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CAPÍTULO III – MARCOS HISTÓRICOS DA EXTENSÃO UNIVERSITÁRIA: ORIGEM, RUPTURAS E

3.1 A extensão universitária no mundo, na América Latina e no Brasil

Considerando esta cronologia, temos que as universidades surgem por iniciativa da igreja católica, como extensão dos colégios episcopais, entre os séculos XII e XIII na Europa cristã, estando este feito eclesiástico, entre os principais acontecimentos da Idade Média, período em que se destacaram o liceu de Atenas dentre outras instituições, onde os jovens deveriam dominar as sete artes liberais. O acadêmico da universidade medieval era conhecido como artista, ou seja, alguém que dominava as artes liberais. As primeiras universidades habitualmente citadas são as de Paris na França, Bolonha na Itália, Oxford e Cambridge na Inglaterra. A universidade de Paris destacou-se no século XIII pelos estudos avançados em teologia e artes, enquanto Bolonha, no mesmo período,

destacou-se pelos estudos em direito (Pernoud, 1996).

Para Sampaio (2004) a extensão universitária repercute inicialmente na Inglaterra, com o surgimento das Universidades Populares que ficaram reconhecidas como forma de Extensão Universitária. “As Universidades Populares se estenderam a outros países da Europa, como a Espanha, onde a Universidade de Oviedo foi fundamental para a extensão latino-americano. Essa extensão inglesa invadiu os Estados Unidos com prestação de serviços técnicos, educação permanente, difusão técnico-científica, cursos noturnos, entre outras” (Sampaio, 2004, p. 3).

“A Universidade de Cambridge, em 1871, foi provavelmente a primeira a criar um programa formal de “cursos de extensão” a ser levados por seus docentes a diferentes regiões e segmentos da sociedade. Começando por Nottingham – a terra de Robin Hood -, Derby e Leicester, seus cursos de Literatura, Ciências Físicas e Economia Política logo angariaram vasta clientela e, em pouco tempo, atingiam todos os recantos do país. Quase ao mesmo tempo outra vertente surgia em Oxford, com atividades concebidas como uma espécie de movimento social voltado para os bolsões de pobreza. As primeiras ações tiveram lugar em Londres e logo se expandiram para regiões de concentração operária. Os trabalhadores das minas de Northumberland, por exemplo, contrataram em 1883 uma série de cursos de história. O século de Péricles foi apresentado no centro manufatureiro de Sheffield, a tragédia grega foi oferecida aos mineiros de carvão de Newcastle e aula de Astronomia aos operários de Hampshire” (Mirra, 2009, p. 77).

No século XVIII, como retorno às demandas sociais, que surgiram com o “advento da Revolução Industrial”, a universidade medieval cede espaço para a universidade moderna (Sousa, 2000, p. 14).

Temos na sequência, no século XIX, uma nova concepção de educação, onde a preocupação das universidades passa a ser com a prestação de serviços a ser ofertado às comunidades, com ênfase na formação continuada para toda a vida, formação esta que não estivesse restrita a infância. Sousa (2000, p. 14) observa, que “foi neste contexto que surgiu a extensão como atividade da universidade como instituição. A universidade Inglesa viu-se obrigada a responder às demandas sociais e diversificar suas atividades, não ficando limitada à função única de formação das elites”, tendo assim que assumir

“a preparação técnica que o novo modo de produção exigia”. Relatos mais recentes mostram que na segunda metade do século XIX, na Inglaterra, a extensão universitária era vinculada a uma nova ideia, a da educação continuada (Santos, 2012), porém com o mesmo propósito inicial, o de atender os menos favorecidos, aproximando a cultura das pessoas. Neste contexto, em 1867, na Universidade de Cambridge, a Extensão Universitária é absorvida nas estruturas da universidade como componente

prestação de serviços, encontrando terreno fértil para seu desenvolvimento e consolidação. Temos assim, a adaptação do modelo europeu na universidade nas Américas; a universidade norte-americana copia o modelo das atividades de pesquisa da universidade alemã, entusiasmada com o modelo da universidade inglesa, de onde replica a ideia de extensão rural e urbana. As universidades Latino- Americanas adotam o modelo francês, “apesar de esvaziado do seu conteúdo político de unificação cultural, servindo como instrumento de solidificação da ordem vigente e não como agente de transformação” (Sousa, 2000, p. 14). Por seu turno, Faria (2001, p. 14) relata que ações envolvendo as igrejas católicas, com a população menos favorecida, tem como referência o mosteiro de Alcabaça em Portugal no ano de 1269, modelo que foi adotado pelos colégios jesuítas no período colonial na América Latina para a extensão.

A presença de universidades no mundo hispano-americano remete às origens do domínio colonial, e referem-se às heranças culturais europeias no Novo Mundo. A Real Pontifícia Universidade do México e a Universidade de São Marcos em Lima, fundadas em 1551, e a Universidade de Córdoba, em 1621, são algumas das mais antigas instituições de ensino que as Américas conheceram.

