Capítulo 1 – O Percurso até a OCIAA
1.3 O Office e Rockefeller
Conforme foi indicada na introdução do presente capítulo, a maior parte das
informações aqui colocadas foram retiradas do relatório oficial da OCIAA. Escrito em 1947
por Donald Rowland, a pedido do Presidente dos EUA, o relatório traz com detalhes toda a
história da agência. Tem como fonte, além dos memorandos e documentos formais, algumas
gravações e cartas pessoais dos funcionários. Sempre que uma informação aqui colocada não
indicar uma fonte, é àquele relatório que ela se fundamentou.
Num ambiente de favorecimento dos fóruns e das relações internacionais mais amplas,
o governo Roosevelt se encontra aberto para uma intervenção como fez Nelson Rockefeller.
No dia 14 de Junho de 1940 ele entrega à Harry Hopkins, um dos assessores de maior
confiança do presidente, um documento intitulado “Hemisphere Economic Policy”. No dia 15
de Junho FDR envia para os secretários de Estado, comércio, tesouro e agricultura, um
memorando com o documento de Rockefeller anexado pedindo uma avaliação sobre o tema
até o dia 20 de Junho.
Após alguns debates e procedimentos burocráticos, chegando a passar por outras
tentativas de formato dessa mesma agência, no dia 16 de agosto de 1940, Nelson Rockefeller
se torna oficialmente o coordenador do OCIAA. Sua nomeação foi bem arquitetada
anteriormente e para assumir o cargo ele se afastou de todas as demais funções que tinha, com
exceção da presidência do MoMA. Passou a ser um “dolar-a-year man”, recebendo um dólar
por ano de trabalho na função de coordenador.
Com apenas 32 anos, Nelson Aldrich Rockefeller se torna um dos nomes mais
influentes das relações interamericanas. Suas principais preocupações se voltam a estabelecer
uma aproximação continental utilizando-se principalmente dos recursos privados.
Oficialmente o seu cargo era responsável por:
... estabelecer e manter as conexões entre a Comissão Consultiva do Conselho de
Segurança Nacional, os diversos departamentos e estabelecimentos do Governo
além de outras agências, públicas e privadas, de acordo com a sua necessidade ou
vontade, para garantir uma coordenação apropriada, com economia e eficiência, das
atividades do Governo no que diz respeito à defesa do Hemisfério, com especial
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atenção aos aspectos comerciais e culturais do problema. (apud ROWLAND, 1947,
p. 7).
13O nome de Rockefeller se encaixa muito facilmente a essa descrição. Descendente de
uma família de grande influência econômica, uma das mais ricas do mundo até hoje, foi
educado e preparado desde cedo para poder assumir as responsabilidades de administrar tal
fortuna. Em diversos sentidos o histórico e os modos dessa linhagem se assemelham à
descrição weberiana de protestantes que incorporaram o espírito do capitalismo em sua ética
protestante.
Nelson foi educado com base em preceitos evangelistas. Todas as manhãs, às 7h45,
a família reunia-se para o café e para as primeiras orações. O ritual era repetido ao
entardecer, antes do jantar. Seguindo os mesmos princípios religiosos, os
Rockefeller adotaram uma política filantrópica, visando mudar a imagem de suas
empresas, conhecidas pela violência no trato com os trabalhadores. (TOTA, 2000, p.
44)
As raízes protestantes, por mais que Nelson não fosse o mais ortodoxo, fundaram-se
firmemente no seu modo de agir. Essa é a transformação laica que Tocqueville aponta, uma
vez que os valores religiosos se tornam parte de um cotidiano não necessariamente sacro. Tota
fala, sobre a nomeação de Nelson Rockefeller, da seguinte maneira:
A junta de Rockefeller mudou-se para Washington, e a rotina para organizar o
Office foi, desde o começo, bastante intensa e dura, como seria de esperar de um
protestante que tinha no trabalho sua fé. O dia de Nelson e de sua família começava
como nos tempos de sua infância. Só que agora era ele quem sentava à cabeceira da
mesa. [...] após uma breve oração, substituindo a Bíblia pelos jornais diários, lia as
notícias para a família. (TOTA, 2000, p. 50)
A OCIAA passa a ser não apenas um cargo, mas uma missão. Nelson Rockefeller
passa a ser o missionário escolhido para liderar os americanos por essa expansão do
americanismo por todas as “outras” américas. Diversas vezes de maneira direta ele intervêm
nos projetos, e podemos ver a sua influência inclusive em escolhas temáticas para a revista
Em Guarda. Seu interesse por arte transparece em matérias que constam tanto sobre os EUA
como sobre a América Latina, nas quais se faz questão de detalhar sobre as artes em suas mais
variadas formas.
