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2.2 A família da criança/adolescente com Fibrose Quística

Fico sempre preocupada quando dizem que é uma doença hereditária, Transmitida pelos pais. Eles sentem-se culpados e não têm culpa nenhuma… (extraído da entrevista de A7)

A criança não cresce sozinha. Cresce no seio de uma família que também terá que se adaptar a uma doença crónica, pouco conhecida e além disso transmitida pelos próprios pais. O caráter hereditário da doença pode provocar um desequilíbrio familiar, pela culpabilidade que pode estar associada.

O crescimento destas crianças e adolescentes faz-se num ambiente familiar que deve ser estudado, pois tanto poderá ser promotor de comportamentos desviantes como uma estrutura de suporte essencial ao bom desenvolvimento das mesmas.

Num estudo australiano (Graetz, Shute e Sawyer, 2000) concluíram que os membros das famílias e os amigos transmitem diferentes tipos de apoio. Enquanto os familiares fornecem mais ajuda nos tratamentos e outras tarefas, os amigos são mais facilitadores de comportamentos de companheirismo. Este estudo demonstra a importância do suporte instrumental, emocional, social, por parte da família, dos amigos, para um ajuste psicológico à doença crónica pelas crianças e adolescentes. Esta área poderá tornar-se um campo de estudo para os enfermeiros aprimorando a sua atuação no âmbito da enfermagem familiar.

A Associação Carioca de Assistência à Mucoviscidose (ACAM) elaborou uma pesquisa através da qual pretendeu conhecer o quotidiano destas pessoas e seus familiares e assim organizar projetos que vão “ao encontro das demandas dos mesmos” (Freitas, Guarino e Cunha, 2007, p. 4). A finalidade deste trabalho foi possibilitar uma maior visibilidade sobre questões que envolvem o dia-a-dia destes doentes e assim

“contribuir para uma melhor qualidade de vida dos mesmos” (Freitas, Guarino e Cunha, 2007, p. 47).

Os adolescentes têm períodos de conflito com os seus pais, confrontando a sua autoridade. Ora este comportamento é normativo nesta fase do desenvolvimento, pela necessidade de tomar decisões e de autodomínio. Os adolescentes com doença crónica, nomeadamente com FQ, apresentam comportamentos semelhantes. No entanto, Bregnballe, Schiotz e Lomborg (2011) estudaram a perspetiva dos adolescentes e dos jovens adultos acerca da influência do comportamento dos pais. Os autores concluíram que os adolescentes e jovens adultos querem “…their parents to learn a pedagogical parenting style…that meeting other parents may be beneficial for the parents…want their parents to be educated about how to handle adolescents with CF and thereby sufficiently prepare them for adult life.” (p. 563).

A FQ provoca um impacte psicológico gerador de stresse nas crianças/adolescentes e nas suas famílias, podendo afetar o normal desenvolvimento quer da criança/adolescente quer das relações familiares. Esta doença rara e crónica ostenta, para além de disfunções físicas muito importantes, implicações nas atividades familiares essenciais ao acompanhamento dos tratamentos e do dia-a-dia das crianças/adolescentes doentes.

Em 1991, Patterson, Mccubbin e Warwick, mostraram que estudos efetuados comprovam a relação positiva entre o funcionamento da família e a melhoria dos cuidados à criança com FQ. Se comparar o comportamental familiar e parental destes núcleos com as famílias sem doença crónica, é similar, mas os pais das crianças com FQ experienciam maior stresse, maior responsabilidade e distúrbios emocionais (Ievers e Drotar, 1996; Gayton et al, 1977).

Por outro lado, os resultados do estudo efetuado por Powers, Gerstle e Lapey (2001) demonstram que avaliando a qualidade de vida dos pais e dos adolescentes com FQ através do Health Related Quality of Life (HRQOL), os resultados não poderão ser permutáveis, pois cada um terá a sua perspetiva única da saúde. A sugestão destes autores passa por se efetuarem estudos que avaliem as diferentes perspetivas de saúde dos diferentes atores: crianças, adolescentes, pais e mães e outros familiares.

