Capítulo 3 – Herói-Soldado-Cidadão na Representação Cultural
3.1 A formação da tríade: Herói-Soldado-Cidadão
Conforme foi observado no capítulo anterior, a análise da revista Em Guarda baseou-
se na tríade do Herói-Soldado-Cidadão. Esse modelo que propomos constitui uma chave de
leitura, que combina três dimensões que se interconectam e, mesmo, se sobrepõem, formando
uma unidade de análise. Ela estruturou a pesquisa ora relatada. Abaixo podemos ver um
diagrama no qual destacamos como se relacionam essas três facetas do indivíduo americano
conforme representado na revista. A interação ocorre de maneira a torná-lo um “salvador” que
irá defender as Américas e ser um líder para o desenvolvimento de todo o continente.
Figura 27 - A tríade Herói-Soldado-Cidadão
No círculo verde encontra-se o Herói, categoria que não utilizamos na catalogação das
imagens e do texto da revista, por entendermos que ela se encontra de maneira implícita e,
mesmo, atravessa as outras duas de modo que não pode ser delas desvinculada. Por sua vez,
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no círculo amarelo, encontramos a categoria Cidadão, na qual foram colocadas todas as
imagens e textos que se referenciavam ao cidadão americano comum; ou seja, os
trabalhadores e pequenos empresários, que muitas vezes não aparecem nas páginas da
história, mas que justamente por dar nomes a figuras imaginárias são tão ricos para uma
assimilação potencial pelo leitor. Por fim, no círculo vermelho, a categoria Soldado, na qual,
como já informamos acima, estão as imagens e textos relativos a soldados e demais membros
das forças armadas que não têm, ou têm baixa, patente, representando assim a massa dos
combatentes que esteve no front da Segunda Guerra Mundial.
Colocamos na interconexão do Cidadão com o Herói a ideia do Bom Samaritano. A
escolha por essa leitura se liga ao senso religioso que está nas bases da história americana.
Essa ligação nos é indicada por Weber e Tocqueville, de uma maneira laicizada. Ser
americano é, por consequência, adotar valores e modos de compreensão que extrapolam a
questão cultural, tornando-se um ponto de entendimento pessoal.
A escolha do termo tem relação também com a passagem bíblica do “Bom
Samaritano”. A parábola, que se encontra no livro de Lucas 10:25-37, conta sobre um viajante
que sofre um ataque de ladrões, é espancado e acaba sendo socorrido apenas por um
samaritano, após ter sido desprezado por um sacerdote e um levita
24que por ele passaram e
que por serem hebreus deveriam ter atendido o indivíduo. O samaritano pertencia justamente
a uma tribo que não era da mesma linha religiosa que os hebreus, apesar das proximidades
históricas. Segue a passagem de acordo com a versão Almeida Revista e Atualizada:
E eis que certo homem, intérprete da Lei, se levantou com o intuito de pôr Jesus à
prova e disse-lhe: Mestre, que farei para herdar a vida eterna? Então, Jesus lhe
perguntou: Que está escrito na Lei? Como interpretas? A isto ele respondeu: Amarás
o Senhor, teu Deus, de todo o teu coração, de toda a tua alma, de todas as tuas forças
e de todo o teu entendimento; e: Amarás o teu próximo como a ti mesmo. Então,
Jesus lhe disse: Respondeste corretamente; faze isto e viverás. Ele, porém, querendo
justificar-se, perguntou a Jesus: Quem é o meu próximo? Jesus prosseguiu, dizendo:
Certo homem descia de Jerusalém para Jericó e veio a cair em mãos de salteadores,
os quais, depois de tudo lhe roubarem e lhe causarem muitos ferimentos, retiraram-
se, deixando-o semimorto. Casualmente, descia um sacerdote por aquele mesmo
caminho e, vendo-o, passou de largo. Semelhantemente, um levita descia por aquele
lugar e, vendo-o, também passou de largo. Certo samaritano, que seguia o seu
caminho, passou-lhe perto e, vendo-o, compadeceu-se dele. E, chegando-se, pensou-
lhe os ferimentos, aplicando-lhes óleo e vinho; e, colocando-o sobre o seu próprio
animal, levou-o para uma hospedaria e tratou dele. No dia seguinte, tirou dois
denários e os entregou ao hospedeiro, dizendo: Cuida deste homem, e, se alguma
coisa gastares a mais, eu to indenizarei quando voltar. Qual destes três te parece ter
sido o próximo do homem que caiu nas mãos dos salteadores? Respondeu-lhe o
24
Os levitas são uma das principais tribos bíblicas e são identificados como muito fiéis a Deus. Muitas vezes
assumem, nas passagens bíblicas, o papel de representantes e líderes do povo Hebreu, e, portanto, espera-se
que sejam exemplos de conduta.
