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3. ANÁLISE INSTRUMENTAL REFERENCIAL: ANÁLISE CONCEITUAL

3.2 Sobre o conceito de Indústria Cultural na formação do pensamento crítico na

O que não se diz é que o terreno no qual a técnica conquista seu poder sobre a sociedade é o poder que os economicamente mais fortes exercem sobre a sociedade. A racionalidade técnica hoje é a racionalidade da própria dominação. Ela é o caráter compulsivo da sociedade alienada de si mesma. (ADORNO & HORKHEIMER, 1985, p. 114)

A teoria crítica à indústria cultural denuncia o processo social que transforma a cultura em bem de consumo, ou seja, a teoria crítica está fundamentada perante a análise crítica sobre a formatação da massa social consumidora, a qual se pensa viver sua liberdade de escolha conforme as relações sociais, porém sua formação cultural é regida pelas necessidades dos consumidores. Dessa forma, vale à pena ressaltar, que a teoria crítica a indústria cultural traz à tona a discussão decorrente ao esclarecimento racionalista na perspectiva da análise da “suposta instabilidade social decorrente da dissolução dos resquícios pré-capitalistas e da decadência das imagens e representações divinas, substituídas pela instrumentalização da razão.” (ZUIN et. al., 2001, p.54)

Parte disso, um cenário conturbado no qual emerge dum pensamento ilusório de que a mercantilização da produção simbólica da qual forma a massificação da cultura, possibilitaria uma emancipação coletiva, desta maneira, qualquer comportamento que não se referisse ao atendimento das necessidades do consumo seria tido como desviante. A produção simbólica da sociedade capitalista se apresenta também dando uma falsa sensação de que possuímos uma identidade única, quando, por exemplo, lança propagandas exclusivas para faixa etária,

como para os adolescentes e crianças, levando-nos a acreditar que somos diferentes de todos os outros que não usam nossas marcas ‘socializadoras’. (ZUIN et. al., 2001)

Nisso se reflete a sociedade alienada de si mesma, na qual a própria diversão, na obra de Adorno e Horkeiheimer (1947), ganha um caráter perverso de ‘esquecer’ da lida do trabalho, esse esquecimento é o mesmo que desligar-se da própria vida, como, por exemplo, ao assistirmos um filme, que não exige muito esforço do pensamento, porém promove a tão sonhada ‘diversão’, de tal maneira podemos constatar na seguinte citação: “A diversão é o prolongamento do trabalho no capitalismo tardio. Ela é a procuradora por quem quer escapar ao processo de trabalho mecanizado, para se pôr de novo em condições de enfrentá- lo.” (ADORNO & HORKHEIMER, [1947/1985], p. 128)

O conceito de indústria cultural em Adorno e Horkeheimer (1947) apresenta a visão da teoria crítica da realidade social contemporânea que reflete uma sociedade de produção midiática no qual reproduz uma ideologia fabricada pelo poder do monopólio tecnológico o qual se utiliza da arte, da televisão, do cinema, da rádio, da música, como instrumento de controle da sociedade, desta forma formata-se uma cultura de massas idêntica, assim a cultura se instala na medida em que o poder da cultura industrial se fortalece quanto mais se confessa de público e de necessidade social de seus produtos. De acordo com os filósofos alemães a indústria cultural é aceita sem resistência, recalcada pelo controle da consciência do indivíduo, num modelo de cultura que confere em tudo o ar de semelhança, como falsa identidade do universal e do particular. A seguir argumenta os pensadores:

[...] Por enquanto, a técnica da indústria cultural levou apenas à padronização e à produção em série, sacrificando o que fazia a diferença entre a lógica da obra e do sistema social. Isso, porém, não deve ser atribuído a nenhuma lei evolutiva da técnica enquanto tal, mas à sua função na economia atual . A necessidade que talvez pudesse escapar ao controle central já é recalcada pelo controle da consciência individual. (ADORNO & HORKHEIMER, [1947/1985], p. 114)

No entanto, assinalam os teóricos, que os “consumidores são os trabalhadores, e os empregados, os lavradores e os pequenos burgueses. A produção capitalista os mantém tão bem presos em corpo e alma que eles sucumbem sem resistência ao que lhes é oferecido.” (ADORNO & HORKHEIMER, [1947/1985], p. 125)

De acordo com Duarte (2003) embora o fenômeno da cultura industrial diga respeito à sociedade moderna como um todo, a teoria adorniana apresenta em seu cerne que as camadas

desfavorecidas da população, ainda mais visíveis na camada dos médios assalariados, se tornam presas fáceis da ideologia da indústria cultural, na medida em que a instrução técnica em meados do século XIX correspondia ao interesse das classes dominantes sobre os operários que precisavam dominar um tipo de conhecimento das ciências naturais, entretanto a sociedade supervalorizava o conhecimento da dominação da natureza tratando com certo menosprezo aqueles relacionados a cultura do povo, como podemos constatar a seguir em Adorno, apud Duarte, (2003):