Compreender a experiência de viver com FQ a partir do contexto das famílias das crianças com a doença foi o objetivo de um trabalho elaborado por Pizzignacco (2008, p. 125). A “experiência da doença é vivenciada por toda a família, embora de maneira

particular para cada membro…”. A família deve, assim, ser um alvo de cuidados por

parte dos profissionais de saúde. A abordagem da família permitirá obter ganhos em saúde ao apoiar a promoção do crescimento e desenvolvimento infantil e juvenil, mesmo na companhia de uma doença crónica. É necessário “…reconhecer os

significados atribuídos à doença, tanto pelas crianças com FQ quanto de suas famílias, é essencial para o planejamento dos cuidados, à medida que é pela significação da doença que a busca de auxilio, tratamento e sua avaliação será realizada.” (Pizzignacco, 2008, p. 127).

Num outro estudo, Pizzignacco, Mello e Lima (2011), pretenderam compreender a experiência da FQ a partir do contexto familiar, dividindo, os resultados obtidos em

passado, presente e futuro, através de metodologia de estudo de caso etnográfico.

Concluíram que conhecer a experiência na doença e a rede social é essencial para o planeamento dos cuidados, pois a família destacava a fase da busca do significado da doença, o suporte social, a religião, a espiritualidade e a socialização da criança.

O percurso das famílias de crianças com FQ é longo, permeado por dúvidas e incertezas. Costa et al (2010) entrevistaram 13 famílias com o objetivo de conhecer e descrever as vivências de familiares de crianças e adolescentes com FQ. Dos dados emergiram quatro áreas a ter em atenção:

“diagnóstico e o impacto da doença; alteração do quotidiano familiar;

perseverança e esperança na divulgação da doença: cura apoiada pela crença e fé”.

O diagnóstico, segundo estes autores, é por vezes feito tardiamente pela não valorização por parte dos profissionais de saúde, da informação dos pais referente à criança. Isto vai potenciar conflitos, insegurança, pelo que é importante que os familiares sejam “mais ouvidos e valorizados, facilitando assim o diagnóstico e

evitando peregrinações aos serviços de saúde…” (Costa et al, 2010, p. 217). A doença

altera o ritmo de vida da criança e da família e as dinâmicas familiares são inquestionavelmente modificadas. No entanto, a esperança permeia a existência de cada família com o desejo de que a divulgação da doença possa ajudar no seu controlo. Por sua vez, e segundo os autores supracitados, o confronto com a realidade e a gestão das dificuldades quotidianas leva à procura de uma força transcendente alicerçada na crença e na fé.

No estudo “Vivência parental da doença crónica” (Santos, 2010, p. 19) pretendia “perceber, por um lado, o impacte da doença, os temas centrais de preocupação

materna, as suas necessidades e fontes de suporte, as suas estratégias de confronto, a autoatribuição de papel e de competências para o tratamento de filhos e, por outro lado, conhecer os problemas mais relevantes na educação destas crianças.”.

Foram efetuadas entrevistas a mães de crianças com as duas patologias crónicas (FQ e diabetes) que apesar, de serem ambas caracterizadas pela cronicidade, a FQ tem um desfecho mais fatal, pelo que se subentende que as vivências parentais sejam diferentes. Deste estudo emergiram áreas de reflexão para as implicações práticas dos profissionais de saúde: “a importância da perspetiva holística para

apoio aos pais das crianças com doenças crónicas; necessária preparação dos profissionais de saúde para lidar com as alterações da adaptação materna, no sentido positivo, ou negativo dessa adaptação e para o apoio em situações de maior instabilidade, quer seja no momento do diagnóstico como muito depois; a mudança, associada ao caráter dinâmico da adaptação parental, de significações maternas centradas na doença, para a emergência, progressiva das preocupações centradas na criança e em aspetos educativos, traz igualmente, exigências de flexibilidade, de abertura, e de conhecimento dos profissionais de saúde; aumento de conhecimento em relação aos problemas educativos das crianças; reforço da importância da capacitação materna, do desenvolvimento das competências das mães, que lhes permita aumentar o sentido de controlo em relação ao cuidado dos filhos, à vida da criança e à sua própria vida; atenção dos profissionais para as questões dos apoios e suporte social; importância da participação dos pais nas equipas de saúde e sua valorização” (Santos, 2010, p. 288, 289)

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Mais uma vez, o conhecimento por parte do profissional de saúde da dinâmica familiar faz com que as intervenções com a criança e adolescente sejam mais eficazes e direcionadas à resolução dos problemas.

