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Atendendo à importância do desenvolvimento psicoemocional e social dos adolescentes consideramos pertinente integrar esta dimensão no guião da entrevista. Assim analisando os dados construímos a categoria Interações sociais composta pelas subcategorias: Os familiares; A equipa de saúde; Os amigos.

O relacionamento social dos adolescentes é essencial para a sua integração na sociedade e especialmente para a sua aprendizagem de vida e de desenvolvimento da sua identidade. A identidade grupal e individual são construções essenciais para a evolução do indivíduo e sua inserção positiva na sociedade, podendo assim, evoluir para a adaptação da sua condição de doente crónico.

O relacionamento com os pais durante o período da adolescência pauta-se por uma transição de dependência para a conquista da independência.

Os familiares dos participantes deste estudo foram considerados elementos fundamentais no apoio demonstrado e na evolução desenvolvimental destes jovens, daí ter surgido a subcategoria Os familiares “…os pais têm sempre muita razão no

que estão a dizer…” A10, “…eu só me chateio com a minha mãe quando ela me obriga a comer muito depressa…de resto ela é fixe…” A3 e percebem as imposições e

aceitam-nas “…eu dou-me bem com os meus pais, mas às vezes reclamo um

bocadinho…faz parte da idade, não é?” A4; “…eu consigo controlar muito bem as minhas coisas, mas eles às vezes são um bocadinho chatinhos…é normal…” A9.

Durante as entrevistas os adolescentes referem várias vezes a palavra “negociação” como sinónimo para terem aquilo que acham que merecem, mas dando também algo em troca (não pedindo muitas coisas) “…às vezes peço umas coisitas e eles dizem que

não…fico triste porque gostava mesmo de fazer aquilo…eu fico triste mas lá acaba por passar…”A5; “…eu peço as coisas mas se dizem que não é não… de vez em quando vou tentando negociar umas coisitas…”A6 e até sabendo quem é mais tolerante sendo

mais fácil obter o que pretendem “… eu às vezes peço ao meu pai e ele depois vai

convencendo a minha mãe…” A14.

À figura materna também lhe é atribuída uma componente de maior responsabilidade

“…a minha mãe é que tem que estar preocupada com as minhas coisas…sim, ela é que tem que estar preocupada…” A11, mas também a mãe poderá ser aquela pessoa

microrganismo envolvido “… a minha mãe só de olhar para mim já sabe qual é o

micróbio que me está a atacar…” A7.

A vontade de obedecer aos pais também foi expressa por alguns participantes, pois o receio de desobedecer ou pedir algo para além das suas capacidades físicas poderia provocar um agravamento da doença “…os meus pais nunca foram de me proibir,

mas eu também nunca fui de pedir muito, porque eu sabia que no dia seguinte estava doente…” A1. Assim como, os adolescentes reconhecem que os pais lhes vão

incutindo alguma responsabilidade, dando-lhes a hipótese de decisão “…a minha mãe

não é daquelas pessoas que diz: não faças isso; ela diz: pergunta primeiro ao médico se podes fazer isso…. Ela pode dar-me uma opinião, mas a decisão é minha…” A7.

Não é só dos pais que os adolescentes falam quando se questiona acerca da família.

Os irmãos também são mencionados como figuras de amparo “eu e o meu irmão

damo-nos sempre muito bem, ele é muito meu amigo.” A1; “eu falo sempre com a minha irmã pelo telefone, todos os dias, porque ela agora mora longe.” A6; “até é bom ter muitos irmãos…” A12, “a minha irmã como é mais velha tem a mania que manda em mim…” A2, “como ele é mais pequeno andamos sempre a pegar um com o outro, mas isso é normal.” A4.

É socialmente aceite que os pais devem ser os protetores dos seus filhos, no entanto, os filhos também, perante a sociedade, protegem os seus pais indignando-se quando ouvem dizer que os seus pais são os responsáveis pela transmissão da doença “…é

muito chato ouvir dizer que os pais são os responsáveis pela transmissão da doença, eles não têm culpa…” A1, “…os meus pais ficam sempre muito tristes quando se diz que a doença é transmitida por eles…” A7 devido ao facto de ser uma doença genética.

Estes e outros assuntos devem ser considerados pelos profissionais de saúde que prestam cuidados a esta população.

Sendo o enfermeiro um elemento da equipa de saúde, cabe-lhe trabalhar em parceria com os restantes elementos e também com a criança/jovem e seus pais/pessoa significativa e proporcionar o mais elevado grau de saúde possível, removendo barreiras e mobilizando recursos de suporte para uma boa responsabilização pela escolha de saúde mais eficaz (OE, 2011).

Sem nunca direcionar a questão para o profissional em questão, mas para toda a equipa fomo-nos apercebendo do papel atribuído a cada elemento da equipa de saúde. Surge por isso a subcategoria A equipa de saúde.