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intérprete da Lei: O que usou de misericórdia para com ele. Então, lhe disse: Vai e
procede tu de igual modo. (Lc 10.25-37)
A passagem em si transmite a mensagem de que não se pode julgar alguém pela sua fé
ou pelas suas escolhas. A boa pessoa, de acordo com essa interpretação, é aquela que se
dispõe a atuar em prol do bem de todos, sem nenhuma restrição. Esse ensinamento religioso
ecoa na nossa interpretação. Os americanos apresentados aparentam compreender que devem
ajudar a preservar os seus principais valores, democracia e liberdade, a despeito de qual
nacionalidade irá adotá-la.
Uma questão nos chamou especial atenção. Ao lermos o mesmo trecho bíblico na King
James Version, a edição em inglês mais difundida entre os protestantes anglófonos, a palavra
chave do texto, que em português é trazida como “próximo”, recebe uma tradução muito
interessante, neighbour. Essa relação, mesmo que distante e indireta, em uma primeira
observação, com a política da Boa Vizinhança, é um indicativo que nos ajuda na construção
da tríade proposta em nosso modelo, que se espelha na mitologia americana.
Ao lembrarmo-nos da forte religiosidade da família Rockefeller e a ideia de uma
incumbência missionária de difusão de uma ideologia-teologia, a conexão entre os conceitos
do herói e do cidadão com a ideia do Bom Samaritano passa a soar como algo mais
naturalizado. Sabemos que não existem provas concretas de ligações diretas, mas conhecendo
a laicidade religiosa, mesmo que de maneira inconsciente, torna-se uma interpretação muito
passível de aproximação.
O cidadão heroico é justamente aquele que abdica dos seus prazeres e até mesmo
entrega mais do seu próprio dinheiro ao Estado, como por exemplo, através da compra dos
bônus de guerra. Em nome dos valores maiores que estão sendo defendidos no front, e
disseminados ao mundo, ele deixa de lado o seu conforto, assim como fez o bom samaritano.
Esse cidadão representado na revista Em Guarda busca ser um exemplo do melhor modo de
agir e se desenvolver, tanto individualmente como economicamente. Assim como atua para a
proteção da sua nação, faz o mesmo pelo seu vizinho.
Por sua vez, a intersecção entre o soldado e o cidadão é preenchida pela ideia do
Trabalhador Industrial. A escolha do termo foi feita por que a revista adota o termo “front
interno” ao se referenciar à massa de trabalhadores que passou a atuar nas fábricas no período
que envolveu a Segunda Guerra Mundial. A produção industrial também era um fator de
importância para a guerra, fazendo com que aqueles que não podiam atuar no front de batalha,
por idade, invalidez etc., também “atuassem” no conflito ao migrarem para as fábricas.
100
O conceito de soldado-cidadão, enraizado no ideário da revolução francesa, já fora
explicado na introdução. Em função disso optamos por focar aqui em outro eixo da questão,
além de que quase a totalidade dos soldados alistados têm essa definição atrelada ao seu
serviço, de maneira inerente. Damos, então, maior atenção a essa incorporação da missão em
prol da nação, intrínseca ao perfil de soldado, mas imbuída no trabalhador industrial. A revista
se preocupa em diversos momentos em mostrar essa construção do cidadão engajado. Se
tomarmos alguns exemplos, podemos encontrar casos dessa articulação como na 9ª edição da
publicação em seu primeiro ano.
