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5. O MÉTODO DE ENSINO DE FILOSOFIA PARA CRIANÇAS EM MATTHEW

6.1. A filosofia para crianças formando sujeitos autônomos e críticos

Partiremos do conceito dos frankfurtianos, tratado no capítulo 2 da referida dissertação, para analisarmos sobre o pensamento autônomo no ensino de filosofia para crianças proposto por Matthew Lipman, assim autonomia é fazer uso do próprio entendimento para pensar a realidade social. Deve ser autoconsciente, crítico, resistente ao assujeitamento do modelo de Indústria Cultural, do capitalismo.

De tal modo, podemos investigar se o programa de filosofia para crianças em Matthew Lipman possui elementos pedagógicos e filosóficos que pressupõe a formação do pensar por

si, próprio de sujeitos autônomos capazes de fazerem a reflexão crítica que denuncia à hegemonia da formação cultural massificada. No entanto, em primeiro lugar faremos a ressalva de que Matthew Lipman não tinha o interesse em si, de abordar especificamente as questões frankfurtianas, porém seu programa acaba por permitir uma educação que visa esse pensar autônomo, pois possibilita abordar um contexto amplo de questões que tocam as preocupações pedagógicas de Adorno. Como podemos observar a seguir.

A primeira preocupação de Matthew Lipman é se as pessoas possuem critérios para distinguir um pensamento melhor que o outro, levando em consideração que nem a própria realidade é tão clara para as crianças. Assim, Lipman reflete que tal pensamento humano se constrói como algo mental e particular e isso, em certa medida, causam confusão, visto que torna difícil mensurar um pensamento subjetivo, se é válido ou não. Para resolver este problema, o professor e filósofo Matthew Lipman, faz uma relação entre pensamento e diálogo colocando que a preposição mais comum, de que a reflexão gera o diálogo, é falsa, e, portanto defendendo que o diálogo é que gera reflexão, ou seja, pensamento autônomo. Conforme Lipman (2014):

Quando as pessoas se envolvem num diálogo, são levadas a refletir, a se concentrar, a levar em conta as alternativas, a ouvir cuidadosamente, a prestar muita atenção às definições e aos significados, a reconhecer alternativas nas quais não havia pensado anteriormente e, em geral, realizar um grande número de atividades mentais nas quais não teria se envolvido se a conversação não tivesse ocorrido. (p. 46)

Para defender esta relação da formação do pensamento autônomo e do diálogo, Matthew Lipman, levanta as questões: “Quais são os acontecimentos mais memoráveis e mais estimulantes de um dia escolar? As aulas? As lições? As apresentações? As provas? Ou as discussões de que todos participam e falam sobre o que lhes interessa enquanto seres humanos?” (LIPMAN, 2014, p. 46) Assim, segundo Matthew Lipman, numa discussão, os estudantes refletem sobre o que dizem, sobre os que os outros falam, refletem sobre os argumentos refutados, tentam imaginar o que pode ser dito, e faz intercâmbio de ideias, isso tudo gera um pensamento mais estruturado. Lipman conclui que “o pensamento é a internalização do diálogo.” (LIPMAN, 2014, p. 47)

A partir disso, Matthew Lipman propõe como metodologia da Comunidade de Investigação e o diálogo, como ápice, e exercício para a formação do pensamento autônomo,

crítico e reflexivo, longe do pensamento autônomo ser considerado um pensamento de opiniões próprias sem reflexão, por isso que como podemos averiguar na seguinte citação:

Num diálogo, o raciocínio superficial é atacado e criticado; não se permite que se passe sem ser questionado. Os participantes da discussão desenvolvem atitudes críticas voltam a fazer parte da nossa própria reflexão. E já que aprendemos as técnicas do exame crítico dos processos de pensamento e dos modos de expressão das outras pessoas, consideramos cuidadosamente o que as outras pessoas poderiam dizer sobre a nossa própria contribuição. (LIPMAN, 2014, p. 47)

Matthew Lipman também vai considerar o fato de que o método da Comunidade de Investigação em sala de aula pode falhar e isso acontece quando os diálogos não funcionam. O autor leva em consideração que em um determinado diálogo as crianças podem dar risadas, não prestarem atenção à discussão, ou todos conversarem ao mesmo tempo, até podem estar falando ordenadamente, interessadas apenas nas suas opiniões, mas sem escutar o que cada um está argumentando, despreocupados em elaborar seu pensamento a partir da fala dos outros. Portanto, é necessário empenho no que estão fazendo para acompanharem com atenção o diálogo. Partindo de que o professor pode encontrar este ambiente desconforme, Matthew Lipman questiona o que levaria uma criança a gostar de participar de uma comunidade que possui regulamentos e regras. Sua defesa em relação à Comunidade de Investigação e o processo de diálogo são de que a criança é um ser social, porém necessita encontrar um ambiente em que tendências sociais podem se expressar de forma construtiva. (LIPMAN, 2014, p. 47-48)