De uma forma geral, o médico é o primeiro elemento da equipa que é contactado e que recorrem para receber as informações acerca da doença, estão sempre contactáveis pois dão o número de telefone particular “… os médicos é que nos dão os raspanetes

quando fazemos alguma coisa de errado…e os médicos são como os pais… os médicos é que eu sei o nome deles todos…quando tenho alguma dúvida em relação à doença recorro sempre aos médicos…”A1; “…eu tenho três médicos e sei o nome deles…quando vou ao médico vou um bocado preocupado porque não devo emagrecer…”A2; “…eu só falo com os médicos quando vou à consulta e são eles que me dão as informações da minha doença…”A4; “…eu confio na minha médica…tenho assim um grau de confiança com as pessoas…”A7; “…o médico dá-me as informações … a minha mãe telefona-lhe e eu faço o que ela manda…”A9; “…não vou preocupada quando vou à médica, até faço perguntas…a minha preocupação é levar picas, vacinas …” A11.

Como podemos constatar através destas afirmações, o médico é o informante privilegiado da equipa de saúde e é o primeiro a ser contactado em caso de dúvidas. Outro membro da equipa a ser referido como preponderante neste processo de acompanhamento é o fisioterapeuta.

Os adolescentes portadores de FQ necessitam de tratamentos de cinesiterapia respiratória, semanal ou diariamente de acordo com a agudização dos sintomas.

A cinesiterapia é realizada por fisioterapeutas ou por enfermeiros especialistas em Enfermagem de Reabilitação “é uma enfermeira que fez um estudo de fisioterapia

sobre cinesiterapia a esta doença e quando ela vai de férias é outra enfermeira que fez a mesma coisa … e assim faço 2x/semana … no centro de saúde.” A6.

Esta não é uma realidade geral pois vários outros participantes referem-se aos fisioterapeutas como sendo os profissionais que lhes prestam os cuidados “…ele faz

parte da família…” A1; “…nem sei quanto tempo faço os exercícios, estou tão habituada que não custa…” A13.

É uma relação profunda e de compreensão mútua “…como fazia sempre de

manhã era ele que aturava a minha rabugice…” A1 e até carregada de

simbolismos, tais como a identificação do dia de aniversário “…criou-se uma

ligação… eu sei o dia do seu aniversário…mesmo agora que já não preciso de fazer fisioterapia eu nunca me esqueço do dia dos anos, nem da Páscoa nem no Natal…” A1; “…as minhas terapeutas contavam-me coisas desde que era pequenina, elas lembram-se muito bem…” A4.

Os adolescentes têm vontade de aprender e ao interagirem com o fisioterapeuta, obtêm conhecimentos para fazer os exercícios respiratórios em casa “…ela está

comigo 1h, só comigo, depois faço os exercícios sozinha e depois durante a semana vou fazendo os exercícios em casa sozinha…” A7.

A capacidade de abstração que vai sendo adquirida com o desenvolvimento cognitivo, contribui para o incremento do espirito critico dos adolescentes com FQ pelo que a observação da realidade se torna mais selecionada.

A identificação do local pouco adequado para a realização dos tratamentos de fisioterapia, pelo facto de não poderem estar sozinhos e observarem condições desagradáveis (crianças com paralisia cerebral, idosos muito dependentes…) é uma situação que os deixava incomodados “…fazia 2x/semana porque ela estava muito

pouco tempo comigo… e também fazia misturada com outros velhinhos com outras doenças...” A7; mas por outro lado viam e conviviam com a diferença e com situações

diferentes “…às vezes estão lá pessoas pior do que eu…” A3. Estes depoimentos apesar de contraditórios, orientam a atenção do profissional de saúde para a capacidade de observação e de interpretação que os jovens fazem do ambiente que os rodeia.

Sendo o enfermeiro um membro da equipa de saúde tornou-se pertinente conhecer a opinião dos adolescentes acerca do trabalho daquele profissional e que implicações teria no seu dia-a-dia “é a pessoa que nos acompanha diariamente, mesmo até após

o acordar (da anestesia) … os enfermeiros é o dia-a-dia do internamento … A1; “as enfermeiras trabalham no internamento e põe-nos o soro e dão a medicação, fazem- nos companhia enquanto comemos...” A2.

O enfermeiro é também o profissional de saúde que acompanha e protege os adolescentes “… tinham uma relação mais tipo, deixa ver, os enfermeiros são uns

irmãos…os enfermeiros acabam por facilitar tudo...vinha a enfermeira e dizia oh coitadinha e não sei quê e dava-nos proteção, é mais ou menos assim… a gente passa ali anos com aquelas pessoas e cria-se uma afinidade…” A1.

