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Capítulo 3 – Herói-Soldado-Cidadão na Representação Cultural

3.2 Por que o caubói no imaginário americano?

A maior parte da reflexão aqui apresentada nas duas próximas seções foi construída e

discutida nos encontros de pesquisadores de Estados Unidos da América, entre os anos de

2013 e 2014. O texto no qual nos baseamos foi publicado nos anais do 1º encontro e no livro

Visões da América: A História dos EUA discutida por pesquisadores brasileiros. Para a

inserção no capítulo foram feitas alterações e modificações de acordo com discussões

posteriores às publicações.

Entendemos, a partir das reflexões colocadas acima, que existe um modelo arquetípico

de herói que seria específico dos Estados Unidos da América. Vemos assim um padrão

baseado na construção ideológica cultural americana, que perdura desde a sua fundação até os

dias de hoje sob as mais diferentes formas e apresentações. Essa essência, fundada num

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A representação ficou tão importante que acabou-se “abrasileirando” o termo original. Usar a palavra no seu,

já não tão novo, neologismo mostra como se espalhou e enraizou o conceito nas mais diversas culturas.

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incognoscível mitológico, é apresentada na revista Em Guarda, e por isso nos interessa

compreende-la de maneira mais complexa.

Uma ressalva é necessária, para que sejam evitadas possíveis dúvidas acerca da

precisão desta proposição. Optamos por adotar o termo cowboy, e sua versão caubói, em

função da elasticidade do termo. Temos clareza que muitas vezes a imagem que mais

facilmente se associa a este imaginário é a do vaqueiro texano, principalmente dos filmes de

faroeste. Devemos levar em consideração, portanto, que essa é uma das roupagens mais

populares atualmente, mas não a única. E mais, ela é a versão absorvida por uma cultura

específica, que a reinterpreta de determinada maneira e com expectativas distintas das

originais.

Como Hobsbawm aponta, a tradição do caubói foi inventada. Ela surge num contexto

de ebulição das discussões acerca do tema, tanto no meio acadêmico quanto ficcional.

Theodore Roosevelt publicou Winning the West por volta de 1890

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, trazendo à tona

personagens que posteriormente se tornariam ícones dessa simbologia, como Daniel Boone.

Junto a isso deve-se constatar a apresentação da tese do frontier, de Turner e alguns outros

fatores.

E que dizer da inventada tradição do caubói americano, que, como vimos, emergiu

nos anos 1890 e — ao menos durante cerca de meio século — acabou inundando e

absorvendo a tradição nativa internacional original do Oeste? Ou melhor, que dizer

das inventadas tradições do caubói, pois essa fórmula literária ou subliterária

particular se mostrou imensamente maleável e flexível. Não preciso situar essa

emergência num momento crucial da história americana, dramatizado, se quiserem,

pela coincidência, na Exposição de Chicago em 1893, de Turner ler sua tese sobre a

fronteira perante a incipiente Associação Histórica Americana enquanto, lá fora,

Buffalo Bill exibia seu zoo-safári com animais do Oeste que já não podiam andar a

esmo, livremente, em condições naturais. (HOBSBAWM, 2013, p. 4188-4193)

A invenção da tradição do caubói, apresentada por Hobsbawm, tem como função a

criação de uma identidade americana. Assim como afirmamos anteriormente, a construção

desse patriotismo vai se expandir a tal ponto que se torna a própria ideologia americana. O

compêndio de ideias e proposições se solidifica em si, e dá fundamento para o americanismo,

que vai ser exportado e explorado. Os impactos vão ser distintos conforme os países e

interesses do Estado e dos cidadãos.

Neste ponto vemos uma divergência com o modo como Hobsbawm enxerga o mito.

Para o autor, o mito não tem tamanha força e, mesmo, acaba se esvaindo. Acreditamos, e

como podemos ver nas representações da Em Guarda, que o mito é ainda mais forte em países

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que sofrem uma americanização mais intensa. Falar desse processo a partir da Inglaterra é

muito diferente de falar desse mesmo processo a partir do Brasil.

