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Visto acima que a solução adotada pela maioria não é suficiente para resolver o problema da substituição processual de forma satisfatória, é importante buscar critérios para as situações em que a coisa julgada vincula o substituído.

TALAMINI foi o pioneiro na doutrina brasileira a buscar uma sistematização do alcance da coisa julgada ao substituído. Propôs o autor: “(i) se o sujeito teve a prévia oportunidade de exercer a ação e não o fez, é razoável que,

354. L

UIS RECANSÉNS SICHES,Tratado general de filosofía del derecho, esp. p. 663. 355. D

em certos casos, a lei atribua legitimidade a outrem para atuar em juízo e vincular o substituído. Afinal, se a lei poderia até prever a perda do direito ou da pretensão, pelo decurso do tempo, não há o que impeça essa outra solução, menos grave; ou (ii) se o sujeito tinha (ou, conforme parâmetros de razoável diligência, deveria ter) ciência do processo que ocorreria sua substituição, também é legítimo que a coisa julgada o atinja, (iii) especialmente nessa segunda hipótese, a extensão da coisa julgada ao substituído fica ainda condicionada à possibilidade de ele, querendo, participar do processo como assistente”.356

Em relação ao primeiro item (i) acima, no sentido de que a coisa julgada vincularia o substituído que não agiu em tempo razoável, acredita-se que esse critério não pode ser utilizado. Em que pese a opinião do respeitado processualista, o aparente não-exercício de um direito não implica a legitimação de outro ente a agir em seu nome e, mais ainda, fazer com que a coisa julgada lhe seja vinculativa. Admitir a hipótese trazida significa trazer o surgimento da suppressio357 à legitimação extraordinária, o que não é possível, porque (a) a legitimação não está sujeita a um não- agir subjetivo, tampouco (b) a autoridade da coisa julgada pode servir como uma sanção àquele que ainda não agiu, mas que poderá fazê-lo a qualquer momento e cujo mérito poderá ser conhecido, se tiver dentro do prazo prescricional ou decadencial.

A pedra de toque para a extensão da coisa julgada ao substituído tem de estar sempre na existência do binômio informação-reação. E nos demais itens (ii e iii), TALAMINI tem completa razão. É preciso que o substituído tenha

tido ciência da demanda. Ou, ao menos, pelos meios ordinários, que o uomo della

strada possa ter tido meios suficientes para ter ciência da demanda. Como é o

substituído o titular da relação jurídico-material, sua presença legitimará ainda mais o

356. Coisa julgada e sua revisão, n. 2.5.7, p. 115. 357. Para aprofundamento da teoria da suppressio, cfr. M

ENEZES CORDEIRO, ao afirmar: “diz-se suppressio a situação do direito que, não tendo sido, em certas circunstâncias, exercido durante um determinado lapso de tempo, não possa mais sê-lo por, de outra forma, se contrariar a boa-fé”, in Da boa fé no direito civil, n. 74, p. 797. Também ANTONIO JUNQUEIRA DE AZEVEDO, in Novos

estudos e pareceres de direito privado, n. 33, p. 321. Na jurisprudência, o Superior Tribunal de

Justiça já se manifestou sobre tal teoria: “o instituto da suppressio indica a possibilidade de se considerar suprimida uma obrigação contratual, na hipótese em que o não-exercício do direito correspondente, pelo credor, gere no devedor a justa expectativa de que esse não-exercício se prorrogará no tempo”, in 3ª T., REsp n. 953.389, rel. Min. NANCY ANDRIGHI, j. 23.2.10.

procedimento, pois haverá uma colheita de prova mais robusta, e consequentemente a produção de elementos fáticos importantes, e o juiz poderá fazer o seu livre convencimento motivado de forma mais exauriente. Trata-se de uma evidente relação de ganha-ganha.

Em razão de a má-fé ou desídia jamais poder ser presumida, seguindo a regra de interesse trazida pelo art. 333 do Código de Processo Civil, cabe àquele que tem interesse no alargamento da extensão da coisa julgada provar que o substituído teve ciência ou deveria tê-lo.

Buscando dar maior grau de objetividade a esse critério, zelando pelo due process of law e visando à paridade de armas (CPC, art. 125), nada impede que, com o ordenamento atual vigente, o juiz dê ciência da demanda ao substituído, para que ele possa ter conhecimento dela. É pois salutar que o juiz adote tal postura.