Assim, Matthew Lipman justifica que as crianças ficam caladas em sala de aula, não porque não tem algo a falar, mas por medo de serem rejeitados pelos outros, dessa forma Lipman considera que o professor tem a tarefa de promover uma comunidade de respeito mútuo. Reitera Lipman sobre a importância do diálogo na formação do pensamento autônomo: “Para as crianças de qualquer estágio, o diálogo é uma fase indispensável do processo.” (LIPMAN, 2014, p. 49)

Matthew Lipman defende que a Comunidadade de Investigação e o diálogo ajudam as crianças aprenderem a pensarem por si mesmas quando em primeiro lugar ajudam as crianças desenvolverem a capacidade de raciocínio, que possui coerência e inferências lógicas – inferências a partir de percepções simples e inferências a partir de diversos tipos de dados. Conforme Lipman: “Filosofia para Crianças deveria incentivá-las a fazerem melhores

inferências, ajudá-las a identificar a evidência e reconhecer as inferências incorretas.” (LIPMAN, 2014, p. 101)

Em segundo lugar a Comunidadade de Investigação e o diálogo ajudam as crianças aprenderem a pensarem por si mesmas quando ajudam as crianças ao desenvolvimento da criatividade, através do estímulo do uso do pensamento lógico mediante as atividades criativas, como: jogos, dramatizações, marionetes, explorando os significados dessas experiências. Sobre ajudar ao desenvolvimento da criança, Matthew Lipman, afirma que “Ajudar as crianças a crescerem significa criar desafios adequados a cada estágio... O seu crescimento depende também do estímulo dado a sua criatividade e a sua capacidade de invenção.” (LIPMAN, 2014, p. 102)

Em terceiro lugar, a Comunidade de Investigação e o diálogo ajudam as crianças ao crescimento pessoal, interpessoal, e em quarto lugar ajudam as crianças ao desenvolvimento da compreensão ética, quando a discussão possibilita promover consciência de que existem outras personalidades, interesses, valores, crenças e preferências, além de que se comunicar e expressar as ideias próprias podem produzir um crescimento da autoconfiança, da maturidade emocional e uma autocompreensão geral, ajudando as crianças a clarificarem juízos morais bem fundamentados, sensibilidade, cuidado e interesse ético. (LIPMAN, 2014, p. 103-105) “O aumento da sensibilidade é um dos subprodutos mais valiosos da comunicação em sala de aula.” (LIPMAN, 2014, p. 103)

Em quinto lugar, a Comunidade de Investigação e o diálogo ajudam as crianças a desenvolverem a capacidade de encontrar sentido na experiência, conforme Matthew Lipman há diversas maneiras das crianças descobrirem significados nas experiências: descobrindo nos argumentos das discussões “as alternativas, a imparcialidade, a coerência, a possibilidade de dar razões para as nossas crenças, a globalidade, as situações, e as relações entre as partes e o todo.” (LIPMAN, 2014, p. 107) Brocanelli, 2010, comenta sobre a importância do sentido da busca de significados do método lipminiano:

O que poderia estimular a participação e conservar as crianças e os jovens na busca de significados é o contato com um ambiente investigativo e dialógico; neste ambiente as crianças passarão a descobrir os significados embutidos nas informações transmitidas na aula. Isso não exige exatamente textos da Filosofia, mas a presença de textos e temas que incitem as crianças à investigação e ao diálogo. (BROCANELLI, 2010, p. 32)

Ao permitir que essas habilidades se desenvolvam nas crianças a metodologia lipminiana da Comunidade de Investigação e do diálogo em sala de aula permite a formação de crianças com pensamento autônomo e crítico, enquanto que ao mesmo tempo promove nas crianças a capacidade de raciocinar com fundamento de análise crítica e autoconsciente, sensíveis a compreensão ética e a globalidade das evidências e fatos, levando-os as próprias inferências, com a capacidade de raciocinar – própria investigação filosófica – que questiona o porquê e a veracidade da realidade dada.

Ressaltamos em seguida, a formação do sujeito autônomo e crítico e sua relação com ideal político de democracia no exercício da cidadania, o qual se dá mediante emancipação do sujeito.

