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3.5. A difusão e a transformação do “modo petista de governar”

3.5.2. As iniciativas participativas no governo Lula

Samuels (2009, p. 239) observa que o presidente Lula iniciou seu primeiro mandato prometendo, ao longo da sua campanha, uma participação ainda maior da sociedade civil nos processos decisórios do governo. Nessa perspectiva, o autor está preocupado em avaliar a democracia brasileira sob o governo Lula, tendo em vista a seguinte questão: “em que a experiência vivenciada sob o governo de Lula e do PT difere das anteriores e qual diferença - se houver alguma - ambos tiveram para a democracia brasileira” (SAMUELS, 2009, p. 240). Para responder essa questão, o autor argumenta que nos devemos “concentrar não apenas na estabilidade das relações Executivo-Legislativo, nos projetos desenvolvidos pelo governo e naquilo que foi deixado de lado, mas, principalmente, na tensão entre as políticas governamentais e seu desempenho e no quanto o governo esteve à altura das aspirações e esperanças do PT e de seus militantes” (SAMUELS, 2009, p. 242). Assim, o autor “explora essas tensões, focalizando, sobretudo, as conseqüências da estratégia petista de um governo de coalizão e a habilidade do partido em implementar sua visão para a sociedade brasileira” (SAMUELS, 2009, p. 242).

O autor evidencia o primeiro paradoxo logo na campanha eleitoral de 2002, a qual tinha o lema “Um Brasil para todos”, ao tentar conciliar os ideais petistas e o comprometimento com a instabilidade econômica herdada pelo governo Fernando Henrique Cardoso.

De acordo com Samuels (2009, p. 244), embora os primeiros anos de governos fossem marcados por uma série de estatísticas econômicas e sociais positivas, muitos

pesquisadores concluíram115 que houve um abandono do “modo petista de governar”. O autor

argumenta que Lula realmente alcançou sucesso na esfera econômica, o que o ajudou a reeleger-se com uma ampla margem de vantagem, e questiona se isso aconteceu em detrimento do abandono dos princípios fundamentais do seu próprio partido.

O primeiro pilar do modo petista de governar relativo à ampliação da participação popular na definição de políticas governamentais, e aos investimentos prioritários nunca foi colocado em prática, segundo a visão do autor. O autor cita como exemplos, o CDES (Conselho de Desenvolvimento Econômico e Social) que, em tese, teria reunido dezenas de representantes da sociedade civil, mas tem sido irrelevante; e o OP, que foi um grande sucesso nas administrações municipais, e nunca foi feito nenhum esforço para colocá- lo em prática a nível nacional.

O segundo pilar referente à inversão de prioridades foi mais contraditório pois, segundo o autor, muitos especialistas e partidários do PT sugerem que o governo Lula deu continuidade às políticas adotadas por Fernando Henrique Cardoso ao enfatizar a estabilidade econômica e, portanto, não foi capaz de concretizar uma inversão de prioridades. No entanto, o autor enfatiza a melhoria significativa das condições de vida da população brasileira no governo Lula, devido ao crescimento gradual do salário mínimo e às metas estabelecidas para gastos sociais, especialmente, o programa Bolsa Família que, no final de 2006, contemplava 11 milhões de famílias, o que certamente contribuiu para a reeleição do presidente.

O terceiro pilar versa sobre a questão da ética, da transparência governamental e dos dilemas do presidencialismo de coalizão. As questões da corrupção e da impunidade constituíram em lutas emblemáticas do PT no passado, e blindavam de certa forma o partido, antes de eclodirem os escândalos do mensalão. O autor assinala como um dos dilemas fundamentais do PT, ao assumir a Presidência da República, foi transformar uma coligação eleitoral numa coligação governamental estável. Segundo Samuels, Lula procurou proteger o PT e seus aliados dentro do partido, mas para manter a base política no Legislativo, o presidente buscou apoio entre os setores mais conservadores, o que contribuiu para os casos

de corrupção (SAMUELS, 2009, p. 249-250).

O autor conclui que o governo Lula foi incapaz de costurar o “modo petista de governar” com as exigências do presidencialismo de coalizão e o PT, apesar de ter se transformado num partido moderado ao longo dos anos, ainda mantém características organizacionais e ideológicas muito particulares.

Faria (2009) examina como a primeira gestão de Lula na Presidência da República (2003-2006) se relacionou com os movimentos e organizações da sociedade civil, enfatizando a pluralidade de formas participativas institucionalizadas capazes de inserirem novos atores do processo decisório. A autora está interessada em aferir se o legado do PT, como articulador da ampliação dos espaços institucionais de demandas societárias, através da adoção do OP em prefeituras e estados e das primeiras experiências conselhistas, se reproduz no âmbito federal, no governo de Luiz Inácio Lula da Silva.

