das coalizões lideradas pelo PMDB e PT e do debate entre os seus respectivos modelos de OP.

De acordo com os autores, o PT frente ao governo estadual do Rio Grande do

113 O OP no estado do Rio Grande do Sul envolveu quase nove vezes a quantidade de recursos disponíveis da

capital do estado e alcançou aproximadamente 400 mil cidadãos em 2001, ou seja, vinte vezes o número de participantes da famosa experiência petista.

Sul, a partir de 1999, não respeitou o antigo desenho do COREDES e abriu as assembléias a toda a comunidade, nos moldes do OP de Porto Alegre. O OP no plano estadual promoveu um canal de comunicação direto entre o governo e a população, sobrepondo-se mais uma vez ao Legislativo, onde o PT tinha minoria.

Nesse sentido, os autores assinalam que a oposição sob o comando do Legislativo estadual introduziu uma nova instituição participativa, o Fórum Democrático, consistindo em várias assembléias públicas coordenadas pelos deputados estaduais e baseadas nos COREDES e no COMUDES – Conselho Municipal de Desenvolvimento. Esse fórum teve o objetivo claro de preservar as instituições representativas do estado e obteve apoio do COREDES, da União dos Vereadores e da Federação dos Municípios. Além da reação do Legislativo, o Judiciário proibiu o estado de pagar funcionários para realizar os encontros do OP sob alegação de uso impróprio dos fundos estaduais. Por fim, a mídia engrossou os ataques da oposição e impugnou o OP, rotulando-o de ilegal, distinguindo a sua natureza partidária114.

Segundo Goldfrank e Schneider, o governo petista e seus aliados, entre os quais um pequeno número de prefeitos e vereadores do partido, criaram um comitê para defender o OP e ajudar a financiar as reuniões do ano de 2000. Todavia, a enérgica reação da oposição fez com que a administração petista alterasse a proposta original do OP, incorporando os membros do COREDES e de outros partidos no Conselho do Orçamento do Estado, adaptando o calendário do OP para não cruzar com outros encontros, e ainda convidando os membros do COREDES para coordenar todos os encontros do OP. Além disso, o governo estadual concordou em implementar as propostas aprovadas pela CP e enviou membros de sua equipe de governo para acompanhar todos os encontros do Fórum Democrático. Dessa forma, as relações entre o governo do estado e o COREDES melhoraram, mas os ataques ao PT na Assembléia Legislativa e na mídia continuaram.

Nesse mesmo período, as administrações do PT em Porto Alegre e no estado do Rio Grande do Sul tornaram-se vitrines nacionais para o partido. Assim, na visão dos autores,

114 Consultar Faria (2003) para uma visão sobre a implantação do OP estadual, no Rio Grande do Sul (RS), a

partir da compreensão de alguns dos condicionantes do consenso intra-elites gerado como conseqüência das resistências e das rupturas institucionais decorrentes desse processo.

o argumento do OP como uma instituição da competição política se sustenta com a glorificação do OP pela esquerda, especialmente com a vitória nas eleições presidenciais em 2002, e sua oposição pela direita.

Os autores concluem observando as limitações do OP como uma variável central do projeto político do PT, tendo em vista as falhas do partido para reeleger-se no estado do Rio Grande do Sul em 2002. O OP estadual, sob essa perspectiva, não conseguiu legitimar as relações entre Executivo e Legislativo por meio da mobilização popular, apenas favoreceu os investimentos nas regiões mais pobres, onde teve maior participação dos aliados dessa agremiação política, os quais se mobilizavam e conseguiam investimentos via OP.

Goldfrank e Schneider evidenciam que a sustentabilidade do OP depende da vitória eleitoral do partido que implementou essa proposta. Na maioria dos casos, quando a agremiação política que adotou esse mecanismo participativo não tem continuidade, o OP desaparece. Os autores acrescentam que o OP é vulnerável a situação fiscal da gestão que o executa. Assim, o desequilíbrio fiscal explica em parte o fracasso do OP no estado do RS e, na mesma medida, o êxito do OP de Porto Alegre, o qual obteve sucesso após a administração ter sanado as contas municipais.

Os autores acrescentam que o OP não foi implementado a nível nacional, mesmo sendo parte do programa de governo petista. Goldfrank e Schneider argumentam que a primeira administração nacional do partido se empenhou mais em garantir a estabilidade econômica do que em implementar políticas participativas. Nessa linha de pensamento, embora o governo Lula tenha tentando ampliar a participação popular no governo federal por meio do Conselho de Desenvolvimento Econômico e Social (CDES) e da realização de encontros regionais para a elaboração do Plano Plurianual (PPA 2004-2007), essas iniciativas mostraram-se limitadas, segundo a visão dos autores, na medida em que nenhuma dessas instituições é aberta ao público e nenhum dos participantes toma reais decisões sobre os rumos do governo.

De acordo com os autores, a experiência de OP estadual deixa como legado para o partido duas lições. A primeira é que o OP não pode ser implementado em altos níveis de governo, sem ter investimentos para garanti-lo. A outra é que o processo aberto provoca conflitos com a oposição, particularmente com o Legislativo, o que contraria o estilo

consensual do governo Lula, o qual tem priorizado a construção da maioria no Congresso Nacional. Nesse sentido, os autores corroboram o argumento de que o OP é parte da estratégia do PT de construir uma arena competitiva. Em Porto Alegre, a criação do OP foi em parte uma demanda dos movimentos sociais, mas seu desenho mostrou claros objetivos partidários de se sobrepor ao Legislativo e angariar novos aliados políticos. No Rio Grande do Sul, a natureza competitiva do OP se evidenciou por meio dos conflitos entre Executivo e Legislativo. No plano nacional, a não implementação do OP pelo governo petista também ressaltou seu papel de competição partidária.