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Recorrendo aos estudos de Piaget (Papalia e Feldman, 2013) acerca do desenvolvimento cognitivo na adolescência, identificamos características no percurso do adolescente com FQ, nomeadamente a capacidade de pensar além do presente e

Interações sociais Os familiares A equipa de saúde Os amigos

raciocínio científico e lógico formal, que nos orientaram na identificação da categoria Construindo a autonomia. Decorrente dos discursos dos participantes criamos as seguintes subcategorias: Assumindo o controlo, Estratégias de superação e Fornecendo orientações.

Da análise dos relatos dos adolescentes surgiu a subcategoria Assumindo o controlo “…levanto-me, lavo os dentes, tomo o pequeno almoço e vou para a

escola …” A2; “… primeiro lavo os dentes, ou primeiro como, depois lavo os dentes, e depois vou de carrinha para a escola …” A6, a ocupação dos tempos

livres “…brinco com os meus irmãos, vejo televisão, jogo playstation…” A12 e ainda a referência aos tratamentos como fazendo parte integrante do seu dia-a- dia “faço as nebulizações de manhã e à noite…” A7.

Durante as entrevistas, os adolescentes relataram-nos as atividades diárias, referindo-se logo ao acordar e a todo o ritual associado à higiene pessoal e ao pequeno-almoço. No entanto, de acordo com os tratamentos médicos prescritos, os jovens devem proceder à limpeza pulmonar seja através da tosse provocada como também pela realização de nebulizações. Ora, estes tratamentos raramente eram referenciados como sendo essenciais. A expressão que mais usam é “eu

faço tudo normal…” (A2, A3, A5, A12).

Dos adolescentes entrevistados, alguns mencionam o decorrer do seu dia como sendo habitual não se sentindo afetados pela doença que são portadores “o meu dia é bom” A11, “…não tenho problemas, ando bem…” A16; mesmo o facto de terem que fazer fisioterapia “…como faço depois das aulas não há problema…” A4 e a medicação “…

sei quais são os comprimidos e tomo…” A5, incluindo as nebulizações “… já era normal fazer de manhã e à noite…” A1, não são considerados problemáticos.

Como os adolescentes apresentam a nível cognitivo, capacidade para analisar múltiplas perspetivas e também têm capacidade de se compararem com os companheiros (Papalia e Feldman, 2013) obtivemos descrições relacionadas com várias vertentes do quotidiano, nomeadamente as relacionadas com a descrição das suas atividades diárias.

Estes adolescentes, estando inseridos na escola, têm o seu grupo de amigos e querem participar nas atividades conjuntas, pelo que referem fazer tudo igual ao que os outros fazem.

A expressão de comparação com os amigos “…o meu dia é igual aos dos meus

amigos…” A9, não abandonando a manifestação da vontade de brincar com eles “… eu gosto de vir para a rua jogar futebol com os meus amigos...A3; “…converso ou vou sair com as minhas amigas…” A16, é uma atitude importante para o seu

desenvolvimento moral e relacional.

Os adolescentes são muito ativos, apresentam um crescimento rápido, acelerado e apresentam uma curiosidade feroz e gosto pela experimentação. É isso que se passa também com estes jovens. A limitação física relacionada com o comprometimento do aparelho respiratório, não os impede de fazer exercício físico com os mesmos imperativos dos outros colegas. Eles até se sentem orgulhosos dos seus feitos e capacidades “…eu fiquei em primeiro lugar no pódio

na corrida…” A2 e “…eu sou o melhor da turma…” A2.

Mostram assim uma reação positiva, de segurança, porque apesar de saberem que têm uma doença limitante, isso não os impede de lutar por bons resultados, apresentando características coincidentes com a evolução de qualquer adolescente, nomeadamente no que concerne à necessidade de aprovação social.

Ressaltam também as atividades extracurriculares que, para além de serem lúdicas, são clinicamente benéficas “…olha sabes, eu também ando na música, na flauta

transversal…” A11, “eu faço natação porque me ajuda nos meus problemas respiratórios e é uma forma de me divertir e eu gosto…” A2.

A valorização das atividades físicas em grupo “eu gosto de vir para a rua jogar à bola

com os meus amigos…” A3 e a manutenção de altos níveis competitivos “já recebi medalhas na natação…” A2 é partilhado pelos adolescentes, no entanto, ressalvam

que por vezes não podem acompanhar o ritmo dos colegas “…se eu correr muito fico

com tosse e tenho que descansar…” A9.

Para contornar esses problemas, os adolescentes encontram estratégias que não comprometam nem a sua saúde, nem o seu relacionamento com os amigos e consequente aceitação no grupo de pares “…se eu ficar cansada as minhas amigas

param comigo, não se importam…” A9.

Constatamos assim, e tal como explica Meleis e colaboradores (2000), a existência de condições facilitadoras para que a transição se faça eficazmente. Neste caso os adolescentes indicam as condições da comunidade como potenciadoras de uma boa transição.

