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3. ANÁLISE INSTRUMENTAL REFERENCIAL: ANÁLISE CONCEITUAL

3.1 Sobre o conceito de esclarecimento e a autoconsciência na dialética do

O que os homens querem saber da natureza é como empregá-la para dominar completamente a ela e aos homens. Nada mais importa. Sem a menor consideração consigo mesmo, o esclarecimento eliminou com seu cautério o último resto de sua própria autoconsciência. (ADORNO; HORKHEIMER, 1985, p. 20)

O conceito de esclarecimento, proposto por Adorno e Horkheimer, se configura a partir da crítica que os mesmos fazem ao progresso tecnicista da modernidade na perspectiva da sociedade capitalista, na qual, define o homem, no apogeu do esclarecimento positivista, como aquele que domina a natureza. No entanto, a crítica aponta que este homem moderno, detentor do esclarecimento ou conhecimento técnico, acredita ter alcançado a tão sonhada e

prometida liberdade – dos medos, tanto da natureza interna, como externa – entretanto, não percebe o homem, a sua própria acomodação a perene reprodução da necessidade.

O que está em questão referente à crítica ao esclarecimento é o fato de que o domínio que o homem tem sobre a natureza é marcado também pela sua própria incapacidade de se pensar sobre o que configura o próprio esclarecimento, no qual, se reveste de liberdade, mas que na verdade, aprisiona o próprio homem nas estruturas da aparelhagem econômica do capitalismo, tornando-o um mero reprodutor da burguesia em suas relações de produção. Portanto, segundo a teoria crítica, o homem moderno, tido como detentor do esclarecimento, perde a capacidade de autocrítica pela mesma razão que lhe falta autoconsciência da realidade ao qual está inserido. (ADORNO, HORKHEIMER, 1985)

De certo, constatamos no homem, sujeito do esclarecimento modernista, a ausência da autoconsciência ao próprio esclarecimento – fruto de sua própria busca desenfreada pela liberdade humana, das potências míticas da natureza, de tal forma que fora construída na modernidade uma relação intrínseca entre poder e conhecimento referente à racionalização filosófica e científica, fruto da operacionalização da razão. É nessa perspectiva, que o conceito de esclarecimento aparece, como podemos esclarecer em Adorno e Horkheimer (1947), apresentado por Zuin et. al., 2001:

O esclarecimento é um termo traduzido do alemão (Aufklärung) para o português, pelo tradudor Guido Antônio de Almeida, sua opção se justifica na seguinte exposição: O termo esclarecimento (Aufklärung) é mais coerente do que o Iluminismo porque não fica restrito a um período histórico tal como o do ‘século das luzes’, esclarecimento diz respeito ao longo período de racionalização – espelhado na filosofia e na ciência – em que os homens tentam se libertar das potências míticas da natureza, mas acabam submetidos a condições sociais que exigem a regressão das suas próprias capacidades. (p.46)

Faz aqui presente o conceito de esclarecimento no qual leva em consideração um saber com especificidade, ele é, portanto, um saber prático referente à produção técnica e a cientificidade. A ausência de autoconsciência aponta a ingenuidade do esclarecimento que visava o pensamento da funcionalidade da ciência como aquela única que promoveria auxílio para a vida prática humana. Esta visão põe à margem o conhecimento metafísico, filosófico, em favor do conhecimento operacional, dito por eficaz, conforme podemos constatar em Adorno e Horkheimer (1985),

[...] o que importa não é aquela satisfação que, para os homens, se chamava ‘verdade’, mas a ‘operation’, o procedimento eficaz. Pois não é nos ‘discursos plausíveis’, capazes de proporcionar deleites, de inspirar respeito ou de impressionar de uma maneira qualquer, nem em quaisquer argumentos verossímeis, mas em obrar e trabalhar e nas descobertas de particularidades antes desconhecidas, para melhor prover e auxiliar a vida, que reside o verdadeiro objetivo e função da ciência. (p.20)

Nesse sentido, Zuin et. al., 2001, aponta também esta mesma ingenuidade de pensamento, de que o verdadeiro conhecimento era possuidor do caráter de sistema dedutivo único, lógico formal, e que este seria capaz de solucionar todos os problemas oriundos das relações sociais. Esta visão objetivava abalar os fundamentos de explicações provenientes de mitos substituindo pelo saber, chamando a filosofia antiga de estéril por se distanciar do empirismo de Bacon, cujo leva critérios da utilidade e da calculabilidade tecnológica, conforme expõe a seguir:

