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Capítulo 1 – O Percurso até a OCIAA

1.1 Roosevelt, o New Deal e a Segunda Guerra Mundial

A situação política interna dos Estados Unidos da América no período prévio à entrada

na Segunda Guerra Mundial é muito específica. Podemos encontrar autores e manuais de

história que vão apontar as raízes desde a quebra da Bolsa de Nova Iorque, em 29 de Outubro

de 1929

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. Por ser um momento muito delicado e de variáveis muito grandes, nesta pesquisa

optamos por observar o contexto a partir da criação do New Deal.

A pesquisadora Érica Monteiro resume aquele momento de uma maneira direta e que

justifica, assim, a vitória de Franklin Delano Roosevelt (FDR) nas urnas:

O crack da Bolsa de Nova York em 1929 é um marco na história do sistema

capitalista monopolista norte-americano. Suas repercussões, tais como o aumento de

preços e as falências de bancos, o desemprego e a crise nos setores industriais e

agrícolas fizeram com que a sociedade norte-americana demandasse uma atitude

mais ativa do Estado no que tange à regulação da economia. Cabe ressaltar que,

mesmo antes da crise de 1929, já era possível perceber sinais de dificuldades na

economia do país, tanto no campo, quanto em alguns setores da indústria, tais como

carvão, ferrovias e têxtil, além de uma excessiva concentração de riqueza agravada

por uma frouxa política tributária relacionada às grandes corporações. No entanto, a

política liberal de não interferência do governo federal acabou por piorar a crise.

(MONTEIRO, 2014, p. 36).

Sob a argumentação de mudanças fortes e capazes de alterar o país, Roosevelt ganha

as eleições com larga maioria. É importante ressaltar que desde o início das preparações para

a sua campanha, ele passou a contar com o apoio de empresários e capitalistas importantes,

como o caso de Nelson Rockefeller (MONTEIRO, 2014, p. 37). Isso já é um dos indicativos

do que viria a ser o New Deal, um novo pacto entre o Estado, a população e, de maneira

subsequente, as empresas.

Ainda que não encerrasse um projeto coerente de reformas políticas econômicas e

sociais, as políticas implementadas por Franklin D. Roosevelt em resposta à Grande

Depressão lançaram os fundamentos do estado keynesiano e do poder sindical nos

Estados Unidos. Analiticamente, o New Deal pode ser dividido em quatro

dimensões: a relativa a reformas econômicas e à regulação de setores da economia, a

que se refere a medidas emergenciais, a que diz respeito a transformações culturais,

e, por último, a referente à nova pactuação política entre o Estado e atores sociais até

então largamente alijados da esfera pública, formando a chamada coalizão do New

Deal. (LIMONCIC, 2003, p.140)

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A título de exemplo: MURRIN, J. M. et al. Liberty, Equality, Power: A History of American People.

Compact fifth. ed. Boston: Thomson Wadsworth, 2008.

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A proposta principal de John Maynard Keynes foi publicada apenas em 1936, em sua

obra Teoria geral do emprego, do juro e da moeda, mas desde 1913 o economista já vinha

publicando estudos e proposições acerca do modelo capitalista vigente. A teoria keynesiana

propunha, em oposição a outras linhas teóricas como a neoclássica, que era necessário que o

Estado intervisse, gerando emprego, principalmente na construção civil de cunho estrutural,

para que se superasse uma crise econômica (PINHO et al, 2011, p.52-53).

A contratação massiva por parte do Estado geraria benefícios tanto a curto prazo,

reduzindo o desemprego, como a longo prazo, aprimorando as condições gerais do país. É

uma ótica alinhada com um Estado atuante na economia sob a qual FDR vai implantar o novo

pacto. Os desdobramentos, como apontou Limoncic, não são exclusivos de um campo

econômico, pois são acompanhados de mudanças também no campo cultural, como é o caso

da abolição da lei seca, uma das primeiras ações do governo Roosevelt (TOTA, 2000, p.38).

Esses esforços se refletiram no modo como os americanos entendiam a si próprios e o

que era o ideal americano. Esse New Deal impactou de tal maneira que:

Com ele surgiu um sentimento de que os anos 20 foram anos de pecado e por isso

precisavam ser esquecidos. Havia que se concentrar num grande esforço de

reconstrução. O país adquiriu a feição de uma imensa família reunida em torno de

um “pai” que, a propósito, entrava em contato com os lares americanos

semanalmente, por meio dos fire side chats que Roosevelt fazia pelo rádio. (TOTA,

2000, p.38)

A compreensão da mudança de visão que o governo FDR gerou na população é

importante, inclusive, para podermos deixar clara a alteração nas relações com a América

Latina. A política de Boa Vizinhança, portanto, se torna possível dentro do New Deal, uma

vez que pensar nas suas questões individuais também passa a ser pensar no coletivo. O medo

cada vez maior de um domínio alemão do Atlântico foi um dos gatilhos para o início de uma

nova proposição para a América Latina, mas fundamentada nessa mudança interna e em

reflexões que já vinham sendo debatidas anteriormente nos EUA.