Tal como já vem sendo referido os adolescentes com FQ têm que cumprir regimes medicamentosos e tratamentos de fisioterapia mais ou menos complexos. Se por um lado uns jovens se encontram dependentes da figura materna/paterna para os orientarem e ajudarem nos procedimentos prescritos pelos médicos, outros estão numa fase de emancipação do poder parental e começam a evidenciar um certo grau de autonomia.

A autonomia e sentido de responsabilidade reivindicadas por estes jovens está expressa nos seus relatos “…a minha mãe atrasou-se e estava na hora de eu fazer a

medicação, como eu já tinha estado atento a vê-la fazer as coisas fui preparar…quando ela chegou aflita eu já tinha feito tudo direitinho…” A5.

A curiosidade e a necessidade de conhecer os nomes dos medicamentos é manifestação de vontade de independência, assim como ter o número de telefone do médico “…eu sei sempre o nome dos medicamentos e até ando com uma folha

explicativa …também tenho sempre no telemóvel o número de telefone dos meus médicos, pois pode ser preciso…” A1.

O conhecimento sobre o controlo de infeções evidencia a aquisição de habilidades fundamentais para assim poderem evitar internamentos e agravamento da doença

“…eu sei como devo lavar as mãos e quantas vezes por dia…” A2. A necessidade de

impedir os internamentos é relatada pelo adolescente de uma forma que vai além do controlo de infeções e reflete o cuidado com as roupas que veste, evitando assim problemas respiratórios “…ando sempre com um lenço ao pescoço no Inverno e não

saio à rua com a cabeça molhada…” A4.

A adesão ao regime terapêutico é fundamental para a manutenção do seu bom estado de saúde, tendo que tomar os medicamentos a horas e sem esquecer nenhuma dose

“… levo um comprimido para tomar à hora de almoço e nunca me esqueço…” A4.

É de referir que, neste estudo, todos os participantes adolescentes não referiram qualquer problema a nível de adesão terapêutica.

Apesar de reclamarem autonomia também sabem que estão a ser supervisionados pelos pais, sentimento que não os incomoda chegando a exprimir “eu sei coordenar

as coisas, mas também sei que o meu pai e a minha mãe estão sempre a ver se estou a fazer direitinho, mas eu não me importo que eles estejam a ver pois eu já sei fazer tudo normalmente …” A8.

A tomada de decisão inicia-se na adolescência tendo que se tornar num processo coerente e eficaz, pelo que os adolescentes deverão ser orientados nesse processo. Essa orientação, conforme o discurso de um jovem, tanto é dado pelos pais como pelos médicos a pedido do próprio doente “às vezes quando tenho que decidir alguma coisa

eu pergunto à minha mãe, mas ela também me diz para eu falar com a médica, porque assim é mais fácil … cada uma vê um lado e assim eu estou mais protegida…” A7.

Quando os adolescentes participam na gestão dos seus tratamentos ficam mais implicados no seu processo de recuperação e sentem-se menos limitados e mais compreendidos, aceitando os limites e restrições impostos.

Deparamo-nos pelos discursos dos adolescentes que ultrapassavam as limitações impostas pela doença, através de alterações e adaptações das atividades do seu dia- a-dia, por tal motivo nomeamos a subcategoria Estratégias de superação “…eu

quando estou cansado durante o jogo de futebol, eu vou para a baliza, passo de avançado para guarda redes, e a minha equipa troca de campo…” A3.

A maneira de descobrirem novas formas para se adaptarem às situações é feita de forma positiva “… eu quando tenho provas de resistência nas aulas de

educação física corro muito, mas de vez em quando paro para aí 2 minutos e fico bem, não há problema…” A4.

De igual modo, o facto da medicação prescrita “…eu sabendo os nomes dos

medicamentos…” A5, das nebulizações “…até já sei mexer nos nebulizadores…” A5 e

os tratamentos de fisioterapia “…já estou tão habituada a ir ao centro, que nem me

importo…” foram destacados como estratégias de superação das dificuldades por

alguns jovens como não sendo algo problemático.

Se referem restrições relacionadas com a adequação da roupa ao clima e ao ambiente, relatam imediatamente a forma de suplantarem essas dificuldades “…eu no Inverno

ando sempre com um cachecol ao pescoço, para evitar apanhar frio…” A3; “…no Verão ando sempre com um chapéu por causa do sol muito forte…” A11.

Quanto à presença nas consultas médicas, os adolescentes transmitem que por vezes têm que faltar às aulas “…como as consultas com a médica é de manhã, eu falto às

aulas, mas depois peço os apontamentos às minhas amigas…” A6; “…também não são assim muitas consultas por isso não faz mal…” A8.