Em Evansaville moram os Winnebalds, família característica de milhões de outras
famílias dos Estados Unidos. O choque da guerra veiu alterar a norma de vida
tranquila dos Winnebalds. Cada membro da família sente agora a significação do
conflito no Pacífico e nos campos de batalha da Europa e da África. Seus efeitos
refletem-se na sua alimentação, no seu vestuário, no trabalho e até mesmo no
repouso de todos. Mas, com sacrifício, coragem e confiança, a família Winnebald
vái se devotando com entusiasmo às contingencias do esforço de guerra. (EM
GUARDA, 1942, Nº9, Ano 1 p. 38)
A família, mesmo tendo que reduzir seu consumo, assim como os soldados que estão
nos campos de batalha, o faz “se devotando com entusiasmo”. Mesmo sendo um claro
sacrifício, eles o fazem para que seja possível sustentar e suportar os combatentes no front. E
essa mesma devoção se expande para atividades aparentemente de menor importância, como a
reciclagem.
Assim como aponta um trecho da 12ª edição daquele mesmo ano da publicação: “A
participação civil na guerra assume, pois, a forma de assegurar a manutenção da produção, a
despeito de todos os sacrifícios.” (EM GUARDA, 1942, Nº12, Ano 1 p. 11). Assim como o
Bom Samaritano que custeou o homem agredido, o trabalhador industrial doa sua força e
tempo para o Estado, e indiretamente para as demais nações.
O exercício aqui apresentado de conectar o cidadão comum ao trabalhador industrial,
enquanto um soldado do front interno, é parte do próprio discurso da revista. Poderíamos
entrar na análise de todos os casos, mas dentre as matérias encontradas na revista, optamos
por destacar algumas. Vemos abaixo, em especial, dois textos e três imagens que
exemplificam bem nosso argumento.
O primeiro destaque se encontra na 1ª edição do 2º ano, sob o título A transformação
industrial. O texto trata da conversão das indústrias para a produção bélica, mas a legenda que
explica as duas imagens reproduzidas abaixo transmite muito claramente essa ideia que
tratamos aqui. Abaixo as imagens e a legenda original:
101
Figura 28 - Edição 1, Ano 2, p. 38
Soldados de "Overalls"
25. Não usam uniformes nem guarnecem canhões ou pilotam
aeroplanos; mas, não obstante, são soldados - todos os combatentes indispensáveis
no "exército” que guarnece a frente interna. Esse milhões de operários e operárias
das fábricas de armamentos e laboratórios por trás das linhas de fogo, converteram a
maior indústria do mundo para a produção de guerra. Do seu esfôrço e trabalho
depende, de fato, a vitória (EM GUARDA, 1942, Nº1, Ano 2 p. 38)
As cenas retratam um homem e uma mulher compenetrados em seu serviço. Ambos
preparando armamentos pesados, sendo respectivamente à esquerda uma bala de canhão e à
direita munição de alto calibre. Eles se entregaram a profissões de relativo risco para que
fosse possível a vitória, uma vez que os armamentos poderiam ser acionados por acidente
durante a produção. O texto é claro e direto ao concluir com “Do seu esfôrço e trabalho
depende, de fato, a vitória”. Lembremos que a guerra não era mais como em outros momentos
na história, pois a linha de produção e a logística também se tornaram ainda mais cruciais.
Vale ressaltar aqui que esse engajamento industrial é ligado ao impulso inovador dos
EUA. Nas palavras de Tocqueville, acerca da relação dos americanos com a capacidade de
produzir e inovar:
A idéia do novo se liga, pois, intimamente, em seu espírito, à idéia de melhor. Em
parte alguma ele percebe o limite que a natureza pode ter imposto aos esforços do
homem; a seu ver o que não existe é o que ainda não foi tentado (TOCQUEVILLE,
2005, p.465).
Também é necessário ressaltar a questão do virtual desaparecimento do desemprego.
O Estado aumentou muito o número de vagas e sustentou esse crescimento a partir da ideia
25
A tradução mais adequada para overall neste caso seria macacão. O texto se referencia aos modelos
usados pelos operários nas indústrias no período, que são proteção das roupas e por isso recebem esse nome, pois
vão por cima de todas as outras roupas.
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dos esforços de guerra. Mesmo que recebessem menos ou trabalhassem mais, os empregados
não estavam, supostamente, gerando renda à um dono de empresa, mas sim riqueza e material
para a nação vencer a guerra.
Ainda no segundo ano encontramos o segundo texto que representa o compromisso do
cidadão com sua função cívica. Na quarta edição, nas páginas 18 e 19, encontra-se a matéria
Um exército de paisanos. O título é, de certa maneira, um paradoxo, uma vez que o termo
“paisano” é comumente utilizado pelos militares para se referenciar aos civis que não
integram as forças armadas.
