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Esse debate, como já destacamos no início do capítulo, evidencia os efeitos políticos do OP, ou se preferirmos, as relações entre esse mecanismo participativo e as dinâmicas políticas que permeiam esse processo, especialmente nas esferas sub-nacionais, as quais estão sendo observadas pelas relações de poder entre o OP, o partido que foi o precursor dessa proposta participativa – o PT e os Poderes Executivo e Legislativo.

Celina Souza (2001) faz um importante balanço crítico da literatura sobre o OP por meio da análise dos principais argumentos e teses relacionadas ao OP de Porto Alegre e Belo Horizonte. A autora discute, de um lado, as relações positivas entre o OP e o aumento da democracia local, por meio da inclusão de segmentos até então excluídos do processo decisório local, e por outro lado, as sensíveis relações entre o OP e o Legislativo local, tendo em vista que o OP “obscurece o papel desta importante instituição do sistema representativo formal” (SOUZA, 2001, p. 91).

A autora ressalta que o debate que associa o OP ao aumento da representação política ainda não foi resolvido e assim permanece a pergunta se esses mecanismos de participação têm reproduzido os mesmos problemas encontrados nos sistemas formais de representação (SOUZA, 2001, p. 96).

Nessa perspectiva, Dias (2000) investiga os efeitos políticos da criação do OP sobre a Câmara Municipal de Porto Alegre. Esse trabalho teve como objetivo identificar as mudanças no comportamento dos vereadores em relação à tramitação dos processos orçamentários, os quais passaram a ser elaborados a partir da implementação do OP, em 1989, com a participação popular organizada.

A autora verifica as alterações no comportamento dos vereadores, tanto individual como coletivamente, e conclui que os três principais efeitos políticos do OP sobre o Legislativo Municipal foram: o constrangimento frente à participação popular, a renúncia à parte do seu poder decisório e a reação contra o Executivo Municipal.

Dessa forma, a autora argumenta que o OP foi uma forma do Executivo sobrepor-se ao Legislativo visto que os vereadores se sentiram constrangidos, inicialmente, ao emendarem as propostas orçamentárias apresentadas pelo Executivo, com o aval do OP, renunciando ao seu poder de veto. No entanto, Dias observa que os vereadores aos poucos foram reagindo e traçando uma estratégia de desvincular o OP do PT ao tentarem institucionalizar essa proposta.

Baiocchi (2003) vai além ao argumentar que o PT desenvolveu programas participativos como estratégia de negociação de demandas de distintos segmentos sociais, inclusive da sua própria base, e de legitimação do seu programa de governo junto à população como um todo.

O autor observa que, enquanto quase todas as administrações petistas implementaram reformas participativas, entre 1989 e 1992, muitas não instituíram esses programas. Como resultado, esses governos não tiveram habilidade para administrar os diversos tipos de conflitos, como no caso da administração de São Paulo (1989-1992). A cidade de Santos (SP), por outro lado, teve uma administração que abandonou a visão de que a sociedade civil poderia participar voluntariamente dos seus encontros públicos e desenvolveu um papel pró-ativo de angariar novos participantes. Diferentemente de São Paulo, a gestão santista foi capaz de negociar com os sindicatos locais e usar essa legitimidade para aprovar no Legislativo, o qual só tinha a seu favor três dos vinte e um vereadores, uma importante reforma tributária. A cidade de Porto Alegre (RS), por sua vez, tornou-se um modelo de administração local tendo em vista os resultados positivos do OP, especialmente

quanto à melhor distribuição de recursos e em relação ao papel da participação popular que norteou e legitimou essa gestão.

A partir de 1993, o autor observa que o OP se repercutiu em quase todas as administrações petistas subseqüentes. Essas gestões reconheceram que essa proposta participativa era um caminho promissor para a realização de um governo efetivo, e ao mesmo tempo, para negociação dos diferentes tipos de demandas, incluindo as reivindicações das próprias bases petistas, além de se legitimarem junto aos governos de minoria no Legislativo. Mesmo assim, o autor verifica que o partido sofreu derrotas, entre 1993 e 2002, como por exemplo, na cidade de Goiânia (GO), em razão do patrimonialismo, entre outras (BAIOCCHI, 2003, p. 20-23).

Goldfrank e Schneider (2006), sob uma perspectiva mais realista, consideram o OP uma instituição política que, como muitas outras, tende a privilegiar o interesse de certos grupos sociais em detrimento de outros e, por sua vez, objetiva alcançar vantagens partidárias. Os autores argumentam que o OP não é uma garantia de aprofundamento da democracia praticada por governos de esquerda e sim uma parte normal da competição política.

Os autores observam, ao recordarem as experiências do município de Porto Alegre e do estado do Rio Grande do Sul, que os objetivos partidários do OP estavam pouco presente no desenho desse programa de governo, mas esses propósitos se tornaram mais claros àmedida que o PT ficou conhecido por dominar a região através da continuidade dessa legenda em vários governos.

Os autores analisam a experiência de OP estadual no Rio Grande do Sul (1999- 2002)50, observando as limitações dessa proposta como uma variável central do projeto político do PT, tendo em vista as falhas do partido para reeleger-se nesse estado, em 2002.