Apesar de ter sido criada para os tempos de tensão e conflito, a agência tinha entre
seus funcionários, principalmente Rockefeller, uma ideia de um plano mais a longo prazo. Ele
13
Tradução livre de: “... establish and maintain liaison between the Advisory Commission of the Council of
National Defense, the several departments and establishments of the Government and such other agencies, public
or private, as he might deem necessary or desirable, to insure proper coordination of, with economy and
efficiency, the activities of the Government with respect to Hemisphere defense, with particular reference to the
commercial and cultural aspects of the problem.”
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acabou sendo frustrado no pós guerra, tanto pela mudança do presidente como pelo contexto
que se gerou. O relatório de Rowland torna clara essa conexão entre o público e privado, e
entre a economia e a cultura, ao apontar as funções e compreensões do que viria a ser o
Office.
Na verdade, todo o programa que foi realizado deve ser visto como parte dos
esforços de guerra e avaliado desta maneira; a suposição básica durante os anos mais
críticos da guerra era a de que ele estava lutando, à sua maneira, uma batalha tão
importante quanto as da linha de frente. Sua primeira arma era o dinheiro, para ser
utilizado na manutenção do bem-estar econômico e social das outras republicas
americanas, com operações em nutrição, saúde e saneamento, e até educação,
direcionada para esses objetivos. Outra parte do esforço era focado na informação,
distribuído através de diversos veículos para informar as outras nações americanas
os objetivos de guerra dos Estados Unidos e para aumentar o conhecimento (tanto
nesses países como nos Estados Unidos) das ideias e ações das repúblicas vizinhas
do hemisfério. (ROWLAND, 1947, p. 8)
14São, então, dois os principais recursos utilizados: O dinheiro e a informação,
colocados como equivalentes em importância e como munição para o combate ideológico. A
Segunda Guerra Mundial tem como grande diferencial em relação a outros conflitos o fato de
ter ganhado um lugar no imaginário das populações, o que não ocorrera antes. Embora as
guerras televisionadas só tenham ocorrido anos depois, a massificação da informação e a
utilização da indústria do entretenimento foram bastante exploradas e se tornaram chave
naquela ocasião. Tanto que um dos temas mais reincidentes até hoje nos filmes de Hollywood
é a Segunda Guerra Mundial.
A presente pesquisa se volta principalmente ao eixo da informação. É importante
ressaltar que esse conhecimento mútuo também se deu através de intercâmbios culturais. No
livro Imperialismo Sedutor, o professor Tota elenca e aponta com detalhamento diversas
dessas relações. Por sua vez no livro Guerra como negócio, da professora Érica Monteiro, são
ressaltadas como ocorreram as relações entre o público e o privado, em especial na indústria
cinematográfica.
A revista Em Guarda: Para a defesa das Américas foi o maior veículo de produção
direta da OCIAA. A divisão de comunicação compunha a maior parte da agência e, por sua
vez, a publicação representava o seu principal produto. Comprova-se assim a importância
14
Tradução livre de: “In fact, the entire program carried out by it must be viewed as a part of the war effort and
evaluated on that basis; the basic assumption of the agency through the critical years of the war was that it was
fighting a battle fully as important in its way as that in the front lines. Its first weapon was money, to be utilized
to maintain the social and economic welfare of the other American republics, with operations in nutrition, health
and sanitation, and even education, directed toward this objective. Another part of the campaign was concerned
with information, dispensed through all media to inform the other American nations of the war objectives of the
United States and to increase understanding (both in those countries and in the United States) of the ideas and
doings of neighboring republics of the hemisphere.”