Os critérios definidores da essência do conhecimento seriam a utilidade e a calculabilidade. Não é por acaso que os frankfurtianos citam Bacon como um dos primeiros grandes entusiastas e defensores de um saber que se afastasse da ‘estéril filosofia aristotélica e se aproximasse de uma perspectiva de aplicação empírica. É verdade que Bacon era consciente da relevância de Aristóteles para a construção da filosofia ocidental. Porém criticava seus conceitos, pois, se eram bons parar gerar controvérsias, por outro lado não acrescentava nada de útil na vida dos homens. (ZUIN, 2001, p.46-47)

De acordo com Zuin et. al., 2001, a crítica ao esclarecimento – apresentada por Adorno e Horkheimer (1947) – em relação a ingenuidade da libertação da irracionalidade mítica, é posta em questão na seguinte indagação:

[...] será que realmente a nossa subjetividade instrumentalizada permite fazer com que as necessidades básicas sejam suprimidas, em prol de uma verdadeira e democrática apropriação coletiva? Será que esse tipo de saber esclarecido consegue finalmente superar a irracionalidade mítica? (ZUIN, 2001, p.48)

Para analisarmos a crítica ao esclarecimento em Adorno e Horkheimer (1947), é importante ressaltar que, para os filósofos supracitados, o espírito esclarecido estava no pensamento do homem desde a aurora da humanidade nos mitos, pois eles relatavam, denominavam, diziam a origem, buscavam explicações do desconhecido, repetiam práticas sociais e de ritos, permitia o controle das etapas e pertenciam a um vínculo direto com a submissão às divindades pelas representações sociais hierarquizadas dos sacerdotes. No entanto, o esclarecimento possui características em comum com o mito, como a repetição de

significado e o controle repetido, porém, o espírito esclarecido se encontra na razão calculista, confirmada pela divisão social do trabalho, como o espírito da:

repetição do significado e do controle obtido através dos mitos narrados, agora regidos por uma sociedade regida pelo princípio do equivalente, onde o cálculo matemático espraia-se de tal forma que alcança o status de espírito absoluto. A própria verdade se transforma em sinônimo de lógica matemática. (ZUIN et. al., 2001, p.48)

Sobre a crítica ao positivismo, conforme apresentamos anteriormente, está o fato de que, para os positivistas, o esclarecimento da razão calculista poderia libertar o homem do pensamento mitológico, entretanto, a crítica aparece no sentido de que o esclarecimento mitológico, vinculado ao medo e submissão, passa na modernidade a ser esclarecimento conformado ao ideal burguês de um ‘eu’ natural sublimado num sujeito transcendental ou lógico, o ponto de referência da razão, a instância legisladora da ação. (ADORNO & HORKHEIMER, 1985, p.41). Esse ‘eu’ considera antes de tudo a relação racional à autoconservação que é assegurada pela lógica da divisão burguesa, que força a auto- alienação dos indivíduos, que tem que se formar no corpo e na alma segundo a aparelhagem técnica. (ADORNO & HORKHEIMER, 1985, p.41).

Portanto, a crítica ao esclarecimento moderno toma por fundamento o fato de que o trabalho social de todo indivíduo está mediatizado pelo princípio do ‘eu’ na economia burguesa (ADORNO & HORKHEIMER, 1985, p.41). Visto assim, a crítica indica que a humanidade levada pelo pensamento esclarecido moderno, pensa estar livre do esclarecimento mitológico, porém permanecem agora voláteis às regras sociais do processo técnico.

O processo técnico, no qual o sujeito se coisificou após sua eliminação da consciência, está livre da plurivocidade do pensamento mítico bem como de toda significação em geral, porque a própria razão se tornou um mero adminículo da aparelhagem econômica que engloba tudo. (ADORNO & HORKHEIMER, 1985, p. 41-42)

Podemos reiterar a crítica ao esclarecimento a partir da crítica central à lógica da economia burguesa que em nome do progresso, esfacela a capacidade crítica na sociedade de consumo, conduzindo a humanidade à barbárie, esse tipo de esclarecimento não consegue dar uma resposta eficaz a devastação ambiental e a própria barbárie social, pois os indivíduos enquanto consumidores, capitalistas, se afastam do controle de suas potencialidades.