A imagem de maior destaque da edição em análise se assemelha diretamente com
diversas fotografias que apresentamos no capítulo anterior, de soldados heroicos. A
mensagem que entendemos como transmitida é justamente a de que mesmo o cidadão está
pronto para o que pode acontecer. O olhar altivo e alerta e um uniforme, com capacete,
mostra-nos que todo o contingente está preparado para os mais diversos impasses.
Figura 29 - Edição 4, Ano 2, p. 18
Os relatos das ações dos Corpos de Cidadãos da Defesa, que se encontram naquela
edição do segundo ano da revista, assemelham-se às mesmas narrativas dos feitos heroicos
dos soldados. Os Corpos de Cidadãos são agrupamentos formados pelos civis para a
realização das atividades de salvamento e defesa, em território americano. Um trecho pode
ajudar a demonstrar essa paridade:
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Elementos de tôdas as camadas da população da vila, comerciantes, donas de casa,
professoras, enfermeiras e pescadores, cujos distintivos nos braços, designavam as
suas respectivas funções, quer como trabalhadores de emergência, policiais ou
bombeiros auxiliares, cantineiros, etc., foram convocados para prestar os seus
serviços. Em poucos minutos, compareciam todos ao centro previamente designado.
Uns traziam cobertores para agazalhar os náufragos quasi congelados, outros
vinham com seus automóveis e auto-caminhões, para usá-los como ambulâncias e
conduzir os náufragos para o hotel, onde todos os preparativos já os aguardavam
para o pronto socorro. Médicos e enfermeiras estava a postos e os encarregados da
cantina serviram 500 refeições, mil chicaras de café e 250 sanduíches. (EM
GUARDA, 1942, p. 38)
Aqui temos mais um dos indicativos dessa intersecção do cidadão com o soldado,
enquanto defensor dos valores e preceitos. Este americano é apresentado como um modelo no
qual os latinos podem se inspirar. Nenhum dos personagens apresentados deixou de trabalhar,
ao contrário, assumindo encargos extras, para garantir o pleno funcionamento dos Corpos de
Cidadãos, caso necessário.
Isso nos leva, portanto, ao terceiro ponto de contato, que é a ideia do protetor dos
valores. O soldado-cidadão heroico, diferentemente do mercenário, não apenas luta por um
território ou por um motivo econômico, ele está no front defendendo, com todos os seus
recursos, os valores pelos quais acredita. O discurso que se apresenta é o de que os nazistas
são uma ameaça à democracia e à liberdade. Logo, os americanos devem se organizar para
impedir que esses bastiões tão claros da sua identidade sejam mantidos e difundidos.
Os exemplos e discussões quanto a este ponto foram apresentados no capítulo anterior.
Gostaríamos apenas de retomar dois casos que consideramos os mais emblemáticos nesta
construção: Rickenbacker e Chuck Kelly. Cada um deles representa um dos tipos dos heróis
sob a construção arquetípica do imaginário americano, fundamentada no cowboy, conforme
discutiremos à frente.
O caso do aviador é importante por mostrar o self made man americano. Aquele
homem
26que através das capacidades próprias pode crescer e conquistar seu espaço na terra
das oportunidades. Ele mimetiza o cowboy que vai à frente e sobrepuja os perigos.
Arriscando-se mais do que o necessário para demonstrar as capacidades, levando-as ao seu
extremo. Mas ele não faz isso apenas para ganhar destaque, usa-as para derrotar o inimigo.
Assim como nos filmes de faroeste, no qual o cowboy defende, com toda a sua
habilidade, os pioneiros que estão buscando uma nova oportunidade de vida, Rickenbacker
protege seus companheiros. Da mesma maneira que os primeiros americanos do oeste ficavam
26
A palavra homem se refere especificamente ao sexo masculino justamente por esse conceito se referenciar
apenas a este grupo. As lutas feministas acontecem no período posterior e impulsionadas pelos processos
que ocorreram durante o conflito.
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dias trilhando seu caminho rumo a uma terra prometida, tendo que dividir a pouca comida que
tinham, o aviador e seu pequeno contingente ficaram à deriva esperando uma ajuda divina.
