PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO
PUC-SP
IBERÊ MORENO ROSÁRIO E BARROS
PARA A DEFESA DAS AMÉRICAS:
O Herói-Soldado-Cidadão na Revista
Em Guarda
(1941-1945)
MESTRADO EM HISTÓRIA
PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO
FACULDADE DE CIÊNCIAS SOCIAIS
Programa de Pós-Graduação em História
IBERÊ MORENO ROSÁRIO E BARROS
PARA A DEFESA DAS AMÉRICAS:
O Herói-Soldado-Cidadão na Revista
Em Guarda
(1941-1945)
Dissertação apresentada em cumprimento parcial às
exigências do Programa de Pós-Graduação em História,
Curso de Mestrado, da Pontifícia Universidade Católica de
São Paulo
–
PUC-SP, para obtenção do título de Mestre.
Orientador: Prof. Dr. Antonio Pedro Tota
BANCA EXAMINADORA
______________________________________
______________________________________
Aos meus avós, que passaram o valor da
educação aos meus pais, que por sua vez
me guiaram a fim de que eu tenha a
“
The Revolution was effected before the war commenced.
The Revolution was in the minds and hearts of the people;
a change in their religious sentiments of their duties and
obligations.”
AGRADECIMENTOS
Agradeço à CAPES, pela bolsa de estudos integral durante todo o período de meu
Mestrado em História. Graças a esse incentivo, foi possível ter uma dedicação intensa à
pesquisa e chegar aos resultados aqui apresentados.
À PUC-SP, enquanto instituição, que ofereceu o apoio e o espaço no qual pude
realizar meus estudos desde a graduação. É essencial, nesse contexto, agradecer ao Programa
de Pós Graduação em História, em especial à Betinha, que me auxiliou a desbravar e entender
os emaranhados das questões burocráticas.
Ao excelente corpo docente da PUC-SP. Na realização das matérias dos professores
Antonio Rago, Estefânia, Maria Odila, Rosário e Yvone, pude desenvolver minhas
capacidades e ampliar o meu conhecimento no campo da História. A contribuição foi, e é,
inestimável.
Ao professor Antonio Pedro Tota. Desde 2009 ele acreditou na minha capacidade, ao
me acolher tão cedo no grupo de pesquisa. Esteve sempre atento aos meus questionamentos e
inquietações, proporcionando-me os referenciais necessários e mostrando os melhores
caminhos, não apenas para a escrita deste trabalho, mas também para a carreira acadêmica.
À banca de qualificação. Suas contribuições representaram um ponto de virada
importante na pesquisa e me deram um novo gás para concluí-la. Aos professores Paulo
Pereira e Lilian Grisólio fica registrada a minha gratidão pelas palavras no momento exato.
Assim como estendo à banca de defesa a mesma reverência.
Ao POLITHICULT. Um dos principais incentivos para que eu me engajasse no estudo
de Estados Unidos da América. Núcleo no qual pude ingressar em 2009 e que se tornou o
espaço no qual desenvolvi meus primeiros passos na carreira acadêmica. Cada reunião e
discussão me impulsionou ainda mais para uma vivência intensa e completa.
À parceria e cumplicidade criada com Adriano Marangoni. Tantas vezes um
conselheiro e tantas vezes um amigo. Sejam nas brincadeiras ou nos momentos de intensas
discussões teóricas, sempre se preocupou em dar o apoio e as dicas para que eu acertasse da
melhor maneira o modo de trilhar esse percurso.
Aos meus colegas de turma na pós-graduação. Debatedores e companheiros
importantes para a formulação e concretização da minha pesquisa. Compartilhamos mais do
que os conhecimentos. Estivemos juntos e nos apoiamos em momentos de dificuldade e
dúvida, assim como para celebrar as conquistas individuais. Não posso deixar de mencionar
os companheiros de graduação. Em especial, Catherina Godeghesi, com quem compartilho,
desde 2008, os passos da carreira acadêmica, fazendo-nos apoio mútuo a despeito das
dificuldades e da solidão na qual se tornam alguns momentos da investigação.
Ao Marcel Lima, confrade e amigo, que além de ter sido companhia nos retornos para
casa durante a faculdade, tornou-se peça fundamental para a realização do mestrado. Graças à
doação das 48 edições, o projeto se tornou realidade. A mesma gratidão deve ser estendida à
Kátia e Márcia, filhas do senhor Renaud, que me receberam de braços abertos no Rio de
Janeiro. Pude participar dos congressos e dos debates graças a esse apoio tão amplo.
Os agradecimentos não se encerram apenas nos corredores da academia. Merecem
minha gratidão, também, os amigos de escola, que por tantos anos estão ao meu lado.
Continuam a ser parceiros nas empreitadas da vida. Em especial à Marianna Parro, que
realizou a revisão de todos os capítulos antes da qualificação.
Aos membros da Confraria da Paulicéia Desvairada: Bruno, Guilherme, Leonardo,
Maurizio e Renato. Parceiros nos devaneios, nas longas conversas e nos momentos que
precisava olhar mais de longe aquilo que estava estudando. Pelos momentos de cantoria, de
festa e de suporte irrestrito.
À Capela da Serra. Espaço no qual pude congregar ecumenicamente e compartilhar de
uma fé plural e crítica.
Aos meus familiares, que estiveram ao meu lado nesses dois anos, apoiando com tudo
que pudiam, e um pouco mais. Em especial à Ingrid, que se torna cada dia mais uma
companheira de caminhada, com quem quero conquistar junto muitos outros sonhos.
Ao meu irmão, que há 25 anos tem sido um amigo insubstituível. Parceiro e ouvinte
dos momentos mais diversos. Um pedaço de mim, só que mais velho.