O OP estadual, sob essa perspectiva, não conseguiu legitimar as relações entre os Poderes Executivo e Legislativo por meio da mobilização popular, apenas favoreceu os investimentos nas regiões mais pobres, as quais tiveram maior participação dos aliados dessa agremiação política, que se mobilizaram e conseguiram investimentos via OP.

Goldfrank e Schneider evidenciam que a sustentabilidade do OP depende da

vitória eleitoral do partido que implementou essa proposta. Na maioria dos casos, quando a agremiação política que adotou esse mecanismo participativo não tem continuidade, o OP também desaparece. Os autores acrescentam que o OP é vulnerável à situação fiscal da gestão que o executa. Assim, o desequilíbrio fiscal explicou em parte o fracasso do OP no estado do Rio Grande do Sul e, na mesma medida, o êxito do OP de Porto Alegre que obteve sucesso após a administração ter sanado as suas contas municipais.

Dentro dessa perspectiva, os autores ressaltam que o OP não foi implementado no âmbito nacional, mesmo sendo parte do programa de governo do atual presidente Luís Inácio Lula da Silva. A primeira administração nacional do partido, segundo os autores, se empenhou mais em garantir a estabilidade econômica do que em implementar políticas participativas.

Assim, os autores assinalam que a administração nacional do partido parece ter aprendido duas lições com a experiência do OP estadual. A primeira é que o OP não pode ser implementado em altos níveis de governo, sem ter recursos para garanti-lo. A outra é que o processo aberto à população51 provoca conflitos com a oposição, particularmente com o Legislativo, o que contraria o estilo consensual do governo Lula, o qual tem priorizado a construção de maioria no Congresso Nacional.

Nesse sentido, os autores corroboram o seu argumento de que o OP foi parte da estratégia do PT de construir uma arena competitiva. Em Porto Alegre, a criação do OP foi em parte uma demanda dos movimentos sociais, mas seu desenho mostrou, ao longo do tempo, claros objetivos partidários de sobrepor-se ao legislativo e angariar novos aliados políticos. No Rio Grande do Sul, essa natureza competitiva do OP se evidenciou por meio dos conflitos entre os Poderes Executivo e Legislativo. No plano nacional, a não implementação do OP pelo governo petista também ressaltou seu papel de competição partidária. “Se o OP tivesse somente o objetivo de aprofundamento da democracia, de estimular a participação da sociedade civil ou de aumentar a transparência do processo decisório, o governo federal poderia tê-lo implementado”52 (GOLDFRANK; SCHINEIDER, 2006, p. 25-26).

51 O autor refere-se ao processo aberto a população como um todo, em oposição ao processo fechado que

restringe a participação à sociedade civil organizada.

Dessa forma, vimos, ao longo deste Capítulo, as principais teses sobre o OP agrupadas em cinco dimensões argumentativas, incluindo as práticas políticas petistas descritas nesta seção. Além disso, observamos na literatura apresentada até o momento, a importância de analisar as variáveis políticas que influenciaram a institucionalização da participação popular, bem como de realizar análises comparativas acerca dos diferentes resultados produzidos pelo OP, para aprofundar o entendimento sobre essa questão.

Nesse sentido, os estudos reunidos nesta seção apresentaram hipóteses importantes para a compreensão dos fatores políticos que permeiam esse debate, os quais estão entre os objetivos centrais desta tese que discute, grosso modo, a relação inseparável entre o OP e o PT. Portanto, esta tese se enquadra na última dimensão argumentativa, apresentada no quadro da página 32, que debate as relações entre o OP e as práticas políticas, as quais estão sendo observadas por meio das relações de poder entre o OP, o PT e as instituições formais de representação política.

No próximo Capítulo, será explorado o debate referente à bibliografia internacional que discute a implementação dessas iniciativas participativas sob a perspectiva institucional comparada, bem como delimitará a perspectiva teórica presente nesta análise.

Capítulo 2

O Orçamento Participativo numa perspectiva institucional comparada

Introdução

O Capítulo anterior apresentou as principais vertentes do debate sobre OP, as quais foram divididas em cinco dimensões argumentativas: o aprofundamento da democracia local, o Estado e a sociedade civil, o desenho institucional, os fatores condicionantes que explicam as variações nos resultados do OP e as práticas políticas. Essas dimensões não delimitaram as perspectivas teóricas que permeiam esses estudos, mas assinalaram a necessidade de avaliar as variáveis políticas que permeiam esse debate.

Este Capítulo tem o objetivo de apresentar o debate sobre a implementação de reformas participativas numa perspectiva institucional comparada, além de delimitar a perspectiva teórica presente nesta análise. Em primeiro lugar, apresentaremos as principais nuances do debate referente ao contexto global de implementação dessas iniciativas participativas e suas implicações para as esferas sub-nacionais. Em seguida, retomaremos os principais argumentos que norteiam a abordagem sobre desenvolvimento institucional que se contrapõe às análises centradas no “fundamentalismo do capital”, visando ampliar o escopo de análise sobre esses novos arranjos participativos. Por fim, apresentaremos a perspectiva teórica que delimitará os objetivos desta tese.