Dessa forma as soluções dadas pelo esclarecimento moderno aos problemas das relações sociais não correspondem com os anseios humanos na prática social, basta observar que, mesmo hoje em dia, homens e mulheres fazem guerra, morrem de fome, e que a natureza, humana e ambiental, ainda é tão devastada. Explica Souza, 2011, comentando Adorno e Hokheimer (1947) sobre o conceito de esclarecimento:

[...] o conceito de esclarecimento passa a ser pensado em todo o seu conteúdo autodestrutivo, caracterizado tanto pela ausência de uma reflexão crítica acerca de si mesmo quanto por esconder o fato de que, paradoxalmente, o progresso social viria significando uma crescente naturalização (reificação) dos homens. Em outros termos, o crescente domínio técnico e o proeminente controle humano sobre a natureza, ao invés de produzirem um mundo mais justo, acentuariam o nível de desigualdade social. Pior ainda – mas, segundo a lógica de mercado, de forma complementar -, o aumento da capacidade de consumo e a melhoria da qualidade de vida da população em termos de bens materiais equivaleria à venda da sua capacidade crítica. Assim, a fortuna material exigiria em contrapartida um preço bastante alto: a derrocada do espírito. (p. 470) Nessa perspectiva adorniana do esclarecimento, podemos levar em consideração que o modelo de educação longe de levar o sujeito à formação da autoconsciência, de como a sociedade moderna ‘esclarecida’, longe da libertação almejada, permanece na barbárie da auto-suficiência técnica e manipula as relações sociais para o consumo, reproduz no modelo da própria escola, o enaltecimento das ciências, impedindo às crianças a livre imaginação, a problematização, o levantamento de hipóteses, com um modelo de educação que reproduz a informação de resultados científicos considerados verdadeiros.

Facilmente verificamos esse modelo de educação quando uma criança aprende alguma fórmula matemática, ou deve decorar nomes e datas de homens e mulheres na história, porém sem saber para quê ou o porquê se deve usar o tempo com esse estudo. Quais significados e expectativas uma criança encontra na escola, em relação ao aprendizado?

Matthew Lipman, 2014, expõe sobre os significados e expectativas encontradas nas crianças e seus pais em relação às escolas: as crianças geralmente alegam que as aulas não são relevantes, interessantes ou significativas, os pais sempre mais concisos falam que as escolas servem para fazer com que as crianças aprendam. Mas se o processo educacional fosse revelante, interessante e significativo para as crianças, na prática não seria necessário fazê-las aprender algo. Dessa maneira Lipman, 2014, argumenta sobre o quanto o ensino não consegue favorecer o sujeito na formação autoconsciente:

[...] Em geral somos levados a pensar que o que precisamos aprender são os fundamentos da civilização ocidental. Não fica muito claro que a educação deveria, de fato, se limitar a introduzir as crianças nas tradições culturais da sua sociedade, embora seja difícil mostrar que deveria ser ainda menos que tal introdução. As crianças não se encontram em posição de julgar a importância que a transmissão cultural tem para a sua sociedade; elas só podem avaliar o significado concreto que tal transmissão tem para elas. As crianças podem não ficar muito entusiasmadas com os aspectos da civilização ocidental, ou de qualquer outra, os quais muitas pessoas já falecidas, ou algumas vivas, respeitam muito. Raramente estão bastante interessadas ou suficientemente críticas para perguntar por que reverenciamos um grande número de pessoas do passado, enquanto as mesmas realizações, nos dias de hoje, seriam consideradas o cúmulo da barbárie. As crianças acreditam em nossas palavras e tem pouca autoconfiança para questionar se não estaríamos equivocados. Quando protestam (mais através do que não conseguem fazer do que pelo que fazem ou dizem), alegando não serem capazes de ver o que isso tudo significa, nós as tranqüilizamos dizendo que com o tempo elas entenderão, e que deve confiar nisso. (LIPMAN, 2014, p.23)

No modelo atual da educação, a educação para a via da autonomia, ou seja, da autoconsciência pode nos levar a caminhos para pensarmos num novo modelo de educação em que a própria instituição escolar pode ser levada em consideração como objeto de análise pelos próprios personagens da escola; funcionários, professores e principalmente os alunos. As crianças não podem esperar ficarem adultas para serem críticas da realidade, porque depois de adultas elas apenas serão resultados da sua formação, ou formatação social, estariam às mesmas, depois de adultas, preocupadas apenas a reproduzir o que aprenderam durante sua vida escolar e social.