No entanto, o destaque mais significativo ocorre na história quase três séculos mais tarde, em 1918 precisamente, com o Manifesto de Córdoba, na Argentina. Este manifesto constitui o marco de luta da reforma na Universidade Latino-Americana, cujo legado está em assumir seu compromisso social, referenciando politicamente as universidades latino americanas, e colocando a Extensão Universitária em evidencia, com a criação de Universidades Populares (Rocha, 2001). Este contexto fica documentado no que colocam os estudantes durante o Primeiro Congresso Internacional dos Estudantes em 1921 no México, argumentando que a:

“[...] la extensión universitaria es uma obligación de las asociaciones estudantiles, puesto que la primera y fundamental acción que el estudiante deve desarrollar em la sociedade es difundir la cultura que de ella há recebido entre quienes la han minister, [...] El congreso Internacional de Estudiantes declara que es uma obligación de los estudiantes el estabelecimento de Universidades populares que estén libres de todo el espíritu dogmático y partidista y que intervengan em los conflictos obreros em los modernos postulados de la justicia social (Resoluciones del Primero Congreso Internacional de los Estudiantes, 1921)” (Rocha, 2001, p.

19).

No início do século XX, a Universidade de Córdoba ainda mantinha características do período colonial, mantendo o conservadorismo como uma das marcas principais da Universidade e da cidade, remontando-se a ligação com os jesuítas e a resistência a mudanças de procedimentos durante o período das lutas pela independência. Freitas Neto (2011) relata, que de acordo com o pesquisador Carlos Tünnermann Bernheim, o sistema universitário argentino às vésperas do movimento de 1918, já observava a inquietação estudantil; era composto por três universidades nacionais: Córdoba, Buenos

Aires e La Plata, e duas provinciais: Santa Fe e Tucumán. Destacamos que a Universidade de Córdoba, fundada em 1613, se apresentava como fortemente clerical, expressando um conjunto de tensões diante da situação política mundial, levando os estudantes a organizarem o movimento da Reforma Universitária.

O movimento da Reforma Universitária ocorreu em três etapas que expressam diferentes avanços na consciência do movimento estudantil. A primeira etapa se inicia no final de 1917, com um abaixo assinado dos estudantes, dirigido ao Ministério de Instrução Pública, solicitando a democratização do sistema de cátedras, a liberdade de cátedra. Não tendo sido atendida as demandas, em 1918 o movimento retorna fortalecido: são realizadas assembleias de base, mobilizações de rua, e a criação no dia 10 de março de 1918 do Comitê Pró-reforma, e em seguida a criação da Federação Universitária de Córdoba (FUC). O Comitê Pró-reforma declara a greve geral até que sejam atendidas as demandas pelas autoridades responsáveis. A greve tem adesão massiva por parte dos estudantes que não iniciam as aulas no dia primeiro de abril de 1918 (Aguiar & Rojas, 2019).

Tendo a greve atingido seu objetivo, ou seja, a intervenção do governo do Presidente Hipólito Yrigoyen, uma vez que os estudantes fazem parte de sua base social, José Matienzo foi nomeado interventor, e a primeira etapa do movimento se cumpre. Assim, se realiza uma primeira reforma do estatuto que permitiu ampliar a base docente que intervinha nas eleições das autoridades universitárias. Para os estudantes, se ingressavam professores mais jovens, de ideologia liberal, existia a possibilidade de escolher autoridades universitárias não católicas nos diferentes níveis, na perspectiva que professores sem privilégios seriam aliados. Acreditavam com isso na institucionalidade com essa reforma do estatuto, no entanto, perceberam em pouco tempo, que isso não aconteceria. A segunda etapa do processo de luta se realiza no dia 15 de junho de 1918, quando se reúne a Assembleia Universitária para escolher o novo reitor, e diferente da defesa dos estudantes, que defendiam um liberal, é eleito um candidato das oligarquias docentes, conservador e clerical, o que suscitou uma ruptura dos estudantes com parte dos docentes.

Essa etapa se caracteriza por ações de violência estudantil, com quebra de janelas e móveis para impedir o funcionamento da assembleia universitária, enfrentamentos com a polícia e o aumento das reivindicações por parte dos estudantes, elaboração de projeto de lei por parte do Congresso dos estudantes, que incluía o governo tripartite e paritário, a docência livre, e a liberdade de cátedra. Inicia- se uma greve em Córdoba, que logo se torna nacional, com a adesão da Federação Operária de Córdoba (FOC), tendo como ápice a publicação do Manifesto Liminar da Reforma Universitária de Córdoba, escrito por Deodoro Roca e publicado no dia 21 de junho de 1918.

seguimentos da universidade (professores, técnicos e estudantes), organizam as atividades curriculares e bancas de exames. Fecha-se o período com a vitória dos reformistas intervindo mais uma vez o Ministério de Instrução, que muda os estatutos da Universidade de Córdoba, e das demais universidades até 1921 (Aguiar & Rojas, 2019).

A Reforma Universitária de Córdoba teve um forte impacto na América Latina e Caribe, nomeadamente no Peru e Cuba, países que repercutiram mais intensamente as lições de Córdoba, conseguindo estabelecer projetos de universidades populares, e inaugurou um novo paradigma de entender educação e sociedade, com vista à transformação social, em que a universidade pública passe a desempenhar efetivamente uma missão social. Aguiar e Rojas (2019, p. 10) destacam que,

“com a criação das Universidades Populares inaugura-se uma nova forma de troca de saberes, onde as paredes das universidades não determinavam mais onde deveriam acontecer as aulas, seminários, debates públicos sobre a situação local e mundial”. Registramos o protagonismo dos estudantes no Manifesto de Córdoba, na Argentina.