Não há como negar: a Segunda Guerra Mundial é o ponto de virada na história das

relações culturais entre o Brasil e os Estados Unidos. No entanto a idéia de uma

política de Boa Vizinhança que incluía a cultura na agenda internacional, foi

pensada algumas décadas antes, na gestão do republicano Herbert Hoover. Eleito em

novembro de 1928, Hoover embarcou numa viagem pela América Latina que,

segundo ele, não era exatamente uma viagem de recreação. Pretendia mudar alguns

aspectos importantes da política externa americana. Assim que chegou a Amapala,

Honduras, Hoover fez um discurso no qual usou a expressão good neighbor, que

seria adotada por Roosevelt em 1933. (TOTA, 2000, p. 28)

Mesmo tendo partido de uma iniciativa de Hoover, essa mudança de paradigma da

política entre os EUA e a América Latina precisava de outros fatores conjuntos para se

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concretizar. Uma larga aceitação interna, por parte dos políticos americanos, assim como um

modo de governo mais próximo da população, que agradariam os intelectuais latinos, só veio

a ocorrer no governo de FDR.

Dedicaremos maior atenção à análise da política interamericana na próxima seção.

Porém, para uma visão macro do contexto, é importante salientar como se deu a ajuda prévia

e a entrada dos EUA na Segunda Guerra Mundial. Para isso trazemos um pouco do próprio

histórico de Franklin Delano Roosevelt, tanto no âmbito pessoal como sua carreira

profissional.

Americano de oitava geração e origem holandesa, Franklin Roosevelt foi—como

seu primo em quinto grau, o presidente Teddy Roosevelt— “de impecável estirpe

nova-iorquina, com várias gerações de prosperidade atrás de si. Se hoje há uma

aristocracia norte-americana... os dois Roosevelt claramente pertencem a ela”.

(ROBERTS, 2012, p. 50)

Citando o biógrafo Roy Jenkins, Andrew Roberts apresenta FDR como um americano

exemplar. Curiosamente, Theodore Roosevelt também foi de importância para a definição do

que é o americano, ao trazer à tona personagens como Daniel Boone, pioneiro da marcha para

o Oeste, para o panteão americano. Ambos os Roosevelt, portanto, acabam compondo o que é

o americano, em recortes e momentos distintos, mas ecoando valores muito semelhantes.

O início da carreira de Franklin se dá como Senador de Nova York, entre 1910 e 1913.

Na administração de Woodrow Wilson assume como subsecretário da Marinha. Esse

momento de sua carreira se reflete no seu pacifismo e na sua valorização de um projeto de um

fórum mundial, que ao final da guerra se concretiza sob a forma da Organização das Nações

Unidas.

Mesmo sendo um defensor e entusiasta da Marinha, por conta de sua atuação enquanto

subsecretário como por um histórico anterior, FDR rapidamente compreende que é através das

forças aéreas que os conflitos modernos seriam solucionados (ROBERTS, 2012, p.51). Essa

posição foi muito bem acatada e se tornou um dos pontos de grande esforço por parte dos

EUA em todo o período observado. A produção massiva de equipamentos de aviação é

destacada inclusive na Em Guarda.

Em 1921 FDR é acometido pela poliomielite, ficando paralisado da cintura para baixo.

O que poderia simbolizar uma imensa fragilidade acaba se tornando um símbolo de força. Em

diversos discursos, Roosevelt se mantinha em pé por muito tempo, com a ajuda de aparelhos.

Vargas aponta em seu diário, quando da vinda do presidente americano em 1936, que “o

próprio defeito físico que o torna um enfermo de corpo aperfeiçoa-lhe as qualidades morais e

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aumenta o interesse pela sua pessoa.” (apud TOTA, 2000, p.179). O que poderia ser visto

como uma fragilidade acaba engrandecendo o espírito de Roosevelt.

Entre 1928 e 1932 foi Governador de Nova Iorque, solidificando assim sua

importância e capacidade política. Em 1932 é, então, eleito Presidente dos EUA. Para tal feito

é importante lembrar que ele recebeu apoio de diversos setores e grupos, como o caso dos

Rockefeller. Foi na esperança de uma forte mudança, através do New Deal que Roosevelt se

tornou um dos principais nomes da política americana e internacional.

O histórico do então presidente o levou a uma mudança paradigmática na política

externa. Antes de 1942 ele, mesmo com discursos dúbios, já indicava o seu desejo de fazer

com que os EUA entrassem na Segunda Guerra Mundial. Ele compreendia que a ameaça não

era apenas uma questão europeia, além de que a guerra atravancava as possibilidades

comerciais do seu país. Imbuído de valores reforçados pelo New Deal e com o ataque à Pearl

Harbor, em Dezembro de 1941, os Estados Unidos da América declaram guerra aos países do

Eixo.

As transações comerciais e mesmo os alinhamentos, em especial com Winston

Churchill, primeiro ministro britânico, já haviam iniciado anteriormente. O principal

demonstrativo dessa aproximação progressiva foi a Carta do Atlântico, de 14 de agosto de

1941, documento no qual foram acertados compromissos que mostravam a aproximação entre

a Grã-Bretanha e os EUA.

A carta foi firmada junto com outros acordos que comprometiam os EUA na produção

e apoio econômico e estratégico, mesmo que com certa neutralidade em relação ao conflito.

Naquele mesmo momento histórico estava sendo criada a OCIAA e surgia a revista Em

Guarda: Para a defesa das américas. A política da Boa Vizinhança se iniciou com uma

proposição de aproximação comercial, uma vez que a Europa estava em guerra, mas acabou

ganhando proporções de defesa, uma vez que a ameaça nazista se provava cada vez mais

intensa na região.