Nesta perspectiva Matthew Lipman (2014), discute quando expõe a seguinte crítica:

Será que as crianças estão erradas em esperar que o processo educacional – em cada estágio e no desenvolvimento de estágio para estágio – seja significativo? Se a escola não pode ajudar as crianças a descobrirem o significado de suas experiências, se essa não é a sua função, então não há nenhuma alternativa senão deixar o sistema educacional nas mãos dos que podem melhor manejar o consentimento das crianças de serem manipuladas num estado de beatitude insensata. (LIPMAN, 2014, p. 24)

A proposta do ensino de filosofia para crianças em Lipman possui essa preocupação adorniana, quando se propõe a um ensino em que a educação deve ser um processo de significação relevante para suas vidas, e para que isso aconteça, as crianças devem ser estimuladas a pensarem por si mesmas. “Elas não captarão esses significados simplesmente aprendendo os conteúdos do conhecimento do adulto.” (LIPMAN, 2014, p. 33)

Mediante o conceito de esclarecimento e a sua crítica podemos inferir sobre o relevante papel da formação do sujeito de autoconsciência, pois consideramos que Adorno e Horkheimer (1947) não apresentam a crítica do esclarecimento como simples viés pessimista, ao contrário, para os filósofos, se faz renovada a busca de um autêntico esclarecimento – longe do romantismo positivista da razão, como princípio de uma dominação cega, atrelada ao interesse do capital, e que compactua com a reprodução da barbárie – que pode ser visto como um processo de objetivação do sujeito que recupera a capacidade de pensar por si mesmo, a esse pensamento, corrobora sobre o sujeito de autoconsciência a seguinte afirmação: “Tal procedimento possibilitaria a tomada de consciência das consequências irracionais dessa racionalidade que, potencialmente, possui a condição do exercício da verdadeira emancipação do reino das necessidades.” (ZUIN et. al., 2001, p.54)

Disso infere-se que a crítica ao esclarecimento modernista é a via da autoconsciência na formação do sujeito autônomo a qual possibilita a escolha de um novo rumo e de um novo horizonte, na perspectiva da percepção da realidade humana, social, na qual a técnica e a racionalidade não nos serviriam apenas para o bem estar pessoal, individualista e consumista, da burguesia capitalista, mas para usarmos a razão vislumbrando a sabedoria em vistas do bem da humanidade. Assim corrobora Souza, 2011:

[...] a despeito de todas as mazelas ideológicas, sociais e ecológicas que O

Conceito de Esclarecimento conscientemente aponta, ainda permanece

viável vislumbrar nele a possibilidade de um homem melhor, desde que aprenda a utilizar sabiamente (isto é, de maneira menos predatória) um dos seus bens mais preciosos: aquele que curiosamente atende pelo nome de razão. (SOUZA, 2011, p. 474)

Partindo do ponto de vista que o rompimento com a áurea da ciência e o retorno ao pensamento filosófico, questionador, autocrítico, autoconsciente, pode ser ponto de partida em vista de uma educação para formação do sujeito autônomo e consequentemente serem ponto de partida para aulas de filosofia para crianças na escola hodierna, podemos, no entanto, levarmos em consideração que Matthew Lipman, 2014, assume uma posição de consenso com o pensamento de educação em Adorno quanto à importância de levar as crianças ao pensar por si mesmas, não no sentido de pensar qualquer coisa, pois para o filósofo, pensamos a todo instante, a questão estar em pensar com a habilidade de captar os significados. “O problema pedagógico é, ao menos no primeiro estágio, transformar uma criança que já pensa numa criança que pensa bem.” (LIPMAN, 2014, p.33)

Assim, podemos lançar mão à questão que norteia tanto a nossa problemática da dissertação quanto norteia a discussão do próprio Lipman na construção do seu programa de ensino de filosofia para crianças. Donde podemos irromper uma dinâmica pedagógica em que a aula de filosofia para crianças seja ao mesmo tempo reflexiva, autocrítica e favoreça ao pensar autoconsciente de sua realidade? Será que a obra lipminiana e sua proposta pedagógica auxiliam verdadeiramente as crianças a pensarem com autoconscientemente a sua realidade? Para tal resposta, discorreremos nos capítulos 4 e seguintes reflexões que norteiam a problemática.

3.2 Sobre o conceito de Indústria Cultural na formação do pensamento crítico na