Mas a contradição entre cultura e sociedade não resulta simplesmente em incultura no sentido antigo, i.e, a dos camponeses. Aliás, os distritos agrícolas hoje são usinas de semicultura. Lá – especialmente graças aos meios de massa rádio e televisão – o imaginário pré-bruguês, essencialmente dependente da religião tradicional, foi há muito rompido. Ele é recalcado pelo espírito da indústria cultural; entretanto o a priori do conceito de cultura propriamente burguês, a autonomia, não teve tempo de se formar. A consciência passa imediatamente de uma heteronomia a outra: no lugar da autoridade da Bíblia, entra a do estádio desportivo, da televisão e das “histórias verdadeiras”, que e apóiam na exigência daquilo que é literal, da factualidade aquém da imaginação produtiva. (p. 95)

Partindo da síntese da abordagem da teoria critica da indústria cultural e de seus pressupostos, podemos assinalar sobre a ótica da educação contemporânea e da atualização teórica uma perspectiva de formação do sujeito autônomo em vistas de uma sociedade mais justa na medida em que a teoria adorniana contribui para “a retomada da função autocrítica da própria cultura, de sua qualidade de juízo existencial, que debilita suas condições materiais e espitituais.” (ZUIN et. al., 2001, p.58)

Cabe, portanto, ressaltar que a teoria crítica da indústria cultural não é contra a aplicação racional do aparato tecnológico, porém o pensamento adorniano, antes de qualquer coisa, respalda a ingenuidade e até mesmo o perigo de que a massificação cultural por si só já demandava o fim da desigualdade entre os grupos sociais – eis aí o caráter compulsivo da sociedade alienada de si mesma – pois formada sob a racionalidade técnica a sociedade estaria inerte sobre a tutela do fetiche da mercadoria. Em suma, podemos destacar sob a leitura da teoria adorniana a denuncia sobre a hegemonia da formação cultural massificada, através da autocrítica e autoconsciência, sustentada na individualidade livre, formação do sujeito autônomo, e na sublimação dos impulsos, conforme podemos ler em Zuin, et. al, 2001:

Justamente quando denunciamos a hegemonia da Halbbildung sobre a Bildung é que podemos vislumbrar o seu sentido original de sustentação de uma individualidade livre, radicada na sua autoconsciência onde perdura o

não-presente e baseada na necessária sublimação dos impulsos, visando uma vivência social não patológica. A desconfiança adorniana se baseia numa sociedade que promete, mas não cumpre, pois não se luta contra os conteúdos das promessas burguesas e, sim, contra a ilusão deque elas já se encontram efetivadas. (p. 64)

Neste tópico vislumbramos em Adorno e Horkeheimer (1947) os pressupostos da categoria conceitual da formação do sujeito autônomo através da perspectiva da criticidade teórica da indústria cultural, na qual lançamos mão da leitura crítica sobre a realidade social moderna, que se perdura e se desenvolve na contemporaneidade a partir da racionalidade técnica que molda a cultura da sociedade. Porém, a obra de Lipman e seu pensamento sobre o ensino de filosofia para crianças abarcam essa criticidade teórica da indústria cultural?

Partindo de que a filosofia pode contribuir para a formação do sujeito autônomo quando consegue relacionar a vida cotidiana ao pensamento reflexivo sobre a realidade social e humana, e analisando a teoria crítica da Indústria Cultural, lançamos as seguintes questões: podemos vislumbrar uma educação filosófica para criança, que favoreça desde a tenra idade a capacidade crítica em relação à sociedade de controle e de consumo, que a cada instante busca vender e impor uma nova cultura através de aparatos midiáticos, necessidades criadas pela indústria do capital de produção?

Como é possível promover uma formação educativa de crianças autoconscientes que seja capaz de cultivar condições de um pensamento que busca resistir à cultura de massificação de consumo, através do ensino de filosofia em sala de aula?

