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3.5. A difusão e a transformação do “modo petista de governar”

3.5.3. As mudanças no “modo petista de governar”

O significativo crescimento eleitoral do PT foi analisado por Telles (2009), a partir do desempenho do mesmo nas eleições para a Câmara dos Deputados (1982-2002). A autora conclui, a partir dos testes estatísticos realizados, que o PT teve seu processo de expansão vinculado a elementos de ordem política, isto é, recursos estratégicos e políticos fizeram mais diferença que outras variáveis observadas tal como características sócio- econômicas, por exemplo, na receptividade eleitoral do partido (TELLES, 2009, p.137). Segundo a autora, o comportamento político do partido foi mudando ao longo do tempo. Nessa perspectiva, o PT inicialmente optou por um discurso de representantes de classe

116 A Agenda Nacional de Desenvolvimento (AND) e o Enunciados Estratégicos para o Desenvolvimento (EED)

foram os dois principais documentos resultantes do CDES que apresentam o modelo de desenvolvimento econômico e social com distribuição de renda, através de valores, diretrizes, metas e políticas públicas (SOUZA, 2009, p. 137).

117 O Programa de Aceleração de Crescimento (PAC) é um plano do governo federal, lançado em 2007, que visa

(1979-1985), depois passou a se definir como “interceptor de políticas” (1886-1992), e desde os anos 1990 a competição eleitoral e a maximização de cargos passaram a ser a estratégia dominante do partido.

Notamos que na medida em o PT se consolida como um dos mais importantes partidos da história política brasileira, o OP está percorrendo o caminho inverso no interior das principais plataformas políticas petistas. A trajetória descendente do OP se verifica, por exemplo, conforme já assinalamos, pelo fato do PT no governo federal, embora tenha colocado o OP como uma das plataformas políticas do seu programa de governo118, não adotou essa proposta. Segundo Goldfrank (2007), a primeira administração nacional do partido se empenhou mais em garantir a estabilidade econômica do que em implementar políticas participativas. Entretanto, Faria (2009) verifica que novos espaços participativos foram criados e reformados, assim como um conjunto de regras e/ou procedimentos para regularizar o diálogo entre as organizações da sociedade civil e o governo federal se multiplicaram nos governos federais petistas. No plano estadual, observamos que a institucionalização da participação popular por meio do OP ainda que traga ganhos significativos para o fortalecimento da democracia, pode causar forte oposição política e uma reação contrária do Legislativo, como ocorreu, por exemplo, no governo do Estado do Rio Grande do Sul (GOLDFRANK; SCHNEIDER, 2006). Além disso, mesmo que tenha um efeito redistributivo, alguns problemas como a pobreza e o desemprego estão mais diretamente relacionados às políticas macro-econômicas119. No plano municipal, observamos

que duas capitais importantes, São Paulo e Porto Alegre, que praticavam OPs, perderam a reeleição em 2004. O OP continuou somente em Porto Alegre, mas não com a mesma ênfase na medida em que o novo governo inseriu um novo programa participativo (GSL) concomitantemente ao OP.

Ribeiro (2004) nos oferece algumas pistas valiosas para compreensão das mudanças observadas no “modo petista de governar”, ao analisar as mudanças institucionais

118 No Programa de Governo (2002) consta que “a boa experiência do OP nos âmbitos municipal e estadual

indica que apesar da complexidade que apresenta sua aplicação no plano da União, ela deverá ser estendida para essa esfera”.

que fizeram o partido migrar de uma posição anti-sistêmica120 para uma mais próxima das forças políticas centristas, cujo ápice se deu na campanha presidencial vitoriosa de 2002.