Tiveram apenas a american ingenuity do seu herói como sustento, assim como os pioneiros
dependiam das suas lideranças.
Já o Sargento Kelly traz a imagem do jovem desbravador que se constrói no combate.
Antes de ir à guerra ele já apresentava as características para se tornar um herói, de acordo
com os relatos do texto. Assim como os cowboys do velho oeste, ele vem de uma pequena
cidade, na qual todos o viram crescer. Da mesma maneira ele defende essas pessoas de sua
coletividade e a possibilidade que elas se mantenham livres.
Seu retorno é celebrado, como ocorria com os desbravadores. Seu feito é até
destacado, mas são as suas qualidades predecessoras que são mais marcadas. Destituído de
potenciais mitificações dele em si, Kelly é apresentado o quão comum ele é. Da mesma
maneira que o cowboy é retratado como um comum nos cenários do velho oeste, o sargento é
mais um bravo soldado americano.
Por fim, no centro do diagrama, fica a representação americana, cerne conceitual da
tríade Herói-Soldado-Cidadão. Entendemos, portanto, que o discurso da revista apresenta os
americanos como essa imbricação, uma vez que não se pode desvincular as três ideias.
Mostramos, no decorrer do capítulo anterior, como a revista mostrou esse tripé de maneira a
lembrar ao leitor que eles estavam “em guarda para a defesa das américas”.
Entendemos essa representação americana a partir das leituras de Frederick Jackson
Turner, que pontua a ideia do frontier enquanto conceito unificador do ser americano. É a
partir desse pressuposto que construímos então nossa leitura acerca do Herói-Soldado-
Cidadão americano como apresentado na revista. Temos assim a proposição de que o objetivo
da revista era de fato mostrar aos latinos o quanto os americanos estavam aptos a defender
toda a América.
É interessante levantar algumas reflexões do próprio Turner para definir a discussão.
Em seu livro The Frontier in American History, ele reitera a importância da construção da
frontier
27enquanto conceito invés de uma demarcação política e/ou geográfica. Para
compreender a liberdade e o modelo de democracia o pensador americano propõe que
devemos observar o processo político ao redor da frontier, pois “A existência de uma área de
27
Assim como outros termos aqui utilizados, traduzi-los acabaria fazendo com que o leitor perca de vista o
conceito original.
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terra desocupada, sua contínua redução, e o avanço das colônias para o oeste, explicam o
desenvolvimento americano.” (TURNER, 1921)
28.
É interessante notar como o autor propõe nesse conceito de um crescimento do Estado
uma constante reconstrução da sua nação. Assim como Campbell propõe no “monomito” a
ideia de “palingenesia”, ou seja, o constante renascer como superação da morte e
possibilidade de uma longa sobrevivência, Turner o indica na construção do Estado:
Desse modo o desenvolvimento americano não se mostrou meramente um avanço
por uma linha única, mas um retorno às condições primitivas em um avanço
constante da linha de fronteira, e um novo desenvolvimento para esta área. O
desenvolvimento social americano tem continuamente iniciado mais uma vez na
fronteira. Esse renascimento perene, essa fluidez na vida americana, essa expansão
para o Oeste com essas novas oportunidades, esse contato contínuo com a
simplicidade da sociedade primitiva, aparelha as forças dominantes do caráter
americano. (TURNER, 1921, p. 88)
29Torna-nos compreensível então a possibilidade de um Estado se julgar capaz de
defender valores. Trazemos novamente a frase de Hofstadter: “Tem sido nosso destino
enquanto nação não ter ideologias, mas ser uma” (apud HODGSON, 2009, p.1). O argumento
da revista é o americanismo, através da representação americana. A ideologia da Em Guarda
e seu discurso ecoam a ideologia americana.
A própria identidade nacional dos EUA se deve ao processo da frontier. Turner aponta
diversas vezes para o backwoodsman e o frontiersman enquanto portadores das máximas do
ser americano. Esses dois casos são aqui entendidos como as bases principais para a
construção da imagem do principal herói americano, o cowboy. Nos cinemas, principalmente,
ele ganhou e acumulou as características desses dois tipos de americano.
O frontiersman é o indivíduo que vive em função da fronteira. Mais do que ser apenas
No documento
PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC-SP IBERÊ MORENO ROSÁRIO E BARROS
(páginas 97-107)