As relações internacionais, tanto oficiais como informais, alteram os entendimentos da

história e da cultura. O Brasil, como bem aponta Tota, é seduzido pelo imperialismo, mesmo

que com ressalvas: “A vitória estratégica de Rockefeller foi significativa. Vitória do programa

de ‘conquista de corações e mentes’ dos brasileiros, em vez de submissão militar” (TOTA,

2000, p. 180). Mesmo que não completamente e alterando alguns desses valores mais centrais

temos uma americanização intensa. Logo, não podemos tratar o caubói da mesma maneira que

um europeu.

Hobsbawm acaba colocando a imagem desse herói americano como algo pontual e

historicamente datado, mas para uma realidade brasileira, essa representação precisa ser

expandida. O nosso sertanejo e o nosso gaúcho acabam ecoando esse mesmo constructo, o

que facilita ainda mais a nossa assimilação. Tanto que Earl Parker faz a seguinte ressalva em

Journey to Manaos:

[...] a colonização do interior da América do Sul daria um novo alento ao nosso

mundo civilizado [...] confronto-me a todo momento com o argumento romântico de

que a conquista do sertão bravio da América do Sul daria para o hemisfério

ocidental o que a conquista do Oeste deu para os Estados Unidos, em um momento

crítico. (apud TOTA, 2000, p.188)

Se tomarmos ainda uma atenção especial à Em Guarda, vemos que os soldados ali

apresentados, de fato, não eram apenas americanos comuns, mas defensores das Américas. A

revista, mesmo tendo sido entregue também em solo europeu, sempre foi pensada para a

população latino-americana. Fazia parte de um projeto de Estado essa divulgação de discurso.

A argumentação de um heroísmo americano acaba sendo abarcada.

Os textos apresentados no capítulo anterior diversas vezes ressaltam a capacidade

americana, a american ingenuity, como no caso da matéria, da 9ª edição do segundo anos, que

mostrava a preparação contra as intempéries. Assim como encontramos os inúmeros relatos

heroicos, sejam os já citados Rickenbacker e Kelly ou o aviador Farnan, apresentando como

eles lideraram seus companheiros.

Assim como foi Daniel Boone, esses soldados foram importantes para a travessia das

fronteiras, mas não mais do Oeste. A expansão ainda era dos mesmos valores, do mesmo

americanismo que havia nascido no tempo da frontier, mas agora ela ganhava novos pontos

de parada. Esses combatentes estavam defendendo e levando a novos territórios a democracia

e a liberdade, e os latino americanos precisavam saber disso.

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Berço do caráter americano, como preconizado por Theodore Roosevelt e Turner, o

wilderness vai cada vez mais perdendo suas raízes originais e se tornando um mito. O caubói

sai do âmbito real e passa a habitar no incognoscível, como uma imagem arquetípica. Mesmo

que a roupagem não seja exatamente a mesma para todos. A essência se repete, a de um

indivíduo que preza e defende a liberdade e o americanismo. É com autores como Durand que

podemos compreender mais claramente as imbricações do herói americano. Não esperamos

adentrar profundamente no âmbito da psicologia e da antropologia, mas indicar os rastros por

onde existem os encontros que permitem uma melhor compreensão da nossa realidade.

Antes de seguir, é interessante brevemente definir o termo arquétipo. Não utilizamos

totalmente em sua acepção original, uma vez que dependeria de um fôlego maior e mais

específico. De acordo com o Dicionário Crítico de Análise Junguiana, arquétipo é: “uma

entidade hipotética irrepresentável em si mesma e evidente somente através de suas

manifestações” (SAMUELS, SHORTER e PLAUT, 2003).

O arquétipo em si, portanto, é intangível, mas podemos compreendê-lo nas suas

diferentes manifestações. O herói, no caso da cultura americana, se apresenta sob a forma do

caubói. Logo, é intrínseco a uma representação de um herói, por um americano, a roupagem

do caubói, entendida não na sua simbologia direta, mas no seu modo de agir e compreender a

realidade. O americanismo, como uma ideologia, tem no caubói o seu representante máximo,

seja ele nas vestes do pioneiro ou do soldado.

Como apoio, é interessante buscar alguns referenciais teóricos que nos ajudam a

compreender melhor essas interconexões e as representações na revista Em Guarda. Gilbert

Durand, dentro de uma análise profunda das estruturas antropológicas do imaginário, afirma

que: “[...] os arquétipos ligam-se a imagens muito diferenciadas pelas culturas e nas quais

vários esquemas se vêm imbricar.” (DURAND, 2002, p. 62).