SUMÁRIO
Introdução ... 13
Capítulo 1
–
O Percurso até a OCIAA ... 31
1.1
Roosevelt, o
New Deal
e a Segunda Guerra Mundial ... 32
1.2
A Política Interamericana e a Boa Vizinhança ... 35
1.3
O
Office
e Rockefeller ... 38
Capítulo 2
–
O Herói-Soldado-Cidadão na
Em Guarda
... 45
2.1
Em Números ... 45
2.2
Temas de Análise ... 47
2.2.1
Preparo ... 47
2.2.2
Humanização ... 64
2.2.3
Heróis ... 72
2.3
Indicações de percurso ... 95
Capítulo 3
–
Herói-Soldado-Cidadão na Representação Cultural ... 97
3.1
A formação da tríade: Herói-Soldado-Cidadão ... 97
3.2
Por que o caubói no imaginário americano? ... 107
3.3
A jornada do herói ... 116
Apontamentos finais ... 123
Bibliografia ... 130
LISTA DE FIGURAS E TABELAS
Figura 1 - Edição 1, Ano 1, p. 42... 49
Figura 2 - imagem do filme "Olympia", de 1938 ... 50
Figura 3 - Edição 1, Ano 1, p. 43... 51
Figura 4 - Edição 1, Ano 1, p. 47... 53
Figura 5 - Edição 1, Ano 1, terceira capa ... 54
Figura 11 - Edição 4, Ano 2, p. 17 ... 56
Figura 13 - Edição 9, Ano 2, p. 11 e 37 ... 58
Figura 14 - Edição 9, Ano 2, p. 11 e 37 ... 58
Figura 15 - Edição 9, Ano 2, p. 11 e 37 ... 59
Figura 16 - Edição 9, Ano 2, p. 12 e 37 ... 59
Figura 17 - Edição 9, Ano 2, p. 12 e 36 ... 60
Figura 18 - Edição 2, Ano 3, p. 1... 61
Figura 19 - Edição 2, Ano 3, p. 1... 62
Figura 20 - Edição 2, Ano 3, p. 2... 63
Figura 6 - Edição 1, Ano 1, p. 46... 64
Figura 27 - Edição 6, Ano 4, p. 15 ... 69
Figura 28 - Edição 6, Ano 4, p. 26 ... 70
Figura 8 - Edição 7, Ano 1, p. 18... 72
Figura 9 - Selo oficial do governo dos EUA ... 73
Figura 10 - Cruz de Relevantes Serviços e Medalha de Honra do Congresso ... 73
Figura 22 - Edição 10, Ano 3, Capa ... 82
Figura 23 - Edição 10, Ano 3, p. 14 ... 84
Figura 24 -Edição 10, Ano 3, p. 15... 85
Figura 25 - Edição 10, Ano 3, p. 15 ... 89
Figura 26 - Edição 1, Ano 4, p. 23 ... 92
Figura 29 - Edição 11, Ano 4, p. 37 ... 94
Figura 30 - A tríade Herói-Soldado-Cidadão ... 97
Figura 31 - Edição 1, Ano 2, p. 38 ... 101
Figura 32 - Edição 4, Ano 2, p. 18 ... 102
Figura 33 - Edição 8, Ano 3, p. 9... 115
Tabela 1 - Relação de matérias com o mesmo tema por ano ... 46
Rosário e Barros, Iberê Moreno.
Para a defesa das Américas
: O Herói-Soldado-Cidadão na
Revista Em Guarda (1941-1945). 2015. 133f. Dissertação (Mestrado em História
Social)
—
Pontifícia Universidade Católica de São Paulo
RESUMO
Esta pesquisa se propõe a analisar a representação dos soldados americanos como a imagem
de indivíduo modelar para os latino-americanos. Dentro da perspectiva de que o discurso
apresentado na publicação analisada, tanto das imagens como dos textos, é parte da Política
de Boa Vizinhança, pode-se desdobrar sobre a representação transmitida e as influências
internas que a construíram. A problematização surge a partir observação das 48 edições da
revista
Em Guarda
, produzida entre 1941 e 1945, pelo
Office of the Coordinator of Inter
American Affairs
. A partir de uma análise quantitativa, na qual foram identificadas as
reincidências, realizou-se uma seleção e uma análise qualitativa das imagens e textos então
categorizados como parte da temática do soldado. Compreendendo que esses soldados são
apresentados como Heróis-Soldados-Cidadãos, passou-se a trabalhar com o conceito,
retomando questões desde os mitos fundadores do ser americano, se centrando na imagem do
cowboy
. Possibilita-se assim a compreensão de alguns pontos dos processos e das intenções
da americanização por todo o continente.
Rosário e Barros, Iberê Moreno.
Para a defesa das Américas
: O Herói-Soldado-Cidadão na
Revista Em Guarda (1941-1945). 2015. 133f. Dissertação (Mestrado em História
Social)
—
Pontifícia Universidade Católica de São Paulo
ABSTRACT
This research analyzes the representation of the american
’
soldiers as an image of the
role model to the latin-americans. In this perspective, that the speech presented in the texts
and images of the analyzed publication is part of the Good Neighbor Policy, it can be
disclosed in the debate around the representation transmited and the internal influences that
build it. The investigation arrises from the observation of the 48 editions of
Em Guarda
, the
magazine published between 1941 and 1945, by the Office of the Coordinatior of Inter
American Affairs. Starting from a quantitative analysis, in which it was identified the
relapses, some of the editions were picked, based on the soldiers thematic, and the texts and
imagens were put under a qualitative analysis. Understanding that this soldiers were presented
as Heros-Citizen-Soldiers, the work focused on the debate of this concept, from the founding
myth of being americans, and as a reference to the image of the cowboy. By this measures, its
possible to understand some process and intentions of the americanization of the continent.
13
INTRODUÇÃO
Esta dissertação se insere no campo da História Social e na linha de pesquisa “Cultura
e Representação” e relata pesquisa realizada sobre a construção e difusão do americanismo no
contexto da Segunda Guerra Mundial. Nela buscou-se compreender como se deu a
representação do Herói-Soldado-Cidadão na revista
Em Guarda: para defesa das Américas
,
publicada pelo OCIAA
–
Office of the Cordinator of Interamerican Affairs
–
entre 1941 e
1945.
Utilizou-se nesta investigação de um instrumental teórico metodológico que combinou
uma pesquisa empírica e uma abordagem bibliográfica. Através da catalogação das matérias e
imagens publicadas nas 48 edições da revista, foram selecionados e identificados os principais
temas a partir dos quais se discutiu a representação do Herói-Soldado-Cidadão, enquanto
discurso do americanismo.
Para compreender a estrutura e o contexto atual do Brasil e do mundo é preciso olhar
para o passado. Entender os movimentos que formam a política e a economia, mas acima de
tudo, a cultura. É, principalmente, através desse eixo que podemos construir uma imagem
mais complexa e completa de nós e da nossa identidade, como sociedade. Quando pensamos o
caminho percorrido para chegarmos até aqui, devemos ter a consciência do quão sinuoso ele
tem sido. E neste sentido, a história e os seus documentos facilitam e indicam os rastros desse
caminho a ser reconstituído. Cabe ao historiador saber juntar os pedaços e posicioná-los de
maneira que, além de fazer sentido, permitam que nos compreendamos melhor. É esse o
exercício que realizamos nesta dissertação, e esperamos que ele seja tão elucidativo a quem lê
quanto nos foi e tem sido ao longo da pesquisa realizada.
14
da “balança de poder”, como apontam os teóricos das Relações Internacionais
1. Assim, para
compreender o sistema político internacional e suas interações é preciso entender as relações
dos e com os EUA. Ainda mais se queremos tornar compreensíveis as interações do Brasil
com o mundo, que teve e tem como importante mediador e interlocutor dessas relações os
EUA.
Lembra-nos Gerson Moura, em sua obra
Tio Sam Chega ao Brasil
, ao definir por que
a década de 1940 é o ponto de virada e central nessa ligação entre o Brasil e os Estados
Unidos da América:
Mas a década de 40 é notável pela presença cultural maciça dos Estados Unidos,
entendendo-se cultura no sentido amplo dos padrões de comportamento, da
substância dos veículos de comunicação social, das expressões artísticas e dos
modelos de conhecimento técnico e saber científico. O traço comum às mudanças
que então ocorriam no Brasil na maneira de ver, sentir, explicar e expressar o mundo
era a marcante influência que aque
las mudanças recebiam do ‘
american way of life’
(MOURA, 1984 p. 8)
Mesmo em momentos muito diversos, sejam eles de aproximação ou de afastamento,
sempre mantivemos uma forte conexão com o “vizinho ao norte”. Quando pensamos
principalmente do ponto de vista diplomático e governamental, essa ideia é reafirmada.
Podemos tomar como referência, para compreender esse escopo, a obra de Letícia Pinheiro,
Política Externa brasileira
, a qual ressalta que desde o Barão do Rio Branco, passamos a
entender os EUA como polo de poder nas relações internacionais.
