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Pretende-se neste capítulo abordar os grandes temas que justificam o percurso efetuado para a concretização deste trabalho, esperando ser uma trajetória percetível e convidativa à compreensão do assunto escolhido. No sentido de explorarmos a compreensibilidade do fenómeno em estudo, estruturamos uma revisão bibliográfica sustentada na doença crónica em geral, o impacte nos seus portadores e familiares, e terminaremos com uma abordagem a uma doença crónica mais específica numa população particular: os adolescentes com Fibrose Quística (FQ).

1. A DOENÇA CRÓNICA

As doenças crónicas atingem milhões de cidadãos, não escolhem idade, abrangendo, desde o nascimento, todas as faixas etárias até à velhice. In PNS, 2010

O significado de doença crónica tem vindo a ser alterado, num sentido positivo, com o passar do tempo, especialmente devido à melhoria dos cuidados de saúde nos últimos anos. Nos países ditos desenvolvidos a doença crónica é um problema prevalente que consome mais serviços de saúde, atingindo todas as faixas etárias.

A temática da doença crónica é uma preocupação expressa no Plano Nacional de Saúde (PNS) de 2012-2016 e respetiva Revisão e Extensão a 2020, sendo este considerado um documento onde estão expressos “um conjunto de orientações,

recomendações e ações concretas, de caráter estratégico, destinados a capacitar e promover o empowerment do Sistema de Saúde para cumprir o seu potencial.” (PNS

2012-2016, versão resumo, p. 22).

Considerando a importância do assunto, no PNS existe um eixo estratégico que implica a participação do cidadão no planeamento e prestação de cuidados de saúde, sendo um dos seus papéis “A educação, …a gestão da doença crónica…e a adesão à terapêutica…

determinantes chave para a melhoria do estado de saúde e do desempenho do Sistema de Saúde” (PNS 2012-2016; 3.1 Eixo estratégico – cidadania em saúde, p. 3).

Para esclarecer o conceito de doença crónica recorremos a vários autores que, apesar de definirem de diferentes formas, são unânimes em identificar determinadas características: a duração, a evolução, a supervisão e os cuidados de gestão da doença.

Hockenberry e Wilson (2011, p. 591) referem que “é uma condição que interfere na

dinâmica diária por mais de 3 meses em 1 ano, causa hospitalização de mais de 1 mês em 1 ano, ou (no momento do diagnóstico) é provável que provoque um dos dois.”

Para a Ordem dos Enfermeiros, nomeadamente no documento Guias orientadores de boa prática em enfermagem de saúde infantil e pediátrica – volume III, refere ser “qualquer doença de evolução prolongada, que exija uma vigilância de saúde e

tratamentos específicos, com vista a uniformizar um padrão de qualidade de vida que vise a normalização.” (OE, 2010, p. 23).

A Organização Mundial de Saúde (OMS/WHO) refere que “Noncommunicable diseases

(NCDs), also known as chronic diseases, tend to be of long duration and are the result of a combination of genetic, physiological, environmental and behaviors factors. The main types of NCDs are cardiovascular diseases (like heart attacks and stroke), cancers, chronic respiratory diseases (such as chronic obstructive pulmonary disease and asthma) and diabetes.” In http://www.who.int/news-room/fact- sheets/detail/noncommunicable-diseases (consultado em outubro de 2018).

Estas definições são muito abrangentes, pois as doenças crónicas são situações problemáticas com amplas repercussões de caráter físico, emocional, psicológico, familiar, social, educacional, profissional e económico e afetam a pessoa em qualquer idade. Logo, o impacte e os mecanismos de resposta e de adaptação à situação de doença crónica vão estar de acordo com o desenvolvimento físico, psíquico, emocional e social do indivíduo e também de acordo com a sua posição na sociedade, para além das especificidades inerentes ao quadro clínico.

De acordo com o documento elaborado pelo European Observatory on Health Systems and Policies “What these diseases have in common is that they need a long-term and

complex response, coordinated by different health professionals with access to the necessary drugs and equipment, and extending into social care. Most health care today, however, is still structured around acute episodes. Given this background, the management of chronic disease is increasingly considered an important issue by policy-makers and researchers. Policy-makers across Europe are searching for interventions and strategies to tackle chronic disease.” (Busse et al, 2010, p. 1).