A autora relata que “embora não existam dados precisos sobre o número de instituições participativas existentes no país, bem como de organizações e indivíduos nelas envolvidos, podemos afirmar que novos espaços participativos foram criados e reformados no período de 2003 a 2006” (FARIA, 1009, p. 164). No entanto, sublinha que a abertura de novos canais de participação diz pouco sobre a qualidade da prática democrática no interior dos mesmos, sendo para isso necessário avaliar um conjunto de outras variáveis, entre elas o desenho institucional e as regras que estruturam essas instituições participativas (FARIA, 1009, p. 169).

A autora descreve o “método” participativo criado no governo Lula como um conjunto de regras e/ou procedimentos criados para regularem o diálogo entre as organizações da sociedade civil e o governo federal, o qual está inserido em um contexto mais complexo, que envolve escalas, hierarquias e burocracias mais amplas e complexas. Assim, o governo criou uma Secretaria própria, a Secretaria Nacional de Articulação Social, vinculada à Secretaria Geral da Presidência (SG-PR/SNAS), a qual busca integrar as organizações da sociedade civil (Lei nº. 10.683/2003). Outra diferença observada, pela autora, nesse período, foi a ampliação da participação aliada à representação, utilizada, pelo menos formalmente, para legitimar e sustentar a ação do governo. Por exemplo: fóruns públicos de discussão do Plano Plurianual (PPA) 2004-2007 realizados nos 26 estados, incluindo o Distrito Federal,

formação do grupo gestor composto pelo Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão, da Casa Civil e da Secretaria Geral – PR, e as principais entidades de representação nacional dos trabalhadores, empresários e movimentos sociais que elaboraram as diretrizes que balizaram a participação social na política de controle social do processo orçamentário

federal. Essa estrutura envolveu, segundo informações oficiais (apud FARIA, 2009, p.173):

2.170 entidades e 4.700 atores sociais, além de governadores, prefeitos de capitais e parlamentares.

A autora evidencia algumas limitações desse processo tais como o tempo reservado para a preparação e realização dessas consultas que, muitas vezes, não coincidem com a dinâmica participativa e a efetivação das questões debatidas e deliberadas nesses fóruns. Segundo uma das entidades participantes, as questões periféricas foram mais incorporadas do que as principais demandas das organizações, as quais afetavam as lógicas das políticas. Dessas análises resultou uma avaliação critica mediante a qual a SG-PR/SNAS elaborou novas diretrizes para a elaboração do PPA 2008-2011, valorizando os canais de participação e a transparência na construção do PPA. Além disso, foi instituído por decreto presidencial o Grupo de Trabalho formado pelos seguintes representantes do governo e da sociedade civil: SG-PR, Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão (MPOG), Casa Civil, Associação Brasileira de Organizações Não Governamentais (ABONG), Articulação de Mulheres Brasileiras (AMB) e duas outras entidades a serem definidas pela SG-PR (FARIA, 2009, p.175).

A autora, por fim, levanta a questão da centralidade do método na política de governo do presidente Lula e verifica, por meio de entrevistas com os próprios atores governamentais que as negociações, em torno da concretização da dinâmica participativa do PPA 2008-2011, foram interrompidas para implantar os PACs, carro-chefe da política de desenvolvimento do segundo mandato presidencial. “Se a dinâmica participativa ocupa somente um lugar 'simbólico' na lógica governamental, a sinergia almejada fica comprometida, principalmente se levarmos em consideração não só a pluralidade de atores que compõe o governo, como também a resistência de muitos deles com a forma participativa e gestão pública” (FARIA, 2009, p. 176).

Social) constitui a iniciativa mais importante com relação à ampliação da participação e ao aprofundamento da democracia no âmbito federal. O autor assinala que embora o CDES apresente limites importantes na representatividade e nos mecanismos de acompanhamento, esse novo arranjo participativo do governo federal contribuiu para a disseminação do diálogo social (SOUZA, 2009, p. 143). De acordo com o autor, a maior contribuição do CDES:

é a sistematização de uma série de metas e políticas públicas presentes na AND e no EEP116, que o grau de implementação poderá indicar a forma como o CDES ajudou

a superar essa setorialização. O modelo de desenvolvimento econômico e social com distribuição de renda e riqueza formulado pelo CDES e o início da implementação deste, através de várias medidas do governo federal, em especial o PAC117, lançado

em 2007, ensejam este potencial (SOUZA, 2009, p.143).

Assim, o autor sugere que a maior contribuição do CDES resultou na formulação do modelo de desenvolvimento econômico e social com distribuição de renda e riqueza, o qual está sendo implementado inicialmente através do PAC.