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A formação de professor(a) e as questões de gênero

Nos cursos de formação de professores(as), os/as estudantes somente têm conseguido assumir um papel crítico de intelectual transformador(a) muito tempo depois de sua formação. Segun- do Giroux (1997), não é comum, nos atuais cursos de formação, o estímulo aos/às estudantes para que assumam uma postura in- telectual comprometida com um projeto de emancipação social que reflita sobre as contradições sociais, sobre as questões polí- ticas e econômicas e, muito menos, sobre as questões relativas às assimetrias de gênero. Os cursos têm visado mais a inclusão do contingente de estudantes no mercado de trabalho, o que signi- fica dizer que não visa à transformação social, mas, ao contrário, com o processo de formação, busca-se adequar os(as) estudantes às atuais demandas do sistema capitalista.

Sendo assim, o encorajamento aos/às professores(as) para as- sumirem a função de intelectuais transformadores(as), constitui o primeiro passo da mudança e a reestruturação da natureza da atividade docente, visando tanto o questionamento das condi- ções desiguais em termos de classe quanto de gênero, raça e et- nia. Giroux (1997) reconhece no(a) professor(a) um(a) intelectual orgânico(a), fundamental para o desenvolvimento da educação e para a mudança da prática educativa, pois, esse é um trabalho intelectual que pode promover mudanças tanto no âmbito indi- vidual (mentalidade) quanto coletivo, por meio de práticas sociais que visem mudanças estruturais na sociedade.

Os professores (as) como intelectuais devem ser vistos em ter- mos dos interesses políticos e ideológicos que estruturam a na- tureza do discurso, relações sociais em sala de aula e valores que legitimam em sua atividade de ensino. (GIROUX, 1997, p. 163)

Na medida em que o (a) professor(a) se reconhece como um(a) intelectual, agente importante no processo de mudança de mentalidades e de práticas educativas, ele busca implemen- tar, respaldado(a) nas teorias críticas de gênero, a desconstrução de toda prática repressora e discriminatória no contexto escolar. Como intelectual, buscará desenvolver suas atividades docentes com o objetivo de construir conhecimentos mais politizados, his- toricizados, no que se refere às questões de gênero, desvelando as ideologias sexistas presentes nos conteúdos disciplinares, nas metodologias, nas práticas de currículo que, durante muito tem- po, a ingenuidade teórica contribuiu para que passassem desper- cebidas.

O(A) professor(a), ao assumir a postura de um intelectual transformador(a), pode fornecer a liderança moral, política e pe- dagógica para aqueles grupos que tomam como ponto de partida a análise crítica das condições de opressão sofridas por mulheres e homens, por sua condição de classe, de raça, de etnia e de gêne- ro, desenvolvendo modos de resistência contra-hegemônicos nas suas práticas educativas.

Os educadores progressistas de várias formações ideológicas precisam fazer das escolas centros de aprendizagem e propó- sitos democráticos. Os programas de formação de professores podem desempenhar um importante papel no fornecimento de lideranças necessárias para tornar as escolas responsivas à ne- cessidade da democracia [...]. (GIROUX, 1997, p. 211)

Nesse sentido, a concretização de práticas inovadoras que promovam a equidade de gênero depende da articulação e or- ganização política dos(as) docentes no enfrentamento de práti- cas discriminatórias e sexistas na escola. É preciso criar, de modo coletivo, uma contra-hegemonia que aponte para ações mais concretas e articuladas, visando a uma efetiva transformação. É necessário a implementação de verdadeiras reformas nas escolas,

que devem ser de cunho socialista e coletivo, visando combater qualquer tipo de violência, seja de gênero, raça, classe, etnia, ou homo/lesbo/transfóbica. Essa mudança radical nas práticas esco- lares somente será possível por meio da busca de aliados, da ela- boração de uma ação política concreta e da alteração de práticas curriculares conservadoras.

O educador Paulo Freire (1996, p. 102-103) nos convoca a re- fletir um pouco mais sobre o papel do(a) professor(a) como agente de resistência, como agente contra-hegemônico e transformador.