O autor assinala que o processo de conversão do PT para um partido pró- sistema iniciou-se internamente a partir de 1995 com o fortalecimento do “Campo Majoritário”121. Nesse sentido, o grupo dirigente do partido passou a ser constituído em sua maioria por tendências de centro-direita que defendiam ao mesmo tempo o avanço da luta social e da luta institucional através da inserção do partido nas esferas estatais. Esse grupo dirigente enfatizou a democracia representativa, aceitando alianças voltadas ao centro do espectro político-partidário brasileiro, como forma de atuação estratégica na luta por cargos executivos nas esferas nacionais e sub-nacionais (RIBEIRO, 2004, p. 125). Segundo o autor, essa trajetória acabou operando uma separação entre ideologia partidária e jogo eleitoral, concebidos pelo partido como inseparáveis até então. A cúpula petista utilizou a separação entre disputa eleitoral e questão ideológica para justificar a construção de alianças que foram decisivas para a vitória eleitoral em 2002 (RIBEIRO, 2004, p.125-126).

Assim, “a postura pró-sistema criou um hiato entre ideologia e eleições” (RIBEIRO, 2004, p. 26), o que reforça a separação entre os ideais embrionários participacionistas e o crescimento eleitoral do partido122 e nos ajuda a explicar a mudança no discurso participacionista dessa legenda, especialmente, a partir da conquista do governo federal.

Em outro estudo, Ribeiro (2009) verifica algumas transformações internas vinculadas aos novos padrões de interação entre o PT, o Estado e a sociedade civil. O objetivo central do autor “é avaliar se, e em que medida, o PT se afastou da sociedade e se tornou dependente do Estado pari passo ao vigoroso crescimento eleitoral experimentado pela sigla em seus primeiros 25 anos de história” (RIBEIRO, 2009, p. 184). O autor operacionaliza o seu objetivo em três dimensões: na primeira analisa a estrutura de financiamento do PT, entre

120 Numa perspectiva sartoriana (RIBEIRO, 2004).

121 O Campo Majoritário é um conjunto de tendências que se consolida dentro do PT, dentre as quais se destaca a

Articulação, formada a partir de 1995. Entre os políticos que compõem o Campo Majoritário, destacam-se: Ricardo Berzoini, José Dirceu, José Genoino, Luiz Dulci, Marco Aurélio Garcia e o presidente Luís Inácio Lula da Silva.

122 O crescimento da inserção do partido nas esferas estatais ao longo do tempo pode ser melhor descrito no

1983 e 2004, visando avaliar em que medida o Estado tem se convertido na principal fonte de financiamento da legenda; na segunda avalia a questão da parlamentarização, analisando todas as composições da Executiva Nacional do PT, formada desde 1980 até 2005 e verificando as relações entre os dirigentes nacionais e a CUT; por fim, na terceira dimensão da análise o autor aborda a liderança intermediária do PT através do grau de profissionalização política desses militantes e em que medida essa profissionalização se sustenta com recursos públicos, a fim de avaliar a relação existente entre profissionalização e participação dos delegados nos movimentos sociais.

O autor observa muitas transformações no PT, desde a sua fundação,

especialmente quanto à forma de financiamento: “O PT hoje se encontra entre o Estado e os grandes financiadores privados, não fugindo ao padrão de financiamento das demais legendas nacionais. Por outro lado, confirma-se um domínio cada vez maior da face pública sobre a direção nacional do partido” (RIBEIRO, 2009, p. 213).

O autor faz algumas ressalvas. Primeiramente, chama a atenção para a evolução da coalizão dominante, a Articulação do Campo Majoritário, a qual trabalhou estrategicamente tanto no processo de parlamentarização quanto nas transformações observadas no financiamento das campanhas. Num segundo momento,voltando os olhos para a questão dos vínculos societários, Ribeiro (2009) constata que o PT continua sendo a força hegemônica na maior Central Sindical do país, embora não tenha dados seguros a respeito, há indicações de que o partido ainda domina, ou exerce grande influência sobre uma ampla gama de movimentos sociais (RIBEIRO, 2009, p. 214). Para o autor, se compararmos o PT de hoje ao PT de 1980, “veremos um partido mais próximo do Estado e com vínculos mais frouxos com a sociedade civil” (RIBEIRO, 2009, p. 214).

Feita essas considerações, analisaremos a seguir a relação entre a trajetória

ascendente do PT e as mudanças no discurso participacionista dessa legenda, as quais acabaram desenfatizando o OP.