• Nenhum resultado encontrado

Denunciação da lide e substituição processual

O tema da denunciação já foi estudado por este autor em outra oportunidade,106 mas é importante trazer novamente à tona o seu conceito. Denunciação da lide, consoante lição da doutrina, é “a demanda com que a parte provoca a integração de um terceiro ao processo pendente, para o duplo efeito de auxiliá-lo no litígio com o adversário comum e de figurar como demandado em um segundo litígio”.107 Trata-se de uma modalidade de intervenção provocada, tendo em vista que o terceiro ingressante torna-se parte independente de sua vontade. Citado, em relação a esse primeiro litígio torna-se assistente litisconsorcial108 da parte que o denunciou e também réu na segunda demanda. A denunciação da lide amplia o objeto do processo, na medida em que a pretensão do autor contra o réu é somada à pretensão

105. Esse ponto é lembrado por A

DA PELEGRINI GRINOVER, ao tecer suas notas ao capítulo “Pluralidade de partes legítimas à impugnação de um único ato”, de LIEBMN (Eficácia e autoridade da sentença e

outros escritos sobre a coisa julgada, p. 234).

106. Desconsideração da personalidade jurídica no processo civil, n. 55, pp. 137-140. 107. D

INAMARCO, Instituições de direito processual civil, II, n. 600, p. 407.

108. Apesar de o Código de Processo Civil dizer que o litisdenunciado torna-se litisconsorte do

denunciante (art. 74), assim não é, porque litisconsorte do autor é também autor e do réu é também réu. Como DINAMARCO afirma, quem nada pede para si não é autor e contra quem nada é pedido não é réu. Tanto assim é que, no caso da denunciação, os prazos não são em dobros apesar de serem representados por patronos diferentes, Instituições de direito processual civil, II, n. 600, pp. 407-409.

do litisdenunciante contra o litisdenunciado. Mas essa última pretensão possui um caráter de eventualidade, de modo que se o réu-litisdenunciante vender a demanda proposta pelo autor, a demanda contra o terceiro-litisdenunciado também será improcedente. Trata-se, pois, de demandas prejudiciais.109

As hipóteses de denunciação envolvem situações nas quais em alguma medida o terceiro é teoricamente obrigado a ressarcir a parte por aquilo que ela vier a perder ou deixar de ganhar em determinado processo, mas sua legitimidade é somente da ação de garantia e não da demanda inicial.110 A primeira hipótese é descrita no inc. I do art. 70 do Código de Processo Civil, segundo a qual é admitida a denunciação da lide na demanda em que terceiro reivindica a coisa cujo domínio foi transferido à parte, para que esta possa exercer o direito de evicção. A segunda situação está elencada no inc. II do art. 70 e trata do exemplo daquele que exerça posse direta sobre o bem é admitido denunciar a lide ao possuidor direto ou ao proprietário. Veja-se que não se trata de nomeação à autoria, porque aqui a hipótese é do possuidor direto e não do mero detentor, como de lá é. A terceira hipótese é aquela trazida pelo inc. III do art. 70 do Código de Processo Civil. Trata-se daquele que estiver obrigado por lei ou contrato a indenizar em demanda regressiva, como ocorre no caso de titular de garantia a ser cumprida por terceiro. Esse é o exemplo mais corriqueiro na praxe judiciária, principalmente em relações com seguradoras, mas a redação do dispositivo é bastante ampla e pode abranger e uma série de situações. Pela redação do caput do art. 70 pode parecer que a denunciação seja obrigatória e que traduza um ônus absoluto. Mas a doutrina111 entende que essa obrigatoriedade só é válida na hipótese do inc. I do art. 70 do Código de Processo Civil, que trata de evicção. Isso porque o art. 456 do Código Civil impõe a denunciação, sob pena de perda do direito ao ressarcimento. Já nas demais hipóteses, não há perda algum do direito, apenas aquele que devia ter feito a denunciação, mas não fez, terá que ajuizar um processo de conhecimento contra aquele que seria o litisdenunciado.

109. A prejudicialidade entre demandas “existe sempre que uma delas verse sobre a existência,

inexistência ou modo-de-ser de uma relação jurídica fundamental, da qual dependa o reconhecimento da existência, inexistência ou modo-de-ser do direito controvertido na outra”, in DINAMARCO, Instituições de direito processual civil, II, n. 465, p. 160.

110. D

INAMARCO, Instituições de direito processual civil, II, n. 602, p. 410.

111. D

A denunciação da lide é instituto exclusivo ao processo ou fase de conhecimento, porque não faz sentido pensar em denunciação se não houver

condenação a ressarcir (CPC, art. 76), como de fato não há no processo ou fase

executiva ou no processo cautelar. DINAMARCO defende sua admissibilidade no

processo monitório, mas ele mesmo afirma que prevalece o entendimento em sentido contrário.112

Trazendo esses conceitos para o tema em estudo, podem existir situações nas quais o substituto processual possa chamar o legitimado ordinário para integrar a relação processual. Basta pensar em uma demanda movida contra o adquirente por responsabilidade por evicção e o alienante é chamado para integrar a relação processual. A intervenção do alienante, que também é legitimado extraordinário, se dará em denunciação da lide a ser feita pelo adquirente, para eventual responsabilização. Nessa situação o adquirente tem o ônus de chamar o alienante e a natureza da intervenção deste será dupla: na demanda principal, o alienante será

assistente litisconsorcial do adquirente e será réu deste na demanda secundária.

Percebe-se portanto que o legitimado extraordinário pode vir a ser chamado, forçosamente, a integrar a relação processual e com isso ficará sujeito à coisa julgada do que foi decidido porque foi parte. Há nesse caso uma legitimação subordinada, pois o alienante só adquire a legitimação extraordinária se o adquirente o chama, na medida em que a sua legitimação é condicionada a esse ato do legitimado ordinário. Pois se o adquirente nada fizer, não há que se falar em responsabilidade do alienante. BARBOSA MOREIRA, sob a óptica do Código de 1.939, no qual havia ainda o instituto do

chamamento à autoria, afirma que o alienante toma a posição de parte principal e o

adquirente de parte acessória, tornando-se assistente daquele, havendo um rebaixamento da sua condição.113 Mas tal instituto não contemplava a hipótese da demanda regressiva, cujo instrumento é intrínseco ao conceito de denunciação da lide, e por isso era justificada essa posição, que no atual sistema do Código vigente não é válido,

112. D

INAMARCO, Instituições de direito processual civil, II, n. 601, p. 410; CELSO BARBI, Comentários ao

código de processo civil, I, n. 407, pp. 253-254. 113. B

ARBOSA MOREIRA concorda com esse posicionamento, in “Apontamentos para um estudo sistemático da legitimação extraordinária”, Direito processual civil, n. 5, pp. 66-67.

principalmente porque hoje é possível a denunciação da lide per saltum (CC, art. 456).114