Neste sentido apresentamos o pensamento da professora Leleux (2008), a qual elucida sobre a educação emancipatória e a formação para a cidadania autônoma dentro do protótipo do ensino de filosofia para crianças de Matthew Lipman. Para a professora a educação emancipatória e a formação para a cidadania se concretiza quando a criança chega à juventude e se percebe corresponsável mediante a promoção da superação dos obstáculos sociais. Mediante a essa atitude, o jovem se percebe possuidor de arcabouço teórico e critico capaz de, por exemplo, resistir à cultura industrial frankfurtiana. Assim a professora Leleux reflete sobre a formação da cidadania no ambiente escolar, apontando competências interdependentes que vão de encontro à formação da cidadania na perspectiva do sujeito autônomo, são elas: a autonomia individual, a cooperação social e a participação pública. (LELEUX, 2008, p. 193)

De tal maneira, Leleux (2008) explica sobre essas competências e sobre as dimensões humanas que se correspondem às competências da autonomia individual, da cooperação social e da participação pública, como podemos observar a seguir:

[...] estas três competências, fazem referência, de um ponto de vista sistemático, as três dimensões do homem: a primeira refere-se ao indivíduo como ser singular, único, indivisível; a segunda faz referência a ser-para- outro que, ao contrário da ideia que prevaleceu durante séculos, não pode construir uma identidade fora de interações com os outros e não pode construir-se como ser social; [...] a terceira competência, a participação pública do indivíduo, faz referência à sua dimensão de cidadão. (LELEUX, 2008, p. 193)

De acordo com Leleux (2008) essas três dimensões abrangem os três conceitos filosóficos políticos de: Indivíduo, Sociedade Civil e Estado. O Indivíduo (esfera privada ) e a

Sociedade Civil (esfera pública), suas relações interpessoais, e o Estado (conjunto de inter relações públicas), além de que essas dimensões remetem também aos ideais de valores da democracia moderna: a liberdade, a solidariedade e a igualdade de direito perante a participação pública. (LELEUX, 2008, p. 193)

Sobre a autonomia individual Leleux (2008) expõe três tipos de autonomia (a autonomia intelectual, a autonomia moral, a autonomia afetiva); com relação à autonomia intelectual a autora elucida que o livre-exame do pensamento, o pensar por si mesmo, tratado pelo professor Lipman, faz parte de competências primordiais para uma aquisição de uma cidadania participativa, reflexiva e crítica, que favorece a construção do pensamento capaz de integrar a crítica refletida sobre a política e a sociedade. Conforme expõe a autora Leleux (2008):

O protocolo de Matthew Lipman – o questionamento, a classificação de questões, assim como a Comunidade de Investigação – é um dos meios de desenvolver essas aptidões a conceitualizar e a generalizar. Pode ser a oportunidade de favorecer a desconcentração cognitiva e de fazer com que os jovens reflitam sobre a ligação conceitual que une os direitos e os deveres. (LELEUX, 2008, p. 195)

Com relação à autonomia moral a autora elucida que, o pensar por si mesmo, tratado pelo professor Lipman, assim como a autonomia intelectual a maneira reflexiva e auto- reflexiva, segundo uma “ética da discussão”, pode levar o jovem a refletirem sobre questões da vida, do verdadeiro, do bem, do justo, do belo, sem doutrinação. Conforme expõe a autora: “A esse respeito, ‘comunidade de investigação’, tal como a compreende Lipman, é um exemplo de experiência do pluralismo compartilhado.” (LELEUX, 2008, p. 196)

Em relação à autonomia afetiva a autora elucida que, o pensar por si mesmo, ou formação para o julgamento, pode ajudar o jovem a dominar sua afetividade pela auto reflexão. De acordo com a autora: “A competência de julgar por si mesmo poderia assim favorecer a capacidade de agir no sentido do julgamento por um movimento de interiorização da regra.” (LELEUX, 2008, p. 196)

Sobre a cooperação social Leleux (2008) considera o programa de Matthew Lipman oportunizante para as crianças mediante situações nas quais a cooperação seja experimentada como a comunidade de investigação, conforme relata a autora: “A comunidade de investigação, preconizada por Matthew Lipman no protocolo da filosofia para crianças, é uma das ferramentas pedagógicas capaz de desenvolver habilidades cooperativas das

crianças. Falar-se, ouvir-se, investigar junto e coordenar-se, responder-se e etc.” (LELEUX, 2008, p. 199)

