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FIBROSE QUÍSTICA: UMA DOENÇA CRÓNICA

1.2 O impacte da doença crónica na família

2. FIBROSE QUÍSTICA: UMA DOENÇA CRÓNICA

É muito desagradável ouvir sempre a frase: A FQ é uma doença crónica, autossómica recessiva… Não se pode começar a falar de outra maneira?! (extrato de entrevista A7)

A Fibrose Quística (FQ), também chamada Fibrose Cística, Fibrose Quística do Pâncreas e Mucoviscidose, é uma doença genética, hereditária, frequente na raça caucasiana. Transmite-se de forma autossómica recessiva, significando que ambos os pais da criança são portadores sãos desta patologia. Diversos autores referem uma incidência que oscila entre 1:2000 a 1:1500 recém-nascidos, na população europeia. É menos frequente na raça negra e rara em asiáticos; cerca de 93,7% dos doentes são de raça caucasiana (Cutting, 1997; OMS, 2005; Hodson, Geddes e Bush, 2007; Damas, Amorim, Gomes, 2008). A figura 2 mostra a distribuição epidemiológica da genética molecular da FQ a nível mundial - The molecular genetic epidemiology of cystic fibrosis (2004).

Numa rápida análise pode-se observar que existem países onde não foi possível obter dados sobre a distribuição e controlo da doença em grupos familiares (epidemiologia genética) da FQ, (apresentados em cor branca) representando grande parte de África e Ásia, o que corrobora o facto da prevalência de FQ na população africana e asiática ser desconhecida.

Historicamente, o primeiro relato desta patologia foi efetuado em 1595 após a autópsia de uma criança com 11 anos. Já nessa altura as pessoas referiam manifestações clínicas que profetizavam a curta esperança de vida associada a esta patologia: “the child will soon die whose brow tastes salty when kissed.”, “if it tastes salty when someone is kissed on the brow then this person is hexed (bewitched)”

(Hodson, Geddes e Bush, 2007, p. 4).

Conhecido o facto de ser uma doença hereditária, genética, só nos anos 80 é que foi identificada a mutação que estava na origem deste problema, sendo que o seu nome deriva do aspeto quístico e fibroso do pâncreas (Cutting, 1997; Rosov, 2006; Goldebeck, Zerrer e Schmithz, 2007). Afeta vários órgãos e caracteriza-se pela disfunção das glândulas exócrinas, onde o gene da FQ tem maior expressão. O defeito genético situa-se no braço longo do cromossoma 7 e conhecem-se mais de 1000 mutações.

A FQ consiste numa alteração na síntese da proteína reguladora da condutância transmembranar (CFTR – cystic fibrosis transmembrane conductance regulator), e a mutação mais prevalente é a ∆F508, tendo sido a primeira a ser identificada (Cutting, 1997; Damas, Amorim, Gomes, 2008). Esta proteína tem como função controlar o canal iónico de cloretos e de sódio situados nas membranas das células dos epitélios de alguns órgãos. A sua disfunção concorre para que as secreções se tornem muito espessas, pois existe alteração no funcionamento das trocas de água e de sal nas células das glândulas exócrinas, causando assim fenómenos de obstrução em vários órgãos, manifestando-se a nível pulmonar, pancreático, intestinal, aparelho reprodutor e glândulas sudoríparas, conferindo o caráter sistémico associado à FQ (Damas, Amorim, Gomes, 2008).

Sendo assim os doentes poderão apresentar diversas manifestações clínicas, isoladas ou em conjunto, relacionadas com o órgão afetado: tosse crónica, pneumonias de repetição, ílium meconial, desnutrição, suor salgado (Cutting, 1997; Hodson, Geddes e Bush, 2007; Kliegman, 2017).

A nível do aparelho respiratório as principais são: tosse persistente, secreções brônquicas espessas e viscosas, progressão para dispneia. A exacerbação dos sintomas respiratórios

poderá levar a infeções pulmonares cada vez mais graves. No aparelho digestivo, podem ser a insuficiência pancreática exócrina, a diabetes relacionada com FQ, síndroma de obstrução do intestino distal, doença hepato-biliar (colestase neonatal, hepatomegalia assintomática). A presença de agenesia do ducto deferente resulta numa azoospermia em cerca de 97% dos homens com FQ, originando infertilidade. Alterações músculo- esqueléticas também podem estar presentes devido à baixa densidade mineral óssea (Damas, Amorim, Gomes, 2008; Kliegman, 2017).

O aumento da investigação, assim como a criação de centros específicos de tratamento da FQ contribuíram para o incremento incessante da qualidade de vida e sobrevida das crianças/adolescentes, permitindo cada vez mais, um grande número de adultos em tratamento representando novos desafios clínicos.