[...] Rio Branco deu início à formulação de uma alternativa de inserção internacional
que acabaria por se constituir num verdadeiro paradigma de política externa. Como
eixo central desse paradigma, a percepção de que os Estados Unidos se constituíam
num novo pólo de poder mundial tendo em vista a expansão do seu sistema
capitalista; além disso, sua busca por hegemonia política e econômica no hemisfério
transformava o Brasil, juntamente com os demais países latino-americanos, em sua
área de influência. (PINHEIRO, 2004 p.14)
Porém, no campo cultural, os processos de construção dessa hegemonia ocorreram em
um modo único e à parte, de tal maneira que podemos falar de um “Imperialismo Sedutor”,
por parte dos EUA, conforme argumenta o professor Antônio Pedro Tota em sua obra
homônima. Não há, no entanto, um fato isolado ou exclusivo que mostra essa busca pela
hegemonia, mas podemos encontrar diversos vestígios em inúmeros lugares.
1
O conceito, largamente adotado pelas Escolas Realista e Neorrealista das Relações Internacionais, propõe que
15
É possível observar um amplo leque de políticas e ações que refletiram a construção e
consolidação de uma “área de influência” dos EUA na América Latina. Desde a concess
ão de
bolsas de estudo acadêmicos até a publicação de histórias em quadrinhos, nada aconteceu de
maneira tão acidental quanto pode parecer.
Há uma intencionalidade e um objetivo político, o de cativar “os corações e mentes”
de todos, assim como dita o mote utilizado largamente por Lyndon Johnson, criado pelo
Founding Father,
John Adams. Essa ideia é carregada pela visão de que a conquista real de
um indivíduo não está apenas na coerção ou doutrinação, mas sim no fazer com que esta
pessoa creia e siga por vontade própria o que é apresentado.
Não podemos deixar de lado uma questão acadêmica de que os estudos dos Estados
Unidos da América, no Brasil, diversas vezes pendem para um maniqueísmo. Uma situação
na qual as relações entre os países são vistas como de total dependência e dominação. A
denúncia e oposição ao “imperialismo” se torna carregada de um discurso ideológico
doutrinário anticapitalista. Entendemos que quando o discurso se rende a uma ideologia e
assume a defesa de dogmas, sem uma confrontação dialética, ele se afasta do pensamento
científico.
Pretendemos aqui evitar essa posição, pois nossa proposição é mais do que tomar
partido. Compreender uma potência com essa proporção é ver a história com mais nuances e
variáveis. Utilizamos, então, as palavras do professor Tota:
Irresistível o maniqueísmo nos estudos da ‘americanização’ do Brasil. As aspas têm,
pois, sua razão de ser. O fenômeno é ora interpretado como um grande período
destruidor da nossa cultura, influenciando-a negativamente; ora, de forma oposta, é
visto como uma força paradigmática e mítica, capaz de tirar-nos de uma possível
letargia cultural e econômica, trazendo um ar modernizante para a sociedade
brasileira. (TOTA, 2000. p.10)
É importante ressaltar uma questão de ordem conceitual. O termo “americano”, é
utilizado a partir da reflexão do trecho abaixo de Antonio Pedro Tota. Sendo assim,
doravante, sempre que
usarmos a palavra “americano” e suas flexões, sem o complemento
latino, estamos falando dos EUA.
Tome-se a taxionomia dos Estados Unidos. Trata-se de um dos únicos países no
mundo, se não o único, que não possui um nome específico substantivado. Tem-se a
sensação de um ente abstrato que possui qualidades políticas. Seria no máximo um
conjunto de estados independentes que decidiram se unir em torno de alguns ideiais
comuns. […] Mantendo a idéia de independência, o conjunto adotou um nome
comum: Estados Unid
os da América. Um conceito sociológico e político. […] Não
existe, em inglês, uma palavra que defina os nascidos nos Estados Unidos. Ou
melhor, existe:
Americans
. Havia, desde os primórdios, um desejo inconsciente, que
se traduziria na idéia do “destino manifesto”: os Estados Unidos se apropriaram da
16
Essa potencial confusão semântica foi usada intencionalmente pelos próprios projetos
do período. A política de Boa Vizinhança, inclusive nos documentos oficiais largamente
utilizados pelos historiadores atualmente, tratava o continente como dois: a América, que
eram os Estados Unidos da América; e as Outras Américas, compostas por todos os demais
países, com exceção do Canadá.
Usarmos, portanto, o termo
“e
stad
unidense” ou “norte
-
americano” traria
incongruências ou mesmo tomadas de posições ideológicas às quais buscamos nos afastar em
razão do maniqueísmo imanente. Temos uma visão crítica ao observar o período, porém não
nos redemos à um fatalismo. A aproximação, e a construção da hegemonia americana em todo
o continente, se deu por vias suaves, principalmente no período da Segunda Guerra Mundial,
então optamos assim por uma posição de menos confronto direto e mais análise a partir do
contexto.
Essa sedução americana tem momentos de maior apoio do governo dos EUA, e é na
análise da produção de um desses momentos que a presente pesquisa se insere. No período
que precedeu, e durante, a Segunda Guerra Mundial o intercâmbio cultural foi
progressivamente se intensificando, seja através de manifestações artísticas ou da vinda de
pilotos de avião para Natal, RN.
Tanto por força de empresas privadas, como através do apoio governamental,
principalmente por parte dos EUA, os dois países passaram a comungar cada vez mais dos
mesmos interesses e valores. São em casos como o da cantora Carmen Miranda, que em 15 de
julho de 1940 é acusada de estar americanizada, que vemos os primeiros traços dessa mistura,
ainda com certas resistências, mas já em processo.
Essas ações, de aproximação, são reforçadas pelo temor americano de que o governo
de Getúlio Vargas se alinhasse ao Eixo. Por si só o grande número de imigrantes alemães e
italianos na região sul do Brasil já tirava o sono dos estadistas americanos e as ações do
presidente brasileiro apenas aumentavam essa preocupação. Dois exemplos foram os acordos
de compensação firmados com a Alemanha, em 1935, e o discurso de Getúlio Vargas, abordo
do
Minas
Gerais, em 11 de Junho de 1940.
Somado a isso ainda havia um certo fetichismo do militarismo alemão, que com sua
extrema disciplina e estética impecáveis expostas em grandes manifestações públicas atraiam
muito a atenção do alto círculo militar brasileiro. Em oposição ao modelo americano, “... o
modelo autárquico experimentado pela Alemanha nazista era um paradigma aparentemente
17
Mesmo em âmbitos acadêmicos e de debates entre renomados pensadores, havia uma
visão de que o germanismo poderia de fato ser uma via de conduta e prática para o Brasil. De
acordo com Tota: “O germanismo era, pois, um outro paradigma, que se apresentava como
alternativa à dependência em relação à Inglaterra e à crescente influência dos Estados
Unidos.” (TOTA, 2000, p.23)
Fora as questões de sedução por parte dos nazistas, existe o fato de que durante as três
décadas que precederam a Segunda Guerra Mundial os EUA utilizaram a política do “
big
stick
”, criando uma certa animosidade da América Latina com os americanos, levando
-nos à
análise de Gerson Moura, a qual indica a dupla preocupação do governo
yankee
:
Essa persuasiva presença alemã preocupava o governo dos Estados Unidos,
empenhado, nessa mesma década, em passar uma borracha no passado e apagar as
marcas deixadas nos inquietos vizinhos do su
l pela política do “porrete grande” (
big
stick
) e suas variantes, que Tio Sam adotara nos primeiros trinta anos do século XX
(MOURA, 1984 p.15)
Uma pesquisa de mercado, realizada no período, mostra de maneira muito clara essa
preocupação por parte dos americanos. Dirigida por Lloyd A. Free
2, tal pesquisa buscava
identificar as opiniões da população brasileira em relação à guerra; e entabulava um
cruzamento entre a formação da opinião pública e o impacto das rádios de ondas curtas.