O percurso de desenvolvimento emocional e também a capacidade adaptativa às novas situações origina a sensação de normalidade que os adolescentes transmitem no discurso sobre o seu quotidiano “… já decorei os nomes dos medicamentos e posso

preparar sozinho…” A5 e a formas de ultrapassar os maus momentos “… é preciso todos os dias levantar a cabeça…” A7.

De uma forma geral, os adolescentes vão caminhando para alcançar a maturidade completa libertando-se do domínio parental. Contestam os conselhos dos adultos, sendo, no entanto, um processo ambivalente quando se apercebem da responsabilidade ligada à liberdade que reivindicam.

No entanto, analisando os discursos dos adolescentes entrevistados, deparamo-nos com a expressão de sugestões e opiniões oferecidas a outros adolescentes acerca da forma de viver com FQ a qual denominamos Fornecendo orientações “…ter cuidado

com os pós e isso…e fazer sempre a medicação…” A12, como forma de partilhar

experiências de vida “é uma doença de nascença…o pessoal tem que se habituar… é

basicamente isso…” A1, disponibilização para transmitir os seus sentimentos “…eu dizia-lhe que não tivesse medo porque eu também tinha… que se ele precisava eu também ajudava…” A9, “…olha: habitua-te… não sei o que lhe dizia … as fibroses quísticas não são todas iguais, portanto…” A3.

O conceito de normalidade também esteve presente em vários discursos “…é uma

coisa normal como as outras… é uma doença como outra qualquer…não é nada de especial…” A6; “… eu não sei…não faço ideia… dizia para fazer tudo normal…” A13; “…não sei… dizia-lhe que é quase tudo normal…” A14.

O exemplo da sua vida, apesar de curta, já é tomada como modelo e assim “…dizia-lhe

o que passei … que se pode fazer uma vida normal … essas coisas são assim…” A8;

O recurso ao apoio de outras pessoas, pais, médicos, também foi referido por jovens com FQ “só isso, acho eu… ah e aconselhava a fazerem ginástica…” A10; “…dizia-lhe

para ir ao médico … para ele lhe ensinar porque tem que fazer muita medicação… de resto é a mãe que tem que se preocupar…” A11.

Os adolescentes cuja faixa etária se situa na fase tardia da adolescência deram respostas mais elaboradas e mais completas, abarcando inúmeras temáticas, visto que a sua experiência de vida também já é mais extensa.

Apresentam também mensagens de esperança “… nunca esconder a doença, viver

com ela é isso, é ir vivendo com ela, eu vivi bem com ela e vivo com ela …uma coisa que eu digo sempre é que confiem nos médicos… se têm aquele médico é aquele médico para qualquer dúvida…fazer as coisas certinhas a medicação e tudo…é nunca esconder que tem a doença, isso é das primeiras coisas, os amigos já sabem e vai ser muito mais fácil viver com a doença…chega-se a um certo ponto que não dá para esconder a FQ…” A1; “…, mas também há a parte positiva: nós podemos fazer quase tudo, nós fazemos tudo, fazemos é com mais cuidados…” A1.

Algo que foi sugerido apenas por um adolescente, mas que se torna uma mais- valia na gestão da sua doença “…tenho sempre comigo, em todas as carteiras,

uma carta onde está explicada a minha doença, os medicamentos, o transplante … e o que me devem fazer se acontecer alguma coisa que eu não possa falar. A1; “… a primeira coisa que dizia era para não se assustar… eu partilhava com ele as minhas experiências… nós não queremos mas vamos ficar com isto para sempre, portanto é importante saber lidar com a doença…não somos nós que temos que nos habituar á doença é ela que tem que se habituar a nós… fazer a vida normal e se precisar pode vir falar comigo…” A4.

Segundo Piaget (Papalia e Feldman, 2013), no período de operações formais, os adolescentes apresentam capacidades de pensamento abstrato pelo que conseguem construir a sua identidade pessoal e assim oferecer opiniões produzidas na sua experiência.

Sugestões sobre como lidar com a doença foram referidas estando associadas à forma detalhada de como aprender bem esse processo “…ensinava a forma de tossir

melhor… em que posição dormir para não colar os pulmões… fazer muita fisioterapia…” A5 é de realçar que este mesmo participante optou por interpretar os

sentimentos de quem é confrontado com esta patologia “…como se calhar não está

muito habituado à doença pode assustar-se…” A5.

Mas os conselhos ao novo portador da doença passam muito pela forma de aprenderem a lidar com os sentimentos especialmente com a capacidade de controlar as situações“… o conselho que lhe daria era que não pensasse demasiado na

doença…que deixasse as coisas irem acontecendo…se uma pessoa for controlando a doença ela não nos controla a nós … não limitar a pessoa à doença, mas sim limitar a doença… não ficar muito eufórico quando se consegue debelar a infeção pois ela vai voltar e temos que aprender a ir controlando as coisas…” A7.

Apresentamos de seguida e de uma forma resumida a Figura 9.

Figura 9 - Representação esquemática da categoria: Construindo a autonomia