Direcionado essencialmente às mães, foi elaborado um estudo com o objetivo de compreender as dificuldades vivenciadas por estas no convívio e cuidado dos seus filhos com FQ (Tavares, Carvalho e Pelloso, 2014). Da análise dos discursos das participantes, emergiram duas categorias: o tratamento da FQ – enfrentando dificuldades e o futuro da criança – a difícil convivência com a esperança de cura e de um desenvolvimento normal. Os mesmos autores consideram relevante que “… é

momento não planejado em suas vidas… e compreender como acontece o processo de adaptação em cada caso permite que diferentes abordagens educativas e relacionais sejam desenvolvidas…” (p. 299).

É de salientar a necessidade de se fazer uma abordagem individual, pois a forma de sentir e reagir aos acontecimentos são muito exclusivos.

DeLambo et al (2004), estudaram a associação da qualidade das relações familiares com a adesão aos tratamentos das crianças e jovens com FQ. Concluíram que as crianças e jovens provenientes de famílias conflituosas e desadaptadas à experiência da doença crónica apresentavam um acentuado risco de má adesão terapêutica; por seu lado a adesão aos tratamentos aumentava muito nas crianças e adolescentes que tinham o apoio de familiares cujo relacionamento era estável e estabeleciam metas adaptadas à situação da doença crónica.

Como nos referem Bregnballe et al (2011), as relações com os familiares continuam a ser as mais influentes de todas as relações dos adolescentes. Neste mesmo estudo, os adolescentes referem que os pais precisam de confiar mais neles e partilharem a responsabilidade dos tratamentos, o que os ajudará na autonomia da vida adulta. Esta partilha de responsabilidade vai promover a gestão das barreiras à adesão ao regime terapêutico, envolvendo o adolescente na discussão dos problemas de adesão e as consequências da não adesão para se estabelecer um compromisso.

Carpenter e Narsavage (2004), estudaram e descreveram a experiência de vida das famílias com crianças com FQ, no início do diagnóstico. Dos dados emergiram três categorias: caindo aos pedaços; juntando e movendo-se além. Da categoria caindo

aos pedaços sobressaíram como subtemas: devastação do diagnóstico, um sentido abrangente de medo e isolamento, um sentimento de culpa e impotência.

Relativamente à categoria juntando emergiram as subcategorias: vigilância

contínua e retorno à normalidade. A terceira categoria nomeou como subtema uma nova tomada de consciência. Este estudo demonstra a necessidade de a família

efetuar ajustes ao seu estilo de vida na tentativa de voltar à normalidade. No sentido de alcançarem a estabilidade, as famílias encontram-se vigilantes no cuidado e na monitorização da criança doente, precisando do apoio permanente dos profissionais de saúde. Assim, esta investigação descreve como as famílias desenvolvem a sua própria e única maneira de controlar a experiência de viver com FQ “one day and one breath at a time” (p. 25).

Se a informação fornecida aquando do diagnóstico é deveras importante, o momento do primeiro internamento também é caraterizado pela necessidade de esclarecimentos adicionais. Fixter et al (2017) elaboraram um estudo, recorrendo a análise qualitativa, sobre a necessidade de informação dos pais de crianças com FQ aquando do seu primeiro internamento hospitalar. Sendo a hospitalização identificada como um fator de stress para os pais e familiares, os autores concluem que o fornecimento de informação preparatória adequada é essencial para a redução do stresse parental, influenciando a avaliação e gestão de experiências futuras.

A comunicação efetiva entre pais e profissional de saúde e a oportunidade de participar nos cuidados ao filho, provavelmente melhorarão a satisfação parental.