Resultados posteriores a isso, já no período da Guerra Fria, são programas como o de Al
Neto, que traziam de maneira clara o modelo americano como o ideal para o Brasil.
O interesse americano não se dava apenas por razões econômicas e ideológicas; mas
também, estratégicas, que estavam relacionadas à guerra, na qual os EUA ainda não haviam
ingressado, mas sabiam ser certa a sua participação. No caso do Brasil, além de ser um país de
proporções continentais e principal potência regional, seu posicionamento geográfico se
mostrava importante no cenário internacional. A ponta do nordeste brasileiro é, em todo o
continente americano, o local mais próximo da África, o que o torna um ponto ideal para os
voos militares da América rumo ao continente africano e até à Europa. A base de Parnamirim,
localizada no estado do Rio Grande do Norte, foi a concretização desse plano dos EUA e
ficou conhecida como o “trampolim da vitória”. Foram muitos os frutos dessa integração
entre os dois países, inclusive o sinal de positivo indicado com o polegar, conforme nos relata
Tota logo no início de sua obra (2000, p.10).
2
Encontramos diversos dados comprovando a existência da pesquisa, mas não a pesquisa em si. Uma nota no
18
Foi dentro desse contexto de necessidade de aproximação entre os EUA e o Brasil e de
mudança de imagem, que o governo de Franklin Delano Roosevelt tomou uma medida muito
importante. No dia 16 de Agosto de 1940, criou o
Office for Coordination of Commercial and
Cultural Relations between the American Republics
, que um ano mais tarde teria seu nome
alterado para
Office of the Coordinator of Inter-American Affairs
(OCIAA), nome pelo qual
ficou mais conhecido. O escolhido para ocupar o posto foi Nelson Aldrich Rockefeller, que
fazia parte de uma das famílias mais influentes dos EUA e do mundo.
O nome para a posição de coordenador não veio por acaso. Já havia um envolvimento
de Nelson Rockefeller com as questões culturais e comerciais na América Latina. Desde que
exerceu um cargo no
Chase National Bank
, mais especificamente no Departamento de
Negócios Estrangeiros, e foi obrigado a realizar algumas viagens à América Latina, ele passou
a atuar tanto apoiando e desenvolvendo novos trabalhos da Fundação Rochefeller, como
incentivando a arte. Não por menos foi presidente do MoMA e Conselheiro do
Metropolitan
Museum
, o que o levou a ter maior facilidade para circular nesses ambientes, tanto
econômicos empresariais como artísticos e culturais.
Essa posição, somada ao seu carisma, fizeram dele um homem de destaque em
diversos círculos e âmbitos. Suas ações envolviam não apenas recursos e suporte do Estado
americano, mas também o apoio e a participação ativa de empresas e outras fundações
daquele país. Nelson Rockefeller é uma figura de tão grande importância para a política
americana, em especial para as relações entre os EUA e a América Latina, que foi objeto do
livro “O Amigo Americano”, também do professo
r Tota (2014). Na leitura dessa obra
podemos compreender mais claramente a relação da missão e do missionário.
Sua família representava e fazia parte de um grupo de protestantes muito tradicionais e
que acabaram transpondo muito bem os valores para a reli
gião laica que se tornou o “ser
americano”. Essa linha teológica do protestantismo, que foi explicada, categorizada e
relacionada por Max Weber em 1904, desenvolveu uma proximidade e intimidade com o
capital. A ética protestante, de acordo com o autor alemão, comunga de maneira única com os
valores, preceitos e proposições do capitalismo. A transformação desse modelo econômico em
um padrão quase espiritual chega ao seu ápice no âmbito fértil do protestantismo americano, e
é nos Estados Unidos da América que ele floresce de maneira firme e consolidada, como
ressalta o próprio autor.
19
experiências e pesquisas quantitativas e históricas. O primeiro ponto a ser ressaltado é a ideia
que ele apresenta em contraposição ao senso anterior de que todas as minorias, por uma
exclusão social, acabam adotando uma atividade aquisitiva, conforme o próprio autor ressalta.
A concepção de Weber segue uma nova proposição, ao apontar que na Alemanha, a minoria,
composta por católicos, não assume esse papel característico do capitalismo. E corrobora isso
ao dizer:
[...] o fato de que os protestantes (em particular certas correntes internas, que mais
adiante serão tratadas especificamente), seja como camada dominante ou dominada,
seja como maioria ou minoria, mostraram uma inclinação específica para o
racionalismo econômico que não pôde e não pode ser igualmente observada entre os
católicos, nem numa nem noutra situação. A razão desse comportamento distinto
deve, pois ser procurada principalmente na peculiaridade intrínseca e duradoura de
cada confissão religiosa, e não somente na respectiva situação exterior
histórico-política. (WEBER, 2004, p.33)
O trecho reproduzido acima conclui uma discussão sobre o
ethos
das igrejas
protestantes, na qual se vê a ideia da superação através do esforço próprio e o conceito de
acúmulo de capital como algo positivo. De acordo com as teorias de Weber, enquanto os
católicos pensam em como se estabelecer e se manter, os protestantes buscam como aprimorar
seu capital para o seu proveito e para que suas reservas aumentem.
Retomando o provérbio que o sociólogo alemão aponta, “bem comer ou bem
dormir,
há que escolher”, pode
-se seguir pela mesma trilha. Enquanto os católicos escolheriam bem
dormir, ou seja, apenas a segurança de vida e recursos suficientes para se estabilizar, os
protestantes, por sua vez, escolheriam o bem comer, que simbolizaria a abundância. Nada
mais apropriado ao desenvolvimento do capitalismo do que a segunda opção, pois fomenta o
aumento de recursos e o consumo.
Por sua vez, Tocqueville faz ainda a aproximação de que essa lógica protestante não
só se dissemina na vida individual, mas se espraia até a construção do Estado. Para ele a
filosofia do “[...] protestantismo sustenta que todos os homens têm igual possibilidade de
encontrar o caminho do céu” (TOCQUEVILLE, 2005, p. 10). Essa afirmação se coloca para
corroborar a existência e o sucesso da democracia enquanto modelo político. Tal lógica não se
encerra nesse âmbito sacro, uma vez que o mesmo autor vai propor uma “religião laica”
enquanto base moral e ética presentes na constituição do Estado americano.