Além desse primeiro passo, também deve ser assegurado ao substituído a mais ampla participação possível no processo, pois é a partir do procedimento que ocorre a legitimação do processo (NIKLAS LUHMAN).358

Ordinariamente, essa participação ocorrerá por meio de assistência, seja assistência do substituto ou mesmo da parte contrária (supra, n. 10). Como já exposto anteriormente, mesmo nas situações nas quais ocorre a legitimação extraordinária autônoma com exclusividade (supra, n. 9), a participação do substituído sempre deve ser permitida.

Infelizmente, a legislação brasileira não prevê as balizas objetivas para que isso aconteça. Por isso, na legislação atual cabe ao juiz adotar o máximo de zelo para que o binômio informação-reação realize-se dentro do processo. Ou basta fazer uma importação para o sistema individual do regramento existente no microssistema dos processos coletivos, a teor do que dispõe o art. 94 do Código de Defesa do Consumidor: “proposta a ação, será publicado edital no órgão oficial, a fim de que os interessados possam intervir no processo como litisconsortes, sem prejuízo de ampla divulgação pelos meios de comunicação social por parte dos órgãos de defesa do consumidor”.

Tal artigo tem como inspiração a Rule 23 c(2) das Federal

Rules of Civil Procedure, na qual “the court must direct to class members the best

notice that is practicable under the circumstances, including individual notice to all members who can be identified through reasonable effort”. Mesmo que no Brasil o legislador não tenha adotado a ideia de notificações individuais, “a ampla divulgação prevista pelo art. 94 tem por finalidade a intervenção dos interessados no processo, a título de litisconsortes do autor coletivo. A espécie rege-se pelas disposições do Código de Processo Civil (arts. 46 usque 49), inclusive no que respeita à regra segundo a qual os atos e omissões de um não prejudicarão nem beneficiarão os demais (art. 48)”.359

De lege ferenda, entende-se como importante que a legislação preveja expressamente um mecanismo para que se presuma que o substituído tenha conhecimento da demanda, seja com a previsão de uma informação editalícia ou mesmo pessoal, com a inclusão de um ônus ao substituto: que faça parte dos requisitos da petição inicial que ele indique a qualificação e endereço do substituído, para que possa ser expedida notificação para ele defender-se.

Na primeira versão do Projeto do Novo Código de

Processo Civil, houve a inclusão de parágrafo único ao art. 18, que trataria da

substituição processual. Dispunha o parágrafo inserido: “havendo substituição processual, o juiz determinará que seja dada ciência ao substituído da pendência do processo; nele intervindo, cessará a substituição”. Foi muito bem-vinda a inserção feita pela Comissão que trabalhou no anteprojeto, cuja ideia foi ao máximo privilegiar o contraditório, como lembra TUCCI.360 Entretanto, a ciência da demanda não significa que o substituído tome o lugar do substituto. Ou seja, a substituição não cessa com o ingresso do substituído. A ciência deste visa a privilegiar o direito processual

constitucional e fazer prevalecer o binômio informação-reação. O substituto continua

sendo autor ou réu. Mesmo porque, há situações nas quais o litígio em questão envolve

359. A

DA PELEGRINI GRINOVER, Código brasileiro de defesa do consumidor comentado pelos autores do

anteprojeto, p. 902.

360. Garantia constitucional do contraditório no projeto do CPC (análise e proposta), disponível em

a esfera comum de direito de substituído e substituto. Em realidade, o que acontece é que, com a ciência e, querendo, o substituído poderá ingressar na demanda como

assistente litisconsorcial. Em outras versões do Projeto, a necessidade de se dar ciência

da demanda foi excluída e a redação aprovada pela Comissão Especial da Câmara dos Deputados teve a seguinte redação: “havendo substituição processual, o substituído poderá intervir como assistente litisconsorcial”. Em que pese ter dispositivo expresso de que a intervenção do substituído será por meio de assistência na sua modalidade litisconsorcial, acredita-se que a alteração veio para pior, porque se perde a chance de positivar uma regra que visa justamente a harmonizar o instituto da substituição processual com a coisa julgada.

Seja como for, no ordenamento vigente, nada impede que desde já o juiz ordene a ciência do substituído sobre a demanda proposta pelo substituto e faculte àquele o pleno exercício da ampla defesa, fortalecendo, assim, o contraditório.

Além do mais, em situações em que houver pluralidade de demandas que exigem convicção única, como em casos de conexão e continência, deve haver a reunião de processos (infra, n. 40).

38. Especificamente, a questão da extensão da coisa julgada em litígios