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tanto desta pesquisa como da revista em si. Infelizmente ela acabou se perdendo e restaram
poucas coleções completas para estudo.
A divisão de Comunicação inicia seus trabalhos no Outono de 1940, e os encerra em
Agosto de 1945, transferindo suas responsabilidades para o Interim Information Service. Ela
passou por algumas dificuldades de definição de quais seriam seus serviços e objetivos em um
primeiro momento, uma vez que àquela divisão também cabia selecionar as notícias que
seriam enviadas para a América Latina.
Isso acontece, pois:
Os objetivos do programa de informação do [O]CIAA eram divididos em duas
partes. Em primeiro lugar, o Coordenador queria uma cooperação muito próxima e
ações conjuntas decisivas sobre os novos e constantemente mutáveis problemas de
todos os países do Hemisfério Ocidental, e isso ele acreditava que dependia no
“apoio de uma opinião pública plenamente informada que entende os significados
dos eventos que estavam acontecendo em casa e ao redor”. Em segundo lugar, ele
estava almejando ir de encontro e contra atacar o programa de propaganda do Eixo
que estava sendo veiculado através do rádio, através de colunas de notícias, através
de imprensa subsidiada e por vários outros meios. (ROWLAND, 1947, p. 41)
Seja qual for o veículo, Divisão de Comunicação deveria estar pronta para levar a
informação necessária. Como podemos ver no próprio relatório, não se entendia apenas uma
ideia de informar, per se, mas sim de formar opinião. A sedução se dava de uma maneira
menos impositiva. É uma ideia de se criar uma hegemonia, no sentido gramsciniano, e não
apenas impor uma proposta ideológica.
Dentro da proposição de transmissão de informação confiável e de alto padrão, como
maneira de ressaltar a capacidade americana, surge, de fato a Em Guarda:
Uma das maiores operações da Divisão de Imprensa foi a publicação de uma revista
pictográfica para retratar e dramatizar as medidas de defesa domadas pelos Estados
Unidos. Essa revista foi originalmente projetada no Outono de 1940 pelo Sr. Karl A.
Bickel que fez a sugestão de cerca de seis edições de uma “revista pictográfica de
qualidade” ser lançada pela agência. (ROWLAND, 1947, p. 46)
15Como vemos, o projeto tomou um ano entre sua primeira proposição e a sua
publicação. Muitas mudanças foram sendo feitas nesse período, desde o número de páginas
até sobre as línguas na qual a revista seria publicada
16. Pensado inicialmente apenas para
divulgar o exército, a revista teria uma duração muito mais curta, como previu Bickel. Mas
15
Tradução livre de: “One of the first major operations of the Press Division was the publication of a pictorial
magazine to portray and dramatize the defense measures being taken by the United States. This magazine was
first projected in the fall of 1940 by Mr. Karl A. Bickel who made the suggestion that about six issues of a
"quality pictorial magazine" be put out by the agency.”
16
Todas as edições foram lançadas tanto em Espanhol como em Português. Não obtivemos acesso às edições em
espanhol para constatar se as matérias seriam as mesmas.
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com algumas mudanças editoriais, visando uma maior qualidade, optou-se por expandir a
temática.
As duas primeiras edições, por uma questão de contrato, acabaram seguindo o formato
inicialmente proposto. Inclusive, elas foram publicadas em um formato físico diferente em
relação aos números que se seguiram. A partir do terceiro número elas passaram a contar com
uma equipe de editores vindos da Life, a maior revista pictográfica do período. Isso fica claro
no formato e na valorização das imagens. A diagramação dos textos passou a se assemelhar
muito à organização visual adotada por aquela revista americana de grande circulação.
Os temas também foram se alterando. De reportagens estritamente voltadas ao âmbito
militar, como encontramos nas primeiras edições, até pautas relacionadas à vida artística e
cultural dos países latino-americanos, como encontramos nas últimas edições. São matérias
sobre o front, sobre os encontros diplomáticos e diversos relatos sobre vivências, tanto nas
batalhas contra os nazistas como nas indústrias.