O diagnóstico da FQ tem implicações na esperança de vida e repercussões a nível individual e da respetiva família. Deve ser feito o mais cedo possível para que o tratamento se inicie também precocemente e evitar a angústia destas famílias e as inúmeras idas ao médico e hospitalizações.

O diagnóstico mais fácil de se efetuar é quando se possui uma tríade de sinais e sintomas: história familiar, sintomatologia sugestiva e teste de suor positivo. Por vezes o teste do suor revela-se inconclusivo, mas o doente não deixa de ter FQ (Cutting, 1997; Goldebeck, Zerrer e Schmithz, 2007; Hodson, Geddes e Bush, 2007).

A esperança média de vida destes doentes tem vindo a aumentar: em 1938, 50% dos doentes morriam antes do primeiro ano de vida, passando para os 16 anos em 1970 e de acordo com a Cystic Fibrosis Foundation em 2009 foi de 35,9 anos (Damas, Amorim, Gomes, 2008; Direção Geral de Saúde (DGS), 2015).

É de salientar que “Em Portugal não há dados nacionais, no entanto, de acordo com o

calculado para uma população de doentes em seguimento numa consulta especializada de FQ, a sobrevida média atual é de 30,7 anos.” (DGS, 2015, p. 13).

Em Portugal, desde outubro de 2013, foi integrado no Programa Nacional de Diagnóstico Precoce o rastreio da FQ. Assim, cada vez mais cedo os bebés e os seus pais terão acesso à respetiva consulta mudando-se o paradigma de acompanhamento e tratamento.

O tratamento está associado às manifestações clínicas apresentadas e assenta em três pilares fundamentais: antibioterapia, cinesiterapia e nutrição, devendo ser

seguido por algoritmos e guidelines internacionais baseados em estudos multicêntricos (European Cystic Fibrosis Society (ECFS), 2014; DGS, 2015).

Uma nutrição correta influencia a qualidade de vida do doente e o seu prognóstico, dado que aumenta a capacidade física e respiratória e favorece o crescimento e desenvolvimento dos jovens portadores desta patologia. A qualidade dos alimentos é igual ao de outro jovem normal, as calorias é que devem ser 20 a 50% superiores ao normal, ou seja, a alimentação deverá ser hipercalórica e hiperlipídica. Devido ao envolvimento do sistema pancreático, os doentes estão sujeitos a terapia enzimática de substituição, melhorando assim a digestão e absorção dos nutrientes, proporcionando um ganho efetivo de peso corporal. O recurso a prescrição de suplementos dietéticos orais poderá ser necessário, caso exista perda de peso e pausa no crescimento (DGS, 2015). O pouco apetite referido pelos portadores da doença, a perda de peso destes, a referência à angústia do momento das refeições em família, são fatores que poderão ser indicadores para a prescrição de apoios nutricionais entéricos, complementados com técnicas invasivas: reforço alimentar noturno, em bólus ou contínuo por sonda nasogástrica, gastrostomia ou

Percutaneous Endoscopic Gastrostomy (PEG).

O cumprimento do programa vacinal é recomendado, prevenindo assim infeções, antibioterapia inalatória ou sistémica, imunomodulação da resposta inflamatória, broncodilatação e drenagem das secreções brônquicas (DGS, 2015), visto ser importante o controlo da colonização bacteriana crónica, assim como o reconhecimento e isolamento do microrganismo responsável pela deterioração pulmonar (ECFS, 2014; DGS, 2015). Quando há uma deterioração da função pulmonar comprometedora da vida, existe a hipótese de transplante pulmonar.

Um dos tratamentos muito utilizados são as nebulizações, daí ser necessário fornecer escrita e verbalmente as indicações de utilização dos dispositivos de aerossolterapia e dispositivos de pressão positiva expiratória (ECFS, 2014; DGS, 2015).

Outro pilar do tratamento desta patologia assenta na cinesiterapia respiratória: podendo ser usadas técnicas passivas ou ativas com ou sem dispositivos terapêuticos mecânicos. A frequência destes tratamentos oscila entre diariamente a 2 vezes por semana, de acordo com a prescrição médica e a necessidade do doente. Assim, também qualquer exercício físico que contribua para a melhoria da função respiratória deverá ser incentivado, como por exemplo a natação. As técnicas de

fisioterapia respiratória são, no entanto, individualizadas e adaptadas a cada doente permitindo, assim, atrasar a progressão da doença pulmonar.

Para além destas três vertentes do tratamento, existem novas terapias que estão a ser desenvolvidas para as mais variadas manifestações tentando minimizar as consequências da ausência ou do defeito da CFTR.