Numa perspectiva de criar no indivíduo a capacidade do pensamento crítico, o ensino de filosofia para crianças pode ser um propulsor de incentivo e de aprendizagem ao pensamento crítico e reflexivo da indústria cultural e de resistência aos modelos massificado das mídias e de vida consumista. Corrobora para esta discussão Silveira, 1998, a seguir:

[...] a Filosofia para Crianças pode ajudar a combater os efeitos prejudiciais causados pelos meios de comunicação de massa, especialmente a televisão, que habituam as crianças a receberem informações prontas e superficiais, em vez de favorecer a reflexão, a crítica e a criatividade. A saída, portanto, estaria em criar, na escola, condições mais adequadas para o desenvolvimento e o aprimoramento dessas atitudes, o que poderia ser conseguido através da inclusão do Programa de LIPMAN no currículo. (SILVEIRA, 1998, p.61)

Partindo do pressuposto em que as crianças brasileiras passam grande tempo de suas vidas assistindo televisão, ouvindo músicas com letras que enaltecem a ostentação do

consumo, via rádios e internet, o Programa de Filosofia para crianças de Lipman pode contribuir para a sua formação crítica a exemplo do seu uso em outros países e no próprio Brasil, como exemplifica Perin, 1988a, & Silva, 1987, (apud SILVEIRA, 1998 p. 61):

Como por exemplo, é o caso do professor Laurence SPLITTER, da Austrália, país onde o Programa de Lipman também é desenvolvido. As crianças Australianas assistem muito à televisão. Assim, não têm poder de criar nada. Estão sendo vítimas impotentes do que a TV mostra, pede e dita. E isso é horrível. Estamos criando adultos vazios, temos que dar valor ao raciocínio e às ideias que todos trazem dentro de si, mas que, devido ao ambiente e sociedade em que vivem permanecem apagadas. [...] Há a necessidade de desenvolver as habilidades de raciocínio, de fazer uma reação aos fatos antes mesmo da maturidade cronológica, de pensar sobre os processos, auto-monitorar-se, fazer analogias, distinções e referências. – cf.: Colégio Integrado introduz estudo de Filosofia para Crianças. Gazeta do Centro Oeste. (PERIN, 1988a, p. 29 & SILVA, 1987, p. 11 , apud SILVEIRA, 1998 p. 61)

Como posto em discussão o ensino de filosofia pode contribuir na formação do sujeito autônomo na medida em que consegue criar condições que favoreça ao pensamento reflexivo crítico dos sujeitos sobre a realidade social e humana em sua vida cotidiana. Porém existe um grande entrave referente ao Programa de Filosofia para Crianças referente a própria indústria cultural mediante a democratização deste ensino.

De certo, o pensamento frankfurtiano sobre a educação emancipatória visa o acesso a democratização educacional, entretanto, o Programa de ensino de filosofia para crianças chega no Brasil desde 1984, porém, passado mais de três décadas, sua difusão tem sido bastante lenta e em sua maioria é dada nas escolas privadas, ou seja, aqueles que têm maior poder de consumo. No entanto, como revela “Ana Luiza Falcone, desde o início a intenção era levar o programa às escolas públicas, sobretudo da periferia, a fim de que pudesse cumprir sua vocação mais social” (CARVALHO, 1994d, p. 6-5, aput SILVEIRA, 1998, p. 33-34). “Isso porém, ‘era complicado’, porque essas escolas não dispunham de recursos financeiros para a compra do material para alunos e professores, além da remuneração dos monitores.” (SILVEIRA, 1998, p. 33-34)

Apesar de haver avanços na tentativa de democratizar o Programa de ensino de filosofia de crianças no Brasil, ela tem sido bastante laboriosa, visto ao pouco incentivo do poder público. Do ponto de vista da teoria critica da indústria cultural podemos, no entanto, fazer a crítica ao próprio Programa de ensino de filosofia para Crianças, visto à sua

inviabilidade econômica no contexto educacional na realidade brasileira, no qual o capital é determinante quanto ao seu uso, como aponta Silveira, 1998:

Vê-se, portanto, que não se tratava apenas de uma questão de visão mais ou menos aberta. Havia, também, um outro fator, mais determinante, de natureza econômica e que, na prática, dificultava a aplicação da proposta em escolas públicas, impedindo assim o cumprimento daquela sua proclamada vocação social. Em outros termos: o alto custo de sua implantação bloqueava o acesso das camadas populares ao Programa visto que a maioria dos alunos da rede pública de ensino provém dessas camadas, revelando, assim, sua vocação elitista. (SILVEIRA, 1998, p. 34)

Tentando responder as questões surgidas no texto podemos refletir, que o Programa de filosofia para Crianças de Lipman inova a maneira do fazer pedagógico no que diz respeito ao ensino e ao cultivo do pensamento crítico e reflexivo para crianças, com pressuposto de formar sujeitos autônomos em seu pensar e consequentemente em seu agir (resistir à indústria cultural – consumo de massa), porém, este programa requer da crítica de si mesmo (do método lipminiano), quanto ao que podemos pensar sobre a ótica da teoria crítica adorniana, na medida em que pomos em questão que tal Programa de filosofia para crianças ainda não atende a demanda da democracia educacional, e não possuindo, dessa maneira, o caráter emancipatório político e social.

3.3 A formação de sujeitos autônomos e da educação emancipatória: inferências no