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Visto que a fenomenologia estuda a essência por meio do fenômeno, ela será considerada como metodologia para fins de reflexão do conceito da dança-jogo e como guia para compreensão do ser humano e seu corpo no mundo, tendo como ponto de partida o estudo da percepção de Merleau-Ponty. Nesse sentido, entende-se que a

[...] fenomenologia traz uma compreensão de consciência que é a de uma vivência do homem no mundo, e que confere ao homem um saber que é seu, individual e particular, uma consciência do seu ser no mundo, do seu corpo e da capacidade de aprender do corpo. Confere ao homem a capacidade infinita de conhecer o mundo e a si próprio, de construir sua relação com as coisas, dar significado à sua existência (ROSA, 2008, p. 66).

Essa capacidade de aprender no corpo, abordada pela fenomenologia, é diretamente ligada à ideia inicial do desenvolvimento desta pesquisa, que visa trabalhar a dança-jogo na escola, fenômeno que abrange a consciência do corpo em sua prática. Dessa maneira, as experiências compartilhadas nesta pesquisa foram descritas no sentido de mostrar o fenômeno, interrogando-o para compreendê-lo. Esta pesquisa foi organizada de modo a colocar os fenômenos (experiências) em suspensão, descrevendo o que é visto para deixar somente o essencial. Nessa direção, Bicudo (1994, p. 21) afirma que “A essência do fenômeno é mostrada pela realização de uma pesquisa rigorosa que busca as raízes, os fundamentos primeiros do que é visto (compreendido) e o cuidado com cada passo dado na direção da verdade (‘mostração’ da essência)”.

Além de compreender a essência do fenômeno, Rosa (2008, p. 66) postula que “cada experiência é única, de um ângulo, de uma atenção e de um corpo singular”

e que “As experiências de nosso corpo construirão a nossa existência, darão significados a nossos projetos e ao conjunto de processos vividos. Experiências de um corpo pensamento, de um corpo de arte, de um corpo que dança” (ROSA, 2008, p. 67). Nesse sentido, a dança-jogo, como experiência, possibilita unicidade do

momento para cada indivíduo e abre caminhos para que essa experiência construa sentidos importantes para nossa existência, sendo, assim, de extrema importância para o processo vivido.

Para a realização deste trabalho, a coleta de dados ocorreu no ano de 2019, na Escola Municipal Deputado Erivan França, em Pirangi do Norte, no município de Parnamirim (RN) e no Departamento de Artes da Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN). Como recurso metodológico para análise dos dados e investigação do fenômeno, foram utilizados o manuseio de vídeos, fotos e o diário de bordo de pesquisadora. Como participantes deste estudo, foram escolhidos os alunos dos quintos anos da Escola Municipal Deputado Erivan França, além de discentes da disciplina Poéticas e Estéticas Descoloniais, do curso de pós-graduação e graduandos na disciplina Dança e Educação, do curso de graduação em Dança.

Os dados foram coletados a partir do olhar de pesquisadora sobre a experiência de jogos proposta aos alunos durante as aulas de dança nesses três momentos citados, observando as relações estabelecidas nos movimentos que levaram ao termo dança-jogo, tendo em vista que a fenomenologia considera a experiência

[...] como fonte de conhecimento, também aponta para a impossibilidade de que um único olhar para o fenômeno defina-o por completo, pois não há uma única explicação ou definição para o fenômeno que se conhece, sendo esse a relação do meu corpo singular com o fenômeno (ROSA, 2008, p. 67).

Nesse sentido, foi necessário analisar as relações individuais de cada um no coletivo durante a investigação desta pesquisa, uma vez que a proposta dos jogos acontecia em grupos e no desenvolvimento das relações corporais na investigação da dança-jogo. Como exemplo, destacamos um dos momentos relatados anteriormente com o grupo de colegas de pós-graduação, durante uma das disciplinas, quando o grupo de participantes escolheu o jogo “queimada” para jogar. Nem todos sabiam das regras exatas desse jogo, então, foi necessário que alguns dos participantes compartilhassem suas experiências prévias para que todos pudessem participar do jogo escolhido, possibilitando, assim, que todos jogassem.