De acordo com o autor, os esquemas são os processos de interação que estruturam o

nosso imaginário. Entendemos o imaginário, da mesma maneira que a professora Magali

Cunha, pois ele: “[...] diz respeito às expressões culturais e se modifica na configuração da

identidade que cada cultura produz e sustenta como sua.” (CUNHA, 2011, p. 38). Destes dois

autores, portanto, podemos compreender que os arquétipos de fato recebem roupagens que se

estruturam conforme as construções culturais que os utilizam.

Cornelius Castoriadis dá um passo ainda além, ao propor o conceito de social-

histórico, como parte da discussão do imaginário. Para o filosofo grego: “O homem só existe

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cada sociedade dada é uma forma particular e mesmo singular. A forma implica a

organização, em outras palavras, a ordem.” (CASTORIADIS, 1987, p. 228)

Portanto, “isto significa que os indivíduos são todos produtos das instituições, bem

como reprodutores delas” (CUNHA, 2011, p. 40). Há então um paradoxo de auto construção

e alteração da sociedade, que se dá de maneira natural e contínua. Essas modificações e

manutenções se dão através das imagens e das identidades. A lógica então apresentada aqui

vai aproximando-nos da proposição, que foi citada na introdução, das quatro posses essenciais

do professor Oliveiros S. Ferreira.

Não é ao nível dos fatos econômicos que se encontrará a explicação para aceitar uma

posição subordinada ou rejeitá-la; no fundo essas atitudes exprimem simbolicamente

a cara e a coroa da mesma moeda, que é a luta pela conquista da hegemonia, ou, se

se quiser, com alguma redução, a ação política, cuja “orientação fundamental está na

ideia de acumulação do poder” em um ampliar constante que vai “da influência

psicológica à aplicação de sanção pela força” (FERREIRA, 1986, p. 7)

Utilizando das citações de Hans Barth, o professor Oliveiros nos mostra, a partir de

uma leitura de Gramsci, como se constrói a hegemonia. É um rompimento direto com a ideia

de que o Estado se estrutura apenas sob a ótica coercitiva e opressora fisicamente.

Observamos então as construções do “imperialismo” americano sob uma versão mais amena,

porém de raízes mais profundas.

A Em Guarda contribui para essa influência psicológica. Ao analisarmos as imagens

que ela carrega, e os discursos dos seus autores e responsáveis, vemos que eles buscavam

impregnar as significações e compreensões com o modo americano. Almejavam trazer à

América Latina o mesmo standard dos Estados Unidos da América. Os impactos mais diretos

e concretos podem ser vistos em estudos como o Imperialismo Sedutor, de Tota.

Ainda antes de se aprofundar na discussão da teoria das quatro posses essenciais, no

Os 45 Cavaleiros Hungaros, Oliveiros destaca claramente a sua posição, a qual nos

alinhamos nesta pesquisa:

[...] o campo em que se exerce a hegemonia (aceitando-se a definição sugerida, de

ser ela a supremacia de uma conduta sobre outra) não é especificamente o da

economia, mas o da política (enquanto conjunto de práticas destinadas a assegurar a

manutenção do aparelho de Estado, ou sua conquista) associado ao da cultura. Esta

leitura mais ampla, fugindo dos cânones dogmáticos e formais de explicação,

responde à pergunta que se fez desde o início dessas reflexões, qual seja o saber por

que, em termos normais, os simples aceitam a concepção do mundo que, na prática

do cotidiano, apenas confirma a condição de subordinação e submissão em que se

encontram. (FERREIRA, 1986, p. 37)

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A professora Magali Cunha, sem a discussão gramsciniana direta, aponta uma

consonância muito grande com a construção de Oliveiros. Isso é claro pela sua proximidade e

afiliação com os pensadores dos Estudos Culturais, principalmente da Escola de Birmingham:

Ainda que haja esse movimento perpétuo de produção e reprodução, possibilitado

pelo tempo, as várias instituições formam e funcionam como um todo coerente. Há,

portanto, uma unidade na instituição do grupo social como um todo. Essa unidade é

composta por um tecido complexo de significações que impregnam, orientam e

dirigem toda a vida do grupo social e todos os indivíduos que o constituem.

