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Aproximações ao conceito de formação de professor

Neste trabalho aborda-se o conceito de formação de professor e sua imbricação com as questões de gênero, tomando como re- ferência a micro realidade do curso normal médio do Instituto de Educação Euclides Dantas. Para tanto, inicialmente faremos uma discussão epistemológica em torno do conceito de formação de professor, sua origem e implicações políticas e ideológicas na prá- xis educativa. Num segundo momento, tentaremos apontar a es- treita relação entre o processo de formação docente e a mudança da práxis educativa, no sentido de fomentar novos modos de pen- sar e agir em sala de aula que levem em consideração a perspecti- va de gênero e seu projeto de construção de uma sociedade mais

justa e igualitária, sendo o professor o intelectual transformador giroux, (1997), que visa a construção de novas práticas educativas. Para construir a categoria de intelectual transformador, Gi- roux (1997) baseia-se nos escritos de Antônio Gramsci (1982) que acreditava no papel fundamental do intelectual orgânico para a transformação social. Nesse sentido, o(a) professor(a) como inte- lectual transformador(a) é fundamental para a mudança educa- cional que aspiramos, bem como das obsoletas práticas educativas, presas ainda ao nocivo tradicionalismo tecnocrático, a ideologias androcêntricas e práticas sexistas.

A educação é uma ação que, desde os tempos mais remotos, visa à socialização dos seres humanos. Por meio do processo edu- cativo, o ser biológico é socializado e, assim, adquire os traços culturais de humanidade, transformando-se em mulheres e ho- mens adaptados. Como já evidenciou Simone de Beauvoir (1980), com sua célebre frase, “não se nasce mulher, torna-se mulher”, fica notório o grau de responsabilidade da cultura e da educação no processo de “humanização do homem”,1 já que este não nas- ce pronto, havendo então a necessidade de formá-lo, de torná-lo cada vez mais humano. (SEVERINO, 2006, p. 621) Ainda confor- me este autor:

[...] a formação é processo do devir humano como devir huma- nizador mediante o qual o indivíduo natural devém um ser cul- tural, uma pessoa - é bom lembrar que o sentido dessa categoria envolve um complexo conjunto de dimensões que o verbo for- mar tenta expressar: constituir, compor, ordenar, fundar, criar, instruir-se, colocar-se ao lado de, desenvolver-se, dar-se um ser [...].

No que concerne à sua origem, a palavra formação se originou na língua alemã bildung (formação), no final do século XVIII. Esse

termo, segundo Bolle (1997), não encontrou equivalentes quanto ao seu significado em outras línguas, como o inglês e o francês, que desse conta de sua complexidade. Foi com o conceito de for-

mação, na língua portuguesa, que o Bildung mais se assemelhou

em complexidade e equivalência de significado. trata-se de um conceito altamente complexo, com uma extrema aplicação nos campos pedagógico-educacional e da cultura, sendo impres- cindível para a reflexão e a compreensão sobre o ser humano e a humanidade, sobre a ética, a criação, a sociedade e o Estado. Possuidor de uma bagagem ideológica significativa, o conceito de

bildung somente passa a ser compreensível quando associado ao

processo de evolução político-social da sociedade alemã. Forma-

ção, tal como bildung, é um conceito genuinamente histórico e,

assim, o ser do espírito está vinculado “essencialmente” com a ideia da formação. (MACEDO, 2005)

Segundo Berbaum (1982 apud GARCIA, 1999, p. 20),

[...] uma ação de formação corresponde a um conjunto de con- dutas, de