Como propositora externa da dança-jogo, ao solicitar que a partir de determinado momento eles parassem de jogar “queimada” e começassem a dançar com aquelas movimentações prévias – configurando, assim, a dança-jogo –, os discentes e docentes trouxeram suas experiências individuais para a criação,

relacionando, dessa forma, os corpos singulares de cada um com o fenômeno. Dessa maneira,

[...] as experiências de nosso corpo construirão a nossa existência, darão significados a nossos projetos e ao conjunto de processos vividos.

Experiências de um corpo pensamento, de um corpo de arte, de um corpo que dança. De um corpo singular e universal, por consequência de suas experiências e de seus projetos (ROSA, 2008, p. 67).

Após a finalização do experimento, foi perceptível, nas falas de alguns participantes, a importância desse momento para sua criação na perspectiva da dança-jogo, de modo que foi mencionado levar essa experiência para outros grupos artísticos. Por isso, considera-se a investigação do fenômeno, nesta pesquisa, a partir das experiências vividas em cada grupo participante como forma de analisar os corpos singulares e suas relações para a criação na dança-jogo no ensino da dança, mas abrindo a possibilidade também a trabalhos artísticos em geral.

4 CONSIDERAÇÕES FINAIS

No primeiro ano como professora da rede pública, em 2016, houve um momento em que veio o questionamento: “como posso melhorar a minha forma de ensinar de modo que esses alunos se sintam motivados?”. Essa pergunta levou a fazer pesquisas em diversos autores, periódicos, livros, revistas e a iniciar essa jornada no mestrado acadêmico.

Em 2018, dois anos após essa pergunta, veio a percepção de que os jogos que envolviam expressão corporal, como os teatrais, poderiam auxiliar o ensino da dança em sala de aula, pois traziam elementos que atraíam a atenção e a participação dos alunos, como a diversão e outras possibilidades de movimento. Entretanto, a dança não estava ocorrendo e o objetivo de aula não estava sendo alcançado, de maneira que alunos jogavam, mas a movimentação realizada não chegava a ponto de se tornar dança.Os jogos aparecem como parte do processo de construção de conhecimento durante as práticas pedagógicas de dança em sala de aula com alunos da escola lócus desta pesquisa, com os graduandos do curso de dança e com os colegas de mestrado em artes cênicas durante do desenvolvimento de uma disciplina.

A partir dessa constatação, foi necessária uma pesquisa mais aprofundada para que a aula contemplasse os conteúdos da dança e também para que os alunos se sentissem motivados a participar. Perceber que há uma linha tênue entre a dança e o jogo é fundamental para se estudar o termo desenvolvido nesta pesquisa: dança-jogo. Compreender essa linha transacional foi essencial para o objetivo deste estudo e seu desenvolvimento nas aulas de dança. Por isso, foi proposta esta investigação acadêmica, considerando a dança-jogo como parte da aula de dança não somente na escola onde esta pesquisa se iniciou mas também onde possa acontecer.

Propor a dança-jogo como uma possibilidade de aula é uma tarefa que se apresentou como a essência desta pesquisa. Descobrir que essa essência da dança-jogo sempre esteve presente como artista da dança foi fundamental para o desenvolvimento desse termo e para atingir o objetivo de motivar os alunos em sala de aula, pois desde a primeira experiência na dança, como bailarina no Grupo de Dança Popular do Colégio Marista de Natal, aos 14 anos, frases como “Dancem, brinquem e sorriam” ficaram na memória corporal até hoje. Frases de positividade como essa, a alegria presente nas coreografias e as relações de troca com os demais

participantes do grupo mostraram que esses são sentimentos e sensações que devem ser levadas aos alunos.