Os atributos pessoais dos enfermeiros são igualmente valorizados pois partilham alegria “…as enfermeiras andam sempre bem-dispostas e a rirem-se…” A3, são protetores, acarinham e dão mimo “… elas vêm para a minha beira quando eu

estou mais triste…” A4, nunca esquecendo as atividades inerentes aos

tratamentos a efetuar “… elas vêm ver se estou a fazer bem as nebulizações…” A5, sendo que as suas atividades são relatadas a nível dos internamentos hospitalares “…eu conheço muito bem as enfermeiras no internamento, as da

consulta só me pesam e medem…” A4.

A perceção acerca da transferência para o serviço de adultos (consulta de transição) é demonstrada através deste relato “… com as enfermeiras da consulta porque já

ando há muito tempo na consulta … a enfermeira X costuma dizer que eu não vou para lado nenhum, já sou daquela consulta e eu também sinto-me bem …” A7.

No entanto “…eu não tenho enfermeira, não sei!!!” A11, faz-nos refletir acerca da capacidade que o enfermeiro tem em se expor aos jovens de diferentes idades, pois para este participante o enfermeiro era desconhecido.

A identificação dos enfermeiros por parte dos adolescentes está muito associada ao trabalho que estes prestam a nível dos internamentos hospitalares. Se por acaso o adolescente nunca foi internado, nunca teve essa experiência, o contacto pode resumir-se só ao encontro no dia das consultas. A dualidade de respostas que obtivemos está relacionada com o facto de alguns adolescentes nunca terem estado internados e os mais jovens deixarem que os pais coloquem as dúvidas aos profissionais de saúde.

Falar sobre interações sociais de adolescentes implica a expor a temática da amizade que foi naturalmente abordada pelos participantes.

O relacionamento com os amigos passa por diferentes fases, sendo que no inicio da adolescência estes tentam a filiação com o grupo de amigos valorizando as opiniões dos grupos do mesmo sexo. Na adolescência intermédia (dos 15 aos 17 anos) reconhecem que os padrões comportamentais têm que ser iguais aos do grupo e nos seus relacionamentos já interferem adolescentes do sexo oposto. Já no final da adolescência, a sua identidade com o grupo de amigos é preterido pelas amizades individuais, o grupo é menor, podendo iniciar-se as relações entre adolescentes do sexo oposto (Papalia e Feldman, 2013; Hockenberry e Wilson, 2011). Atendendo a estes pressupostos, identificamos discursos que associamos à criação de uma subcategoria denominada Os amigos “eu tenho um grupo grande

de amigos na escola…” (A2, A4, A6, A7, A9, A11) mas também “os meus amigos são os meus vizinhos.” (A3).

A qualidade da amizade também foi abordada quando explicaram que os amigos adaptavam as brincadeiras às suas disponibilidades e possibilidades físicas “transformando as dificuldades em brincadeiras.” (A1) e os ajudavam especialmente durante os ataques de tosse, não permitindo que lhe batessem nas costas “…eles já sabiam e não me batem nas costas…” A3 ou estivessem à sua volta “sem me deixarem respirar…” (A5).

Os amigos são um grupo de grande apoio e até oferecerem proteção “… o rapaz

chamou-me tuberculosa e eles [o grupo de amigos] partiram todos para a pancada… e obrigaram-no a pedir-me desculpa.” (A1).

Quando se manifestam como grupo coeso, são capazes de abdicar de ir a algum lugar que gostariam, desenvolvendo esforços em conjunto “…às vezes os meus amigos não

vão aqui ou acolá por minha causa…” A1.

Os amigos, conhecendo as limitações, compreendem-nas e adaptam-se também às situações “… de vez em quando digo que estou cansada…não tenho força para

continuar e eles compreendem…” A10. O que não é constrangedor para o adolescente

portador da doença “eu não me sinto triste por eles saberem da minha doença” (A16);

“…eu era sempre a maior… tinham certos comportamentos para não me acontecer nada…fui sempre muito mimada por todos … eu disse-lhes que tinha uma doença de nascença e eles andavam sempre informados também…” (A1).

Nestes relatos identificamos o apoio dos amigos como uma condição facilitadora da transição que estão a vivenciar, podendo, no entanto, transformar-se em condição dificultadora caso não exista essa ajuda. Os adolescentes entrevistados sentiram-se apoiados pelo grupo de amigos, pelo que consideram algo positivo no seu percurso de vida, dando ênfase a essa temática e chegando a contar pormenores dos relacionamentos, tal como foi demonstrado pelas descrições referenciadas.

Figura 8 - Representação esquemática da categoria Interações sociais

Consideramos que os adolescentes estão muito dependentes da sociedade, pelo que o conhecimento dos seus elementos e da forma como eles funcionam e se articulam, é um aspeto positivo no percurso facilitador da transição.