20
oposição social. Para Tocqueville a revolução democrática deve ocorrer progressivamente em
todos os países, mas:
Há um país no mundo em que a revolução social de que falo parece ter alcançado
mais ou menos seus limites naturais; produziu-se nele de uma maneira simples e
fácil, ou antes podemos dizer que esse país vê os resultados da revolução
democrática que se realiza entre nós sem ter passado pela revolução mesma
(TOCQUEVILLE, 2005, p. 19)
Frutificada no povo americano, essa revolução democrática mais do que simbolizar a
elevação da humanidade, teria a guarida de um novo povo escolhido, que deveria propagar
essa “boa nova”. Tal entendimento fica evidente na proposição central do
Destino Manifesto
3.
Para Tocqueville, é a somatória das diferenças que estão intrínsecas aos imigrantes
americanos que criou essa possibilidade.
Os emigrantes que vieram fixar-se na América no início do século XVII separaram
de certa forma o princípio da democracia de todos aqueles contra os quais estes
lutavam no seio das velhas sociedades da Europa e transplantaram-no sozinho nas
terras do novo mundo. Ali, ele pôde crescer em liberdade e, caminhando com os
costumes, desenvolver-se sossegadamente nas leis. (TOCQUEVILLE, 2005, p. 19)
Para o pensador francês há uma paridade e uma necessidade de complementação da
construção individual para a construção coletiva. Uma vez que “não se pode estabelecer o
reinado da liberdade sem o dos costumes, nem fundar os costumes sem as crenças”
(TOCQUEVILLE, 2005, p. 17). É curioso observar que há uma consonância entre essa ideia e
as proposições de Gramsci, formuladas tantos anos depois, na qual a hegemonia de um país e
de um modelo ideológico só se dá com uma construção cultural ampla, abarcando o
predomínio de opiniões específicas em diferentes campos individuais.
Tocqueville deixa claro o quão encantado ele estava ao escrever e ao ter vivido nos
Estados Unidos da América. E podemos dizer que essa sedução ainda é presente na cultura
americana. Assim como ele constata que os EUA não são apenas um país que se pode
descrever de maneira laudatória, mas uma construção
sui generis
que depende de uma análise
história e cultural para se fazer minimamente clara.
Confesso que vi na América mais que a América; procurei nela uma imagem da
própria democracia, de suas propensões, de seu caráter, de seus preconceitos, de
suas paixões; quis conhecê-la, ainda que só para saber pelo menos o que devíamos
dela esperar ou temer (TOCQUEVILLE, 2005, p. 20)
3
O conceito foi discutido por diversos autores. Shane Mountjoy apresenta a seguinte definição que
traduzimos aqui: “A expressão Destino Manifesto
é usada para expressar a crença que se tinha no destino
dos EUA em se expandir pelo continente americano.[...] O termo simbolizava a ideologia e o desejo dos
21
Podemos perceber ecos desse pensamento protestante laicizado no modo expansionista
e de consumo dos americanos, e principalmente na religiosidade laica criada desses conceitos.
Por mais que não se tenha mais uma preponderância religiosa institucional, houve uma
possível sacralização do Estado; de tal forma, que este foi responsável por assumir o manto da
autoridade confessional. O
american dream
4e o
american way of life
5englobam claramente
essa conceituação e são os exemplos dessa assimilação. Vale então ressaltar que os heróis
americanos nada mais fazem do que proteger esses direitos e sonhos presentes na ideologia
americana. Assim como o
cowboy
fazia no Velho Oeste, os soldados o fazem no
front
de
batalha e os civis nas fábricas e enfermarias.
A construção mitológica de um Estado tem como seu mais forte resultante o
excepcionalismo americano. Essa ideia de que o povo e sua política representam não apenas
uma instituição e uma nação, mas uma escolha ideológica, tomou até mesmo uma dimensão
teológica. De acordo com Godfrey Hodgson:
No século XIX americanos acreditavam que era deles o qu
e Jefferson chamou de “o
império da liberdade” e instintivamente aplaudiram quando Lincoln disse que o país
deles era “a última, melhor esperança da terra”. O excepcionalismo americano foi
nutrido pelo sucesso espetacular dos Estados Unidos no século XX, e especialmente
pelo modo como a América, sozinha, emergiu fortalecida por duas guerras mundiais.
(HODGSON, 2009, p. 10)
6No mesmo texto, Hodgson coloca a frase atribuída a Hofstadter como epígrafe: “Tem
sido nosso destino enquanto nação não ter ideologias,
mas ser uma” (apud HODGSON, 2009,
p.1). De maneira a sintetizar brevemente o que é o referido espírito americano, vemos que ele
transmutou de um nacionalismo para uma ideologia, ou como entendemos aqui, para uma
crença. Essa religiosidade dita laica se espalha por toda a cultura americana, construindo seus
santos e salvadores.
O contexto da Segunda Guerra Mundial, e a produção de propaganda dos EUA, como
no caso da OCIAA, foi um ponto de maior crescimento e solidificação dessa tradição
ideológica que tende a uma visão religiosa do Estado. Também foi assim no momento no qual
4
Aqui entendido como um mito criado no senso
comum de que os EUA são a “terra das oportunidades” na
qual todos podem prosperar a partir do esforço próprio.
5
Por sua vez o entendido como o modo de vida embasado nos valores liberais de consumo e conservadores
de relações.
6
Tradução livre de: In th
e nineteenth century Americans believed that theirs was what Jefferson called “the
22
se tentou fazer com que a imagem tanto externa quanto interna dos EUA se tornassem
consonantes. Maland pontua que:
Quando americanos no final dos anos de 1930 começaram a se sentir mais
ameaçados pelo crescimento estrangeiro do totalitarismo do que pelas inseguranças
alimentadas pelo crash da bolsa de valores, uma anteriormente fragmentada cultura
americana começou a se unificar. Um senso comum começou a se formar, um
paradigma solidificado durante a Segunda Guerra Mundial quando os esforços
americanos estavam concentrados em derrotar o Eixo. (MALAND, 1979, p. 697)
7O modo interno de compreender os EUA acabou se refletindo no modo de se divulgar
a ideologia da nação, o americanismo. Isso criou uma visão externa do país, de como além de
ser a terra das oportunidades e da liberdade, ali também existe uma espécie de “religião
política”. Tal armação nos remete novamente à Tocqueville. Hodgson, de uma maneira
sucinta, ainda elenca como se organiza esse panteão criado no imaginário dos estrangeiros:
Algumas vezes sobrevêm aos estrangeiros que essa tradição amadureceu em algo
que aparenta ser uma religião política da liberdade, que tem como trindade George
Washington, o pai da república; Thomas Jefferson, o seu espírito; e Abraham
Lincoln, o filho martirizado. Certamente eles têm seus apóstolos e discípulos, seus
textos sagrados, seus festivais e seus rituais. (HODGSON, 2009, p. 10)
8A atuação de uma política externa dos EUA então deixa de ser apenas num campo
burocrático e material. A importância de se afirmar e demonstrar a cultura americana,
principalmente sob essa ótica de uma superioridade sacralizada, tem sua razão de ser. Existia
a ameaça nazista, já declarada e que ganhava adeptos mundo afora, que exercia certa sedução
junto às pessoas. Coube aos americanos fazerem o contraponto, de maneira a garantir a sua
sobrevivência e também de seus aliados.