Não posso ser professor se não percebo cada vez melhor que, por não poder ser neutra, minha prática exige de mim uma definição. Uma tomada de posição. Decisão. Ruptura. [...] Sou professor a favor da luta constante contra qualquer forma de discriminação, contra a dominação econômica dos indivíduos ou das classes sociais. Sou professor contra a ordem capitalista vigente que inventou esta aberração: miséria na fartura [...].

Assim como Freire, Apple (1989) também aposta na formação política dos(as) professores(as) como principal alternativa de reais mudanças na educação, pois é na dinâmica das relações pedagó- gicas cotidianas entre professores(as) e alunos(as) que são fomen- tadas novas visões de mundo, despertando nos(as) alunos(as) um olhar mais crítico para realidade, ensinando-os formas de intervir concretamente na realidade a que integram fora do espaço esco- lar. Precisamos, assim, “[...] continuar o lento e cuidadoso tra- balho de educação política dos professores e outros trabalhadores dentro do estado”. (APPLE, 1989, p. 141)

Por isso, é imprescindível que os/as professores(as) se reco- nheçam livres e passem a exercer essa liberdade, assumindo, ati- vamente, seu preponderante papel na construção de uma nova educação. Essa participação deve ocorrer de forma crítica e segu- ra, respaldada no amadurecimento intelectual desses profissio- nais que precisam ser donos de sua prática, saber o que querem

ensinar, para que e, não menos importante, pensar em como de- senvolver esses processos. Entretanto, antes de tudo, é preciso saber qual ser humano se deseja formar, para, então, começar o trabalho de construção do currículo, pois toda prática educativa pressupõe uma intencionalidade, como nos adverte Freire (1996, p. 70):

[...] toda prática educativa demanda a existência de sujeitos, um que, ensinando, aprende, outro que, aprendendo, ensina, daí o seu cunho gnosiológico; a existência de objetos, conteúdos a serem ensinados e aprendidos; envolve o uso de métodos de téc- nicas, de materiais; implica, em função de seu caráter diretivo, objetivo, sonhos, utopias, ideais. Daí a sua politicidade qualida- de que tem a prática educativa de ser política, de não poder ser neutra (grifos do autor).

Mas, para isso, é necessário que o professorado conquis- te sua autonomia; é imprescindível a tomada do controle sobre sua prática docente, sobre os programas curriculares, sobre sua profissão, visando novas práticas sociais, tanto dentro do espaço escolar quanto na sociedade mais ampla. Isso demanda, ainda, a criação de alianças políticas entre professores(as) e toda a equipe escolar, sendo necessário haver uma reconfiguração das relações sociais, das práticas de ensino, das questões organizativas e ad- ministrativas de todo o sistema escolar, para que a escola, de fato, não somente instrua, mas também, forme os sujeitos, sobretudo, politicamente.

Nesse contexto, as relações de gênero precisam ser levadas em consideração na formação docente, sendo discutidas e pro- blematizadas, como sugere Apple (1989), à luz das epistemologias feministas que darão conta de analisar o papel da educação na reprodução das relações desiguais de gênero. Por isso, há a ne- cessidade de intervir nos cursos de formação para o magistério, no intuito de fomentar novas práticas educativas. Maria Eulina

Carvalho (2003) aponta duas sugestões inovadoras: a primeira, de ordem teórica, seria problematizar o conceito de gênero; e a segunda, articular essa teoria com a construção de práticas mais igualitárias e menos discriminatórias, analisando e criticando quais aspectos curriculares reforçam as desigualdades de gênero, para, então, tentar eliminá-las.

Desse modo, investir na formação docente e promover a dis- cussão sistematizada das teorias desconstrucionistas seria uma alternativa para a desocultação da ideologia androcêntrica, dos preconceitos sexistas presentes no conhecimento, na linguagem, no currículo escolar, nas práticas pedagógicas que compõem a dinâmica do processo ensino-aprendizagem. Incluir a discussão de gênero no processo de formação do(a) professor(a) é promover a formação de sujeitos mais críticos e reflexivos, promotores de uma educação mais igualitária, mais humana na qual a equidade de gênero, o respeito à diversidade e a valorização da diferença se tornem princípios norteadores de toda práxis educativa.

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