Por fim, Leleux (2008) faz considerações sobre a participação pública referente à formação do cidadão, do sujeito emancipado. Em primeiro, a autora ressalta que o advento da democracia moderna garante ao cidadão seus direitos e deveres, como também a legitimidade dos representantes políticos, porém a sociedade carece de serem críticas e bem informadas nas questões políticas. Em segundo, esclarece a autora, que na democracia não são mais os partidos políticos ou as organizações ditas representativas que possuem legitimidade para substituir a vontade dos cidadãos, no máximo, são porta-vozes dos cidadãos. Em terceiro, na sociedade democrática o cidadão deve ser participativo nas decisões e nas orientações políticas, para poder assim recobrar sua legitimidade. Diante da democracia moderna a escola deve cumprir com a responsabilidade de criar condições de ordens pedagógicas em via de competências para a participação pública, como aponta Leleux (2008): “Se a escola pretende contribuir, como sempre contribuiu no passado, para integrar politicamente as novas gerações, ela deverá fazê-lo dotando-as de competência para participar, e não somente para se fazer representar.” (p. 200)

Conforme Leleux (2008) as aptidões que forma o cidadão emancipado tem a sua relevância, pois capacita os jovens para a esfera pública para “defender um ponto de vista, ainda que provisoriamente, ouvir os argumentos diversos, deliberar com os outros, se necessário, uma ‘resistência’ ao poder público estabelecido.” (p. 200) Vale aqui ressaltar a educação emancipatória adorniana, quando o cidadão participando da esfera pública consegue ser crítico à própria realidade social, com propostas de novas soluções para os problemas sociais. Assim, Leleux (2008), discorre sobre a importância da comunidade de investigação como metodologia pedagógica que auxilia a formação do sujeito autônomo, crítico e emancipado:

A ‘comunidade de investigação’ do protocolo lipminiano é um dispositivo

pedagógico que favorece o desenvolvimento de competências

comunicacionais de escuta e de diálogo, da capacidade de julgar, escolher, decidir e responder por seus julgamentos e suas ações, de expressar um ponto de vista e de argumentar para convencer pares. Vivenciar uma ‘comunidade de investigação’ favorece ainda as aptidões de (re) conhecer os procedimentos democráticos, inclusive aquelas que permitem modificá-los, delegá-los e de se fazer representar. (LELEUX, 2008, p.200-201)

Neste sentido, o âmbito escolar, na proposta de ensino para crianças lipminiano, propicia aos jovens a serem cidadãos legítimos, quando são capazes de refletirem e discutirem sobre o próprio ensino que lhes é conferido. (LELEUX, 2008, p.201)

Partindo da premissa acima levantamos a seguinte crítica: Será que as crianças e os jovens que têm acesso ao ensino de filosofia para criança, também são capacitados a refletirem e discutirem sobre o próprio método lipminiano de ensino? Será que estariam aptos a discutirem porque o projeto de inserção do ensino de filosofia para crianças na rede pública do ensino brasileiro ainda não se consolidou. Conforme Silveira (1998), essa realidade se dá porque “essas escolas não tem recursos financeiros para compra de materiais para alunos e professores, além da remuneração dos monitores.” (p.33-34) Será que é feita a crítica que este ensino não consegue se legitimar pelo fato de não ser democrático, no sentido de atingir todos os estudantes, inclusive da rede pública?

A partir da análise crítica podemos levantar as seguintes inferências: 1. O ensino de filosofia para crianças, que em sua origem tem a intenção de atingir a classe social mais desfavorecida, acaba de se tornar aquilo que não deveria, elitizada, pois se tornou disponível no Brasil, na maioria dos casos, para alunos de escolas privadas, em vez de proporcionar uma educação emancipatória, o ensino de filosofia para crianças no território brasileiro, acaba perdendo sua vocação social; 2. Este ensino acaba sendo tão valorizado, porém ao mesmo tempo, acaba sendo produto de mercadoria de venda para escolas privadas no Brasil, podendo ser vendida em escolas privadas como merchandising, expondo o ensino de filosofia para crianças como atividade pedagógica, com o intuito de tornar a escola competitiva no mercado por ter apresentado uma especialidade educacional. (SILVEIRA, 1998, p.33-34)

Podemos inferir que o programa de ensino de filosofia para crianças lipminiano possui em sua essência metodológica a via educacional que possibilita a formação de sujeitos autônomos e críticos, com capacidade de exercerem uma participação cidadã consciente em sua realidade social, resistindo ao assujeitamento da sociedade moderna que cada vez mais instrumentaliza o conhecimento para torná-lo produto de mercadoria, na perspectiva da Indústria Cultural. Porém, ressaltarmos que o programa lipminiano, na esfera da educação brasileira, ainda se encontra com bastantes dificuldades, principalmente barreiras financeiras e de políticas públicas efetivas, a fim de torná-la democrática.

Capítulo 6.1.1 Sobre a importância do professor: ensinando filosofia para crianças na