Temos, então, no OCIAA e em Nelson A. Rockefeller uma missão e o seu
missionário, para a América Latina. Utilizando de suas capacidades, tanto intelectuais como
financeiras, o diretor do
office
faria de tudo para cumprir seu objetivo. Mais do que defender a
América, o que se buscava era a defesa do americanismo, como conceito, por si só, amplo e
independente de um território fixo. O OCIAA desempenha uma função estratégica e
imprescindível na Segunda Guerra. E acabou rendendo muitos frutos também no pós Guerra,
7
Tradução livre de: When Americans in the late 1930s began to feel more threatened by the rise of foreign
totalitarianism than by the economic insecurities fostered by the stock market crash, a previously fragmented
American culture began to unify. A common system of belief began to form, a paradigm solidified during
World War II, when American effort was directed toward defeating the Axis powers
8
Livre tradução de: Sometimes it occurs to foreigners that this tradition has matured into something akin to
23
uma vez que difundiu sua ideologia, de um excepcionalismo americano, por toda a América
Latina.
Antes de discutirmos, então, o papel da revista Em Guarda e a sua importância como
estudo é preciso circunscrever um termo fundamental: o americanismo. Criado dentro do
governo americano, em uma “fábrica de ideologias”, de acordo com Antonio Pedro Tota,
o
conceito pode ser entendido “como uma ideologia pragmática, em que o sufixo
–
ismo
tinha se
transformado num poderoso armamento intencional, com o claro objetivo de suplantar outros
–
ismos
, autóctones ou não.” (2000, p. 19).
Alguns dos elementos mais importantes dessa construção, de acordo com o autor
supracitado, são: a democracia, como bastião da liberdade e dos direitos individuais; o
progressivismo, na ideia da capacidade criativa do indivíduo americano e seu racionalismo; e
o tradicionalismo, na sua visão quase bucólica que enaltece os valores da família e da religião,
dentro do escopo da filosofia protestante. Portanto a americanização é o processo de
exportação e divulgação, com a possível adoção por parte do impactado, de todo um conjunto
de valores. Tendo esse pressuposto definido podemos então apresentar melhor o objeto de
nossa pesquisa empírica.
A revista
Em Guarda: para defesa das Américas
, que foi analisada na pesquisa
9ora
relatada, teve 48 publicadas em português, ao longo de quatro anos
10. Com periodicidade
mensal, a publicação teve o seu primeiro número lançado, de acordo com nossa pesquisa, em
agosto de 1941. Ela foi inicialmente pensada como divulgação exclusiva das Forças Armadas
americanas, tanto que seus dois primeiros números se diferenciam bastante dos demais, com
suas matérias focadas na produção bélica e no preparo das tropas e dos equipamentos para a
guerra. Até mesmo o seu formato físico, o seu projeto gráfico e a qualidade de impressão
trazem características distintas das edições posteriores.
A revista adquiriu um novo formato a partir do terceiro número, que traz na capa a
identificação de Outubro de 1941, com mais imagens e fotos, além de uma qualidade gráfica
mais refinada e um tratamento de uma revista como a
Times
ou a
Life
. Inclusive o conteúdo se
altera, passando a abranger, além das notícias militares, informações sobre as negociações
diplomáticas entre os “países das Américas”, para utilizar o termo por eles adotado,
informações econômicas e de preparação para o conflito, além de mostrar mais os cidadãos
americanos, a população civil.
9
Há de se notar que todos os trechos transcritos foram mantidos em sua grafia original, mantendo os diversos
erros gramaticais e ortográficos que são encontrados na publicação.
24
Desde essa alteração, até o décimo segundo exemplar do quarto ano, são poucas as
mudanças físicas e editoriais. As mais identificáveis estão na quantidade de material em
impressão colorida, e nalguns pequenos retoques na logomarca da publicação. A segunda
mudança perceptível é na quantidade de informações, que variam conforme a evolução do
conflito, com temas ora de cunho político-diplomático, ora relativas ao
front
de batalha, ora
relacionadas a questões econômicas, ora culturais. Progressivamente a revista passa a ser
também uma fonte de informações gerais, com abordagens, por exemplo, sobre a integração
interamericana e mundial, como que se antecipando à criação de Organizações Internacionais
que viriam a se consolidar, como a ONU e a OEA.
Alguns aspectos são notáveis na publicação, desde a qualidade altíssima das imagens,
para os padrões gráficos da época, até a abrangência nas mais variadas temáticas que
interessavam à relação interamericana, de acordo com a OCIAA. Uma questão que nos chama
muita atenção é o preço baixo de venda de cada exemplar da revista, que, conforme indicam
algumas das edições, era de 10 centavos de dólar. Tratava-se, portanto, de uma publicação
mantida pelo governo dos EUA. Isso é ainda mais patente por não existirem propagandas
comerciais
–
com reforço neste segundo termo, afinal, a revista em si é uma propaganda, não
de um produto, mas de uma ideologia.
É nesse recorte que entendemos a importância de analisar não apenas os textos verbais
presentes na publicação, mas também as imagens, em especial as fotografias. Boris Kossoy,
no livro
Fotografia e História
, nos mostra a importância desse registro enquanto documento
histórico, principalmente para uma análise tão difusa quanto a história cultural:
É a fotografia um intrigante documento visual cujo conteúdo é a um só tempo
revelador de informações e detonador de emoções. Segunda vida perene e imóvel
preservando
a
imagem-miniatura
de
seu
referente:
reflexos
de
existências/ocorrências conservados congelados pelo registro fotográfico. Conteúdos
que despertam sentimentos profundos de afeto, ódio ou nostalgia para uns, ou
exclusivamente meios de conhecimento de informação para outros que os observam
livres de paixões, estejam eles próximos ou afastados do lugar e da época em que
aquelas imagens tiveram origem. Desaparecidos os cenários, personagens e
monumentos, sobrevivem, por vezes os documentos. (KOSSOY, 2001, p.28)
Na revista
Em Guarda
os textos e imagens enaltecem sempre a capacidade do
indivíduo americano, a
american ingenuity
, seja como soldado ou como cidadão, que atua de
25
um dos tópicos mais ricos da revista, a representação do americano como um
Herói-Soldado-Cidadão.
Ainda antes de prosseguir é importante ressalvar o conceito da
american ingenuity
.
Assim como o “jeitinho brasileiro”, que não poderia ser diretamente transliterado sem uma
explicação, esse conceito paradigmático nos remete à criatividade do indivíduo americano,
principalmente em dominar e domar a natureza a seu favor. Por isso muitas vezes essa ideia
está ligada às novas tecnologias e às evoluções técnicas. Charles Maland ainda nos lembra da
ligação dessa capacidade tecnológica com o consenso liberal, no qual haviam duas pedras
fundamentais:
[...] estrutura da sociedade americana estava completa e segura, e de que o
comunismo era uma ameaça clara à sobrevivência dos Estados Unidos e seus
aliados.[...] Essa visão se sustentava a partir deste quadro: o sistema econômico
americano se desenvolveu, atenuando as desigualdades e brutalidades de um
capitalismo mais jovem, tornando-se mais democrático e proporcionando
abundância para uma porção ainda mais larga da população como nunca antes. A
chave para ambos democracia e abundância é produção e avanço tecnológico;
crescimento econômico provê a oportunidade de atender as necessidades sociais, de
desmantelar os conflitos de classe, e trazer os trabalhadores das fábricas à classe
média. (MALAND, 1979, p. 698)
11Junto a essas referências teóricas, construímos, então, a ideia do
Herói-Soldado-Cidadão, que abraça de maneira única os valores americanos já mencionados e a construção
mística e mítica do Estado. A revista
Em Guarda
como que nubla essas dimensões e nos leva
a enxergar estas três categorias como uma única categoria, de tal maneira que tanto o civil
comum como o soldado podem assumir a posição arquetípica representada na tríade
Herói-Soldado-Cidadão.