A primeira edição enfrentou algumas dificuldades até ser de fato lançada. Isso
aconteceu também em razão da qualidade desejada para o material. Inicialmente, por se tratar
de uma revista com foco nos assuntos militares, a revista receberia o nome “En Marcha”. A
conotação de agressividade era clara, e demonstrava ao leitor a ideia de que os EUA estariam
avançando para defender o Ocidente de qualquer perigo.
Entretanto o Departamento de Estado objetou o título “En Marcha”; naquele
momento os Estados Unidos não haviam entrado na guerra, e esse título era visto
como por demais agressivo. “Em Guarda” foi escolhido para substituir como uma
representação muito melhor da atitude de defesa do hemisfério contra agressões
externas, e esse título foi usado por todo o restante da vida da revista. (ROWLAND,
1947, p. 48)
As duas primeiras edições foram feitas dentro de um contrato com a Editors Press
Service, Inc. Mas já em 20 de agosto de 1941 um novo contrato foi feito, e dessa vez com a
Business Publishers International Corporation. O modelo de contratação firmado não
garantia uma periodicidade exata, assim como era um acordo com um prazo de apenas um
ano. As decisões editoriais mais impactantes ficaram ainda sob comando do OCIAA, mesmo
havendo liberdade para uma alteração no número de cópias produzidas.
A distribuição foi, de certa maneira, turbulenta uma vez que a lista de contatos era
influenciada por muitos interesses. A Business Publishers International Corporation já tinha
uma lista de quem receberia a publicação, e essa foi uma das razões para a contratação dessa
empresa. Porém, com o passar do tempo, essa lista foi tomada pelo OCIAA e passou a receber
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inúmeras adições. Inclusive as subsidiárias do OCIAA, nos países latinos, também enviavam
nomes para serem adicionados.
Esses procedimentos geraram grandes problemas de organização, fazendo com que a
lista tivesse que ser revisada constantemente. Isso ocorreu também em função da decisão de
oficialmente não se vender a revista, apesar de alguns volumes serem dedicados a esse fim. O
preço sugerido era apenas simbólico, de 10 centavos de dólar, afinal a comercialização não
era o objetivo da revista.
As primeiras duas edições tiveram 80.000 cópias, passando na terceira para 75.000 e
chegando a 200.000 exemplares após Pearl Harbor. Posteriormente a revista chegou a
alcançar a marca de 550.000 cópias para algumas edições. Até hoje essas marcas são
impressionantes se pensarmos que são poucas as revistas no mundo que chegam nessa
tiragem. O feito torna explícito o quanto a publicação movimentou e representa o esforço
editorial do qual ela foi fruto. Isso ainda é atestado quando vemos que:
A revista Em Guarda em si foi uma das revistas de mais alta qualidade impressas
pelas agências de informação do Governo dos Estados Unidos para distribuição
externa durante a guerra. Papel de qualidade era usado, e suas ilustrações (que
somavam até 50 por cento de cada edição) em vários casos eram de diversas cores.
(ROWLAND, 1947, p. 49)
Algumas discussões internas acerca da importância de tamanha qualidade para a
publicação ocorreram. Houve acusações inclusive da revista não atingir as grandes massas, e
que seria necessário inclusive simplificar a publicação para que se atingisse um público
maior. Ao mesmo tempo, alguns argumentavam que eram as classes mais altas que seriam as
maiores beneficiárias da publicação, e isso acabaria justificando a qualidade mais refinada.
Enfim, a revista Em Guarda cumpriu de maneira geral sua função. Na sua última
edição, que teve menos páginas do que as demais, há uma nota na primeira página, quanto a
ela ter atingido seus objetivos. Emoldurada em destaque ao lado de uma foto de mais de uma
página da primeira reunião da Organização das Nações Unidas, aquela edição traz a seguinte
mensagem:
“A direção da EM GUARDA, lamenta participar que a publicação da revista termina
com este número. A generosa acolhida que recebemos de nossos numerosos leitores
demonstrou que EM GUARDA preencheu seus fins, muito contribuindo para
estreitar ainda mais os laços da tradicional amizade reinante entre o povo do Brasil e
dos Estados Unidos.” (EM GUARDA, 1945, p.1).
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No documento
PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC-SP IBERÊ MORENO ROSÁRIO E BARROS
(páginas 38-45)