Nesse sentido, para proporcionar um ensino de dança mais prazeroso, com mais leveza e que os alunos se motivassem, foi necessário resgatar e cultivar memórias que vieram da escrita para que tudo fizesse um sentido no final. E fez. Ao definir os objetivos desta pesquisa tendo como ponto central o aluno e seu aproveitamento da aula de dança, foi necessário descrever experiências que envolviam jogos que precederam todo o conceito de dança-jogo. Alguns deles foram os jogos teatrais, na fase inicial da pesquisa, de concentração e de improvisação em dança. Os participantes deste estudo também criaram seus próprios jogos quando a pesquisa começou a se desenvolver e descobriram outras formas de se jogar um mesmo jogo, como nas conversas em sala de aula com os alunos graduandos. Nesse momento, foi possível observar jogos que já existiam virando coreografias de dança.

Ademais, a proposta inicial desta pesquisa não visava à criação de coreografias ou espetáculos de dança como objetivo, visto que ainda era preciso desenvolver o termo da dança-jogo e focar no processo desse fenômeno enquanto estava acontecendo. Vale salientar que as coreografias e os espetáculos podem acontecer, mas não são o foco principal da dança-jogo em sala de aula nesta pesquisa.

Por isso, a dança-jogo é uma maneira de não só alunos mas também artistas e profissionais da dança criarem na dança. Considerou-se, neste estudo, que grande parte dos jogos tem regras e envolve movimentação corporal com uma ou mais ações que se repetem. A partir de um jogo conhecido pela maioria dos jogadores, levando em consideração essas ações repetitivas no jogo escolhido, os participantes podem começar a jogar. Para a dança-jogo, é necessário que haja um propositor, que observe o jogo com o olhar externo e dê o comando de quando o jogo deve virar dança: “a partir de agora é dança-jogo!”.

Desse momento em diante, o jogo vira dança-jogo, pois as ações realizadas anteriormente podem continuar, mas a intenção de jogo (quando há um objetivo a ser alcançado) encerra-se. Então, esse momento vira uma cena e os dançarinos-jogadores ficam livres para mudar as movimentações de acordo com as relações de troca entre os participantes e a improvisação dentro da cena. A dança-jogo pode durar o tempo que os participantes levarem ou o tempo de aula disponível.

Devido às oportunidades existentes a partir dessa proposição de aula, destacamos que toda esta pesquisa foi possível de ser realizada com o fim de que os alunos tirem o melhor proveito de uma aula de dança e possam, de alguma forma, sair transformados da aula, com perspectivas, reflexões e implicações que tenham outros desdobramentos em suas vidas. Observar o desenvolvimento da dança-jogo nos corpos de jovens adultos, graduandos, artistas e futuros professores de dança foi recompensador ao ouvir, em suas falas, que viam aquela proposta de aula como caminho para as suas realidades também. Perceber o envolvimento de colegas de mestrado e discentes da pós-graduação em Artes Cênicas nessa proposta de aula e a doação de cada um a esse experimento é enriquecedor.

Nesse processo, é necessário perceber que o compartilhamento de ideias de autores que envolvem a dança educação como Teodora Alves, Carolina Romano, Kathya Godoy, Karenine Porpino, Isabel Marques e muitos outros foram de suma importância para que as reflexões, neste trabalho, ocorressem de maneira acadêmica e para que seus desdobramentos ocorressem ao longo do texto. Ainda é preciso experimentar outras inúmeras vezes esse fenômeno da dança-jogo e observar seus desdobramentos nos mais diversos espaços em que ela possa acontecer, como em sala de aula, laboratórios de criação, quadras esportivas, praças ou ruas. Esperamos que qualquer espaço seja uma possibilidade para a dança-jogo e suas experimentações, descobertas e improvisações. Por fim, que esta seja mais uma forma de pesquisa e maneira de produzir conhecimento na área da dança.

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