Essa construção simbólica do indivíduo americano representado na revista, pode ser
compreendida utilizando a teoria das quatro posses essenciais, de Oliveiros S Ferreira,
proposta na obra
Os 45 cavaleiros húngaros
. Partindo da ideia de hegemonia, sob os moldes
de Gramsci, o professor Oliveiros propõe que existem quatro eixos de condutas sob os quais
se estrutura a cultura, ou seja, os valores nucleares da cultura. Utilizemos as palavras do
próprio autor para descrever essa base:
11
Tradução livre de: “[…] tha
t the structure of American society was basically sound, and that Communism
was a clear danger to the survival of the United States and its allies. […] That view argued its position in
26
Esses valores nucleares de uma determinada cultura [...] são aqueles referentes às
condutas religiosas, sexuais, econômicas e políticas
–
afetivos uns, de deferência,
outros. Se os afirmo nucleares, é porque penso repousar a obra humana sobre a
coerência sistemática, integrativa, dessas condutas e dos valores que as norteiam, e
não de outros. Sem dúvida, a escolha denuncia uma idéia genérica do homem: a de
que o indivíduo com que nós temos de haver na realidade é um ser de carne e osso,
um homem, como dizia Miguel de Unamuno em
El sentimiento trágico de la vida
,
que nasce, sofre e, ainda que não queira morrer, morre, e que antes de ser um animal
racional é um ser afetivo ou sentimental. É este caráter afetivo fundamental que, nas
diferentes formações sociais, faz sua vida girar em torno da idéia da morte e de
como organizar em vida suas relações com este estranho mundo do qual viajante
algum voltou, e da maneira de melhor enredar em proveito próprio, na trama que
constrói no dia-a-dia, o seu parceiro sexual. É igualmente esse caráter afetivo
fundamental, associado à necessidade de sobreviver e dominar em um mundo que na
aparência é coerente, que faz o homem de carne e osso tratar de maneira elementar
ou intuitiva os universos econômico e do poder, cujas leis não entende e dos quais
até certo ponto se encontra fora, embora aja como se dentro deles estivesse e seus
fossem. A sociedade e a cultura nucleiam-se em torno desses valores, e não de
outros
—
a prova, ainda que difícil de estabelecer, pode ser levantada na longa
agonia humana para fazer da Utopia o país real e concreto do amanhã, e da Poesia
(amor e morte) o lenitivo a aplacar o sentimento trágico da vida e a revolta diante da
morte, do abandono e da injustiça. (Ferreira, 1986, p. 58)
Ou seja, o modo como nos relacionamos com a nossa essência mais humana e sensível
é o que nos guia enquanto construção social. Isso quer dizer que acabamos adotando como
certo aquilo que organiza a nossa vida dentro desses quatro cernes: Religião, Sexualidade,
Economia e Política. A hegemonia, e por sua vez a dominação de um grupo de indivíduos, se
dá quando se pode pautar esses quatro pontos. Isso seria, portanto, a dominação completa dos
corações e mentes.
A partir, da identificação dessa composição Herói-Soldado-Cidadão, identificada nas
leituras da fonte, realizamos a análise das matérias da revista
Em Guarda
, através de uma
pesquisa quantitativa. Estruturamos uma catalogação das edições, conforme pode ser visto nos
apêndices. Criamos com isso um índice das notícias e das imagens, assim como a
classificação da categoria temática, dentro de sete temas diferentes. Cada um dos temas foi
escolhido pensando no número de aparições no conjunto e a sua relevância para a análise.
Eles são:
América Latina; Cidadão; Estado/Forças Armadas; Indústria; Material Bélico;
Soldados;
e
Outros
.
A partir do resultado do levantamento quantitativo e da leitura das 48 edições,
identificamos três temas predominantes:
América Latina
,
Cidadãos
e
Soldados
. O primeiro
já foi tratado em diversos outros trabalhos, então optamos por nos centrar nos
Soldados
. Essa
27
Partindo de pressupostos de uma historiografia mais complexa, entendemos que a
contribuição na compreensão da história e da cultura de um país a partir da leitura de um
estrangeiro é oportuna e pode ser benéfica para a própria construção da história por parte
daqueles que vivem nesse país. O olhar de fora traz ângulos distintos de leitura, que permitem
novas interpretações à pesquisa e a constituição de um repertório mais complexo ao próprio
pesquisador. É assim que esta pesquisa se apresenta. Com o olhar de um pesquisador
brasileiro sobre uma publicação dos EUA voltada ao público da América Latina em um dado
momento da história, de forma a compreender a construção e difusão do americanismo no
contexto da Segunda Guerra Mundial.
A dissertação traz, então, três capítulos e uma conclusão, além desta introdução. No
primeiro capítulo trabalhamos um preâmbulo histórico, no qual apresentamos, de maneira
breve, o contexto político do pré-guerra, tanto no Brasil como nos EUA. No segundo capítulo
abordamos os dados retirados do documento, a revista
Em Guarda
, mesclando a discussão
teórica com a discussão sobre a fonte, realizando assim uma análise do objeto de estudo, o
Herói-Soldado-Cidadão. No terceiro capítulo são realizados apontamentos sobre a pesquisa,
principalmente sobre a construção do arquétipo do herói no imaginário americano e como ele
foi apresentado na revista. Ao final do trabalho, após sua conclusão, podem ser encontrados
nos apêndices, gráficos, tabelas e fichas, resultantes da pesquisa quantitativa das 48 edições
analisadas.
A título de conclusão desta introdução, optamos por trazer aqui um breve relato sobre
o acesso aos documentos que se tornaram objeto de análise da pesquisa ora relatada. E o
fazemos em um tom testemunhal. Com isso fica registrado como entramos em contato e
adquirimos a coletânea com os 48 números da revista
Em Guarda
. Fruto de um relativo acaso
e da existência de uma coleção esquecida esta pesquisa pôde se concretizar, como relatamos
logo abaixo.
Podemos, então, trazer a público a primeira análise que levanta informações e
categoriza a compilação completa da revista
Em Guarda
. Sabemos de pesquisas que
28
Ao final do curso de graduação em Relações Internacionais, já em processo de escrita
de um projeto de Mestrado, tomamos algum tempo em busca de um objeto que fosse, de fato,
instigante. Ao retomarmos alguns dos tópicos do curso de História dos EUA, ministrado pelo
professor Tota, veio-nos a ideia de trabalhar com a revista Em Guarda, publicação com a qual
tivemos um primeiro contato mais detido a partir da coleção parcial que ele nos apresentara e
que nos despertou forte interesse desde a primeira leitura. Além das edições da coleção do
professor Tota, tivemos acesso a alguns outros números isolados, mas que não formavam
sequências.