A pessoa portadora de uma doença crónica requer o envolvimento de todos os elementos da sociedade para se adaptar e ultrapassar as limitações impostas pela diferente patologia. Deverão ser construídas estruturas de apoio, de encaminhamento, de prevenção e tratamento e acionar os serviços sociais e políticos para proporcionar planos de bem-estar e qualidade de vida a estas pessoas e seus familiares.

O Center for Managing Chronic Disease – University of Michigan descreve, graficamente, a doença crónica como um conjunto de círculos onde o centro corresponde ao comportamento de autogestão da pessoa doente e o círculo externo,

aquele que envolve todos, corresponde à atuação dos modelos políticos. O esquema apresentado mostra como o doente crónico (centro do círculo) é rodeado e apoiado pela família, pelos sistemas e práticas clínicas, pela escola/trabalho, pela ação e consciencialização da comunidade, pelas medidas ambientais e, na parte externa, mas compreendendo todos os anéis anteriores, encontra-se a dimensão política.

Figura 1 - Círculos de influência na doença crónica; extraído e traduzido de: https://cmcd.sph.umich.edu/about/about-chronic-disease/

O uso de modelos teóricos, com recurso a linguagem simplificada, contribui para que os cuidados de enfermagem sejam prestados numa perspetiva mais direcionada para as necessidades dos doentes e adaptados a novas circunstâncias ambientais e sociais. Assente nestas premissas, Corbin e Strauss em 1992, construíram um Quadro de Trajetória de Doença Crónica, sendo este revisto em 1998. O Modelo de Trajetória refere-se não só ao curso da doença crónica, como também às ações tomadas pelos vários participantes no sentido de adaptar ou controlar esse rumo.

Estes autores referem que, para se ajustarem as ações de enfermagem correspondentes aos problemas dos doentes, as variáveis mais importantes neste percurso são: a fase da doença, o seu impacte biográfico e o impacte na vida quotidiana. Perante este cenário, o modelo está dividido nas seguintes fases: a pré- trajetória (fatores genéticos e/ou ambientais que contribuem para o aparecimento da doença crónica); o início (presença de sinais e sintomas e diagnóstico da doença); a fase estável (a pessoa mantém as suas atividades normais, o tratamento controla os sintomas); a fase instável (período de impossibilidade de manter os sintomas controlados); aguda (apresentam sintomas mais severos e sem alívio dos mesmos, podendo necessitar de hospitalização); fase de crise (situação que possa necessitar de cuidados de emergência); retorno (regresso a uma forma aceitável e estável da doença); fase de decadência (deterioração progressiva e gradual do estado clínico,

Autogestão pessoal Envolvimento familiar

Conhecimento clinico especializado e sistemas Apoio no trabalho/escola

Consciencialização da comunidade e ações Medidas ambientais

Diretrizes políticas

agravamento da incapacidade e dos sintomas, alteração das atividades de vida quotidianas) e morte (em momentos que antecedem a morte a pessoa poderá encontrar-se em paz esquecendo os seus interesses).

O reconhecimento e identificação da fase em que se encontra o doente, apesar de não ser possível fazer uma análise linear, é importante para o acompanhamento do doente e assim incentivar a adequada gestão da doença; sendo para isso necessário operacionalizar o Modelo de Trajetória num processo de resolução de problemas. Nesta perspetiva, a operacionalização é feita através da colheita de dados, priorização dos problemas, definição de um plano de ação apropriado, implementação do plano e acompanhamento do mesmo (Corbin e Strauss, 1998).

As condições que influenciam a gestão adequada da doença crónica são “o tipo,

quantidade, complexidade, duração da tecnologia e do tratamento; recursos humanos e financeiros disponíveis; experiência prévia do doente; motivação do doente e da família; ajuste no atendimento; estilo de vida e crenças; interações e relacionamentos entre os participantes nos cuidados; tipo e estadio da doença; sintomas; fatores políticos e económicos.” (Nolan e Nolan, 1995, p. 146).

A doença crónica afeta a pessoa, a família, a interação trabalho-família-trabalho, a escola, os amigos e a sociedade em geral.