(CUNHA, 2011, p. 40)

Vemos como estruturas destas instituições as posses essenciais, de maneira que é a

partir dos modos de entendimento delas que se constrói e se molda a sociedade. Tendo os

EUA um projeto claro de aproximação e de uma conquista dos “corações e mentes”, há uma

busca pela hegemonia. A revista Em Guarda se torna assim um dos veículos dessa busca, o

que a faz um objeto único para a análise do americanismo no Brasil. Podemos assim

identificar qual foi a imagem transmitida e que se intencionava que fosse absorvida e adotada.

No entendimento dos processos de produção e absorção da cultura acaba-se surgindo

um ciclo virtuoso. É interessante que ao explicar essa ideia cíclica a Cunha ainda coloca que

“as culturas são construídas pelo imaginário social que, por sua vez, é tensionado e

ressignificado pelas próprias culturas gerando novas criações, significações imaginárias — o

‘movimento perpétuo’” (CUNHA, 2011, p. 40).

Ou seja, as relações culturais e identitárias se espelham nas construções imaginárias e

do imaginário. As roupagens que os arquétipos assumem assim uma importância única, sendo

os ecos da sociedade que os carrega. Tendo o americanismo como pressuposto a expansão,

nada mais natural do que o mito do Oeste, sob o constructo do caubói, assumir essa posição.

Por fim Magali Cunha propõe que:

Afirmar o “movimento perpétuo” da interrelação imaginário social e cultura é

também afirmar que identidades culturais são construídas, não determinadas,

moldadas pelo movimento de criação incessante que a dinâmica social possibilita

aos indivíduos e aos grupos. E aqui se colocam as mídias e suas formações culturais

como parte desta dinâmica. (CUNHA, 2011, p. 46)

A revista Em Guarda faz parte dessa dinâmica, afinal integra diretamente as mídias.

Donald Rowland, no relato histórico oficial da OCIAA, aponta que a própria divisão de

imprensa se entendia enquanto propaganda, mais do que uma incumbência de informação,

mas pregava que era através de informações confiáveis e corretas que se suplantaria o avanço

nazista. No relatório está assim colocado:

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O Office se orgulhava de gerenciar seu programa de informação de acordo com os

melhores padrões profissionais, e sem nenhuma perversão deliberada da verdade. No

primeiro ano de operações (pelo menos de acordo com os memorandos da agência)

as atividades nesta área eram francamente referenciadas mais como propaganda do

que como informação, e havia uma consciência clara de direção de todo o programa

em apresentar os Estados Unidos para outras repúblicas americanas, ambos em

conexão com suas políticas de guerra e com atenção aos seus esforços de promover

um bem-estar no hemisfério em uma base de longo prazo, de uma maneira favorável

e convincente. (ROWLAND, 1947, p. 42)

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Com isso vemos que mesmo que a revista seja verdadeira e comprometida com um

padrão de produção claro, ela acabava ressaltando o que traria uma imagem mais interessante,

enquanto aproximação. Esse defensor, e não apenas salvador, sob a máscara do Herói-

Soldado-Cidadão, humaniza algo que poderia ser distante. Mitifica o americano enquanto

capaz de suprir e atender esse posto de vizinho protetor.

Um último ponto da reflexão de Hobsbawm, que contribui para a nossa compreensão

dessa construção e que torna clara a referência que nos embasamos, é de que o caubói é o

ápice do conflito da civilização com a natureza. Assim como os pioneiros de Roosevelt, os

frontiersmen de Turner e os soldados da Em Guarda, o caubói é responsável por defender o

equilíbrio perfeito entre a civilização e as liberdades.

A imagem original do Faroeste, suponho, contém dois elementos: o confronto entre

natureza e civilização, e o confronto entre liberdade e restrições sociais. Civilização

é o que ameaça a natureza; e (como se vê, mas isto não é tão claro inicialmente) a

mudança da servidão ou da coação para a independência, que constitui a essência

dos Estados Unidos como ideal europeu radical no século XVIII e começo do século

XIX, é na verdade o que leva a civilização ao Faroeste e assim o destrói.

(HOBSBAWM, 2013, p. 4140-4144)

A análise de Frederick Pike se torna então muito apropriada. Em seu artigo Natureza e

Cultura: América Latina, mitos e estereótipos nos Estados Unidos nas décadas de 20 e 30, o

autor mostra como dentro desse período predecessor a Segunda Guerra Mundial houve uma

mudança no modo de ver e compreender a América Latina. Foram mantidas algumas

questões, principalmente a ideia de uma certa inferioridade, mas com um certo respeito à essa

condição.

Com um paralelo entre masculino, sendo a civilização, e feminino, sendo a natureza, o

autor nos mostra como as questões internas dos EUA acabaram modulando as visões sobre os

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Tradução livre de: “The Office prided itself in handling its information program in accordance with the best

professional standards, and with no deliberate perversion of the truth. In the first years of operations (at least

in agency memoranda) the activities in this field were spoken of frankly as propaganda than information,

and there was of course a conscious direction of the entire program so as to present the United States to the

other American republics, both in connection with its war policy and in regard to its efforts to promote

hemisephere welfare on a long range basis, in a favorable and convincing light.”

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vizinhos ao sul do Rio Grande. A política da Boa Vizinhança, para ele, é um momento único

de aproximação, no qual a visão machista foi atenuada, mas se manteve. A representação dos

latino americanos continuou sendo a da mulher, do frágil e do a ser protegido.

Enquanto continuar a prosperidade capitalista, a maioria dos norte-americanos vai,

provavelmente, continuar mantendo certo desprezo por todos aqueles – no interior

ou além de suas fronteiras – que possam ser considerados criaturas naturais graças a

seus instintos gregários ou comunitários e sua falta de empenho para dominar ao

máximo a natureza a fim de garantir o máximo de lucro privado. Os que não se

empenharam tanto continuarão a ser celebrados como o equivalente do Nobre

Selvagem por intelectuais norte-americanos como incapaz de suprimir a natureza –

ao menos até que o capitalismo sofra outra crise que possibilite uma renovação geral

do respeito pela natureza e pelo natural. Quando chegar esse momento, entretanto, o

desenvolvimento da área abaixo do Rio Grande poderá ter tornado absolutamente

impossível, até mesmo para o mais romântico dos norte-americanos, perceber a

América Latina como um estado de natureza típico das visões de Locke e Rousseau

e não das de Hobbes. Além de tudo, desde os anos 30, um povo estereotipado como

comodamente resignado, por suas características infantis e femininas, a viver graças

à generosidade de uma civilização paternalista já desafiou, com uma fúria gelada,

toda a pertinência desse estereótipo. Com relação ao processo de se estereotipar

conceitos, a era da Boa Vizinhança representa um período único das percepções

norte-americanas do Sul; uma era que jamais deverá se repetir (PIKE, 2001, p. 73)

Nada mais apropriado, portanto, de ser o caubói, másculo e viril, o responsável por nos

defender. A Em Guarda traz esse discurso de maneira muito intensa ao apresentar em relatos

heroicos apenas homens enquanto protagonistas. De acordo com Pike:

Favorecido agora pela tecnologia do cinema, o culto do cowboy pôde assim

florescer com novo vigor. Conforme era percebido pela década de 20, o cowboy

com frequência havia se tornado a metáfora de uma íntima conexão com o mundo

exterior, revigorante e rejuvenescedor. (PIKE, 2001, p. 49)

Apesar desse foco, a mulher americana também recebe um tratamento especial na

revista Em Guarda. Além dos relatos enquanto trabalhadoras industriais e donas de casa, ela

aparece desempenhando funções de enfermagem, nos EUA e no front, e em alguns cargos de

burocracia. A mulher não é vista como apenas um complemento da vida do homem, mas não

pode abandonar as suas funções enquanto responsável dos afazeres do lar e nem seus

cuidados estéticos.

Um caso de destaque, que foge à representação padrão, é o da Coronela Hobby,

encontrado na oitava edição do terceiro ano da revista. Essa situação é bem específica por se

tratar da responsável pelo Corpo Feminino do Exército, braço civil criado para liberar os

homens que desempenhavam funções burocráticas e internas para o front.

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Figura 30 - Edição 8, Ano 3, p. 9

Na imagem acima, Olveta Culp Hobby posa para a foto. A bandeira ao fundo e o

semblante sério demonstram a sua importância em âmbito estatal, assim como foi feito com