Em um momento de descontração com um colega de faculdade, chamado Marcel
Villemor Jofily de Lima, em conversa sobre perspectivas profissionais e projetos de
continuidade de estudos, quando expressamos a ele as dificuldades em reunir o material de
pesquisa que havíamos pensado para o Mestrado. Ao mencionarmos o nome da publicação
que nos instigava, ele se surpreendeu e nos relatou que tinha alguns números da tal revista Em
Guarda em casa. Ele não sabia ao certo quantos números, mas sabia que era uma quantidade
considerável. Marcel se dispôs, então, a nos ceder essas revistas que tinha para a realização da
pesquisa aqui relatada. Já com o material nas mãos, identificamos que a coleção estava
completa. O que, por certo, trouxe um caráter de viabilidade ao projeto que desenhávamos.
Entramos em contato com o Marcel para informar o resultado da organização do
material recebido e ele nos relatou como os números foram adquiridos e preservados. Seu
avô, Renaud dos Santos de Villemor Cardoso, no final da década de 1950 adquiriu um terreno
em Teresópolis. Por diversas razões, apenas em 1967 iniciou a construção de uma casa que
viria a se tornar o sítio da família, a qual existe até hoje. Durante o período de construção ele
ia regularmente à Teresópolis onde almoçava no restaurante “Taverna Alpina”, do qual
sempre retornava à sua residência com alguns números da revista Em Guarda. Elas eram
disponibilizadas aos clientes do estabelecimento para leitura enquanto aguardavam para serem
atendidos, mas como eram já antigas foram sendo passadas para o senhor Renaud. Como
eram temas do interesse de Renaud e ele tinha o costume de colecionar diferentes objetos,
acabou por aos poucos ir acumulando os números.
29
parente mais próximo, que também teria essas informações seria seu filho, Paulo Renaud
Luciola de Villemor Cardoso, que faleceu 2008.
Após o falecimento do Sr. Renaud, as revistas foram guardadas em seu apartamento
no Rio de Janeiro, e encontradas, durante um momento de organização dos pertences do
falecido, por parte de suas filhas, em meio aos diversos objetos e coleções. Marcel, sabendo
que estas seriam jogadas fora, por aparentemente não terem um valor comercial ou
sentimental, pediu para que ele pudesse levá-las consigo. Fez isso imaginando que os volumes
teriam algum valor histórico e guardou toda a coleção. Ele acabou não encontrando uma
oportunidade para trabalhar com as revistas. Mas teve a generosidade de nos ceder a coleção,
o que possibilitou que a presente pesquisa fosse realizada.
31
CAPÍTULO 1
–
O PERCURSO ATÉ A OCIAA
Para se construir a compreensão da história precisamos observar, além do texto, o
contexto. Ou seja, para discutirmos o que é apresentado na revista estudada na pesquisa ora
relatada, precisamos olhar também quem a produziu, assim como o contexto no qual estavam
as pessoas que a produziram. Da mesma maneira é preciso olhar como a produção refletia
aquele momento e os pensamentos dos seus produtores.
Portanto, para podermos compreender a revista
Em Guarda
é preciso trazer à
discussão o contexto no qual se deu o surgimento da publicação. Além das questões
subjetivas e que se encontram nos campos culturais, presentes mais à frente nesta dissertação,
é preciso notar como eram as relações dos países latino americanos com os EUA, nos anos
anteriores e durante a Segunda Guerra Mundial. Também é preciso resgatar o contexto dos
EUA, interno e externo, uma vez que foi naquele espaço que foi produzida a publicação. E
por fim é importante conhecer tanto a agência que deu sustentação àquele projeto editorial,
como o coordenador que deu as diretrizes a todos os trabalhos do OCIAA.
Assim, este primeiro capítulo é proposto como breve localização histórica. Ele está
dividido em quatro seções. Na primeira é apresentado o contexto do governo de Franklin
Delano Roosevelt. Esperamos assim mostrar como os EUA, mesmo antes de entrar no
conflito já haviam assumido um posicionamento claro, adotando uma mudança na sua política
externa, a partir de alterações do contexto interno, com o
New Deal
.
Na segunda seção nossa atenção se volta para a política interamericana. Foram
conferências, encontros de embaixadores e acordos que acabaram marcando até hoje o modo
como os países de todo o continente se relacionam. Não nos ocupamos de um esquema linear
e de natureza laudatória de todos esses eventos. Eles são indicados de forma que se tornem
marcos para a compreensão da importância da revista e do discurso ali presente.
Na terceira seção nos ocupamos de tratar sobre a OCIAA e Rockefeller.
Utilizando-nos do relatório oficial, escrito do Donald Rowland, remontamos algumas das principais
etapas da sua criação e do desenvolvimento de alguns dos projetos. Como a
Em Guarda
foi
32
suas principais alterações. E nos apoiando no amplo trabalho de Tota, indicamos alguns
tópicos importantes sobre Nelson Aldrich Rockefeller.
1.1
Roosevelt, o
New Deal
e a Segunda Guerra Mundial
A situação política interna dos Estados Unidos da América no período prévio à entrada
na Segunda Guerra Mundial é muito específica. Podemos encontrar autores e manuais de
história que vão apontar as raízes desde a quebra da Bolsa de Nova Iorque, em 29 de Outubro
de 1929
12. Por ser um momento muito delicado e de variáveis muito grandes, nesta pesquisa
optamos por observar o contexto a partir da criação do
New Deal
.
A pesquisadora Érica Monteiro resume aquele momento de uma maneira direta e que
justifica, assim, a vitória de Franklin Delano Roosevelt (FDR) nas urnas:
O
crack
da Bolsa de Nova York em 1929 é um marco na história do sistema
capitalista monopolista norte-americano. Suas repercussões, tais como o aumento de
preços e as falências de bancos, o desemprego e a crise nos setores industriais e
agrícolas fizeram com que a sociedade norte-americana demandasse uma atitude
mais ativa do Estado no que tange à regulação da economia. Cabe ressaltar que,
mesmo antes da crise de 1929, já era possível perceber sinais de dificuldades na
economia do país, tanto no campo, quanto em alguns setores da indústria, tais como
carvão, ferrovias e têxtil, além de uma excessiva concentração de riqueza agravada
por uma frouxa política tributária relacionada às grandes corporações. No entanto, a
política liberal de não interferência do governo federal acabou por piorar a crise.
(MONTEIRO, 2014, p. 36).
Sob a argumentação de mudanças fortes e capazes de alterar o país, Roosevelt ganha
as eleições com larga maioria. É importante ressaltar que desde o início das preparações para
a sua campanha, ele passou a contar com o apoio de empresários e capitalistas importantes,
como o caso de Nelson Rockefeller (MONTEIRO, 2014, p. 37). Isso já é um dos indicativos
do que viria a ser o
New Deal
, um novo pacto entre o Estado, a população e, de maneira
subsequente, as empresas.
Ainda que não encerrasse um projeto coerente de reformas políticas econômicas e
sociais, as políticas implementadas por Franklin D. Roosevelt em resposta à Grande
Depressão lançaram os fundamentos do estado keynesiano e do poder sindical nos
Estados Unidos. Analiticamente, o New Deal pode ser dividido em quatro
dimensões: a relativa a reformas econômicas e à regulação de setores da economia, a
que se refere a medidas emergenciais, a que diz respeito a transformações culturais,
e, por último, a referente à nova pactuação política entre o Estado e atores sociais até
então largamente alijados da esfera pública, formando a chamada coalizão do New
Deal. (LIMONCIC, 2003, p.140)
12