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A extensão automática da coisa julgada ao substituído viola os princípios

inafastabilidade da tutela jurisdicional, e não tem amparo no ordenamento – prevalência do neoconstitucionalismo

Vistos acima os fatores constitucionais que limitam a extensão subjetiva da coisa julgada àqueles que não tiveram a oportunidade de particpar do processo, é preciso relacionar mais diretamente esses princípios com a substituição processual.

É importante ressaltar que não há norma expressa alguma que vincule o substituído à coisa julgada. Raciocinando de forma positivista, há o contrário: normas expressas na Constituição (art. 5º, incs. XXXV e LV) e no Código de Processo Civil (arts. 125 e 472) que trazem a conclusão justamente ao contrário: de que a coisa julgada não pode vincular um terceiro.317 Os princípios constitucionais invocados garantem sim a possibilidade de um terceiro (no conceito puro – supra, n. 8) ter o direito à discussão de um ato imperativo do Estado, do qual ele não teve a

oportunidade de participar, e muitas vezes, sequer teve conhecimento do que fora

decidido. Afirmar a extensão da coisa julgada ao substituído invariavelmente faz diminuir o peso de valores tão caros a um Estado democrático de Direito. Por isso que TUCCI afirma que “esse verdadeiro dogma necessita urgentemente ser submetido ao crivo das garantias do devido processo legal”.318

E como bem indaga TALAMINI, “como se pode afirmar que os direitos constitucionais do substituído ao acesso à justiça,

317. E

DUARDO TALAMINI também concorda com essa posição: “nem se diga que a questão estaria resolvida porquanto é a lei que define os casos excepcionais de substituição. Em primeiro lugar, as previsões legais de substituição processual, em regra, não estabelecem expressamente a extensão da coisa julgada ao substituído. Ao contrário, o que se tem é a regra geral do art. 472. Depois, e mesmo que o fizessem, permaneceria o questionamento sobre sua harmonia com a Constituição”, in Coisa julgada e sua revisão, n. 2.5.7, p. 114.

ao devido processo legal, ao contraditório e à ampla defesa não estão sendo violados quando se impede de exercê-los sob o argumento de que alguém – que não agiu em eu seu nome nem com sua autorização – já atuou em juízo?”.319

Ora, quando o próprio art. 472 do Código de Processo Civil trouxe essa categórica afirmação, somado ao próprio texto constitucional, em sua leitura com os princípios constitucionais do due process of law, contraditório, isonomia processual e inafastabilidade da tutela jurisdicional, não sobra espaço para se afirmar que há extensão subjetiva da coisa julgada ao substituído.

Mesmo porque, ao se verificar as hipóteses de extensão dos limites subjetivos da coisa julgada, percebe-se que somente no caso de substituição processual é que há essa vinculação tão densa e calcificada. Em todas as outras situações, a própria legislação criou remédios processuais para que esse terceiro possa se defender (em verdadeiro critério de checks and balance). Basta verificar que existe o remédio dos embargos de terceiro (CPC, arts. 1.046-1.054), o do recurso do terceiro prejudicado (CPC, art. 499) e da possibilidade de terceiro impetrar mandado de segurança independente de interpor recurso, a teor do que dispõe até mesmo a Súmula n. 202 do Superior Tribunal de Justiça.320 Inclusive, a própria legislação cuidou de dar maior tratamento para casos como o da alienação do bem litigioso (CPC, art. 42). Assim também é o Código Civil, quando o seu art. 274 dispõe que “o julgamento contrário a um dos credores solidários não atinge os demais; o julgamento favorável aproveita-lhes, a menos que se funde em exceção pessoal ao credor que o obteve”. Ou seja, quando há um julgamento favorável falta interesse de agir ao terceiro. Mas, quando o julgamento é contrário, a legislação civil, mais moderna e atentada para o constitucionalismo moderno, o que não era pacificamente aceito quando vigorava

319. Coisa julgada e sua revisão, n. 2.5.7, p. 114. O autor também desenvolve esse fundamento, in

“Legitimidade, interesse, possibilidade jurídica e coisa julgada nas ações de impugnação de deliberações societárias”, Processo societário, p. 142.

320. Para maior aprofundamento dos remédios processuais cabíveis por terceiros, cfr. T

UCCI, Limites

ainda o Código Civil de 1.916, vigente em uma época em que a prevalência dos preceitos constitucionais não estava enraizada, 321 faculta ao terceiro o ingresso.

Ademais, como exposto acima, o substituído tem algumas limitações à sua atuação enquanto sujeito processual (supra, n. 20). Foge do senso comum e da razoabilidade aceitar que um terceiro (em termos processuais – supra, n. 8) fique sujeito à autoridade da coisa julgada, quando a própria parte não tem suas capacidades processuais plenas, de modo que sofre algumas limitações.

Traçando um paralelo com o processo coletivo, o § 2º do art. 103 do Código de Defesa do Consumidor é expresso ao rejeitar a incidência de coisa julgada aos substituídos, a menos que haja procedência do pedido para beneficiar todas as vítimas e sucessores. Para as demais hipóteses, tal dispositivo é claro no sentido de que “os interessados que não tiverem intervindo no processo como litisconsortes poderão propor ação de indenização a título individual”. Ou seja, em uma situação em que há substitutos processuais institucionais como o Ministério Público e associações, com estas ainda cumprindo determinados requisitos para ter legitimidade

ad causam, o legislador mais moderno foi claro ao respeitar o direito daqueles que não

tiveram a oportunidade de participar do processo, em evidente consonância com a Constituição Federal. Nesse sentido, ADA é clara: “no juízo de valor que antecedeu à escolha do legislador, verifica-se que a coisa julgada a terceiros, que não foram pessoalmente parte do contraditório, ofereceria riscos demasiados, calando fundo das relações intersubjetivas, quando se tratasse de prejudicar direitos individuais; além disso, o esquema brasileiro de legitimação poderia suscitar problemas de constitucionalidade, na indiscriminada, extensão subjetiva do julgado, por infringência ao contraditório”.322

Nesse conjunto de ideias acerca da impossibilidade de extensão da coisa julgada de forma automática ao substituído, quando se falar de uma análise acerca dos princípios constitucionais do due process of law, contraditório, isonomia processual e inafastabilidade da tutela jurisdicional, deve-se voltar o olhar

321. G

USTAVO TEPEDINO e ANDERSON SCHREIBER demonstram a inexistência de pacificidade sobre essa ideia na vigência do Código antigo, in Código civil comentado, IV, pp. 128-129.

para o neoconstitucionalismo.323 Como afirma ROBERT ALEXY, o conceito de Estado

constitucional democrático engloba um sistema jurídico que é norteado por princípios que formam os direitos fundamentais e mediante as liberdades que tais direitos concedem de forma a que suas concepções morais sejam aceitas por todos. Nesse sentido, a Constituição é uma ordem macro, para que o legislador atue em conformidade com esses direitos fundamentais.324 Buscando essa força irradiante dos direitos fundamentais, foge de qualquer campo da ética pensar que alguém terá tais direitos respeitados se houver a imutabilidade da coisa julgada sem que tenha tido a possibilidade de participar ativamente da sua formação.

Portanto, acredita-se que a afirmação de que a coisa julgada estende-se de forma automática ao substituído não encontra respaldo no ordenamento, seja por violar princípios constitucionais ou por não haver previsão normativa, além de ser contrária aos ditames do neoconstitucionalismo.

34. A extensão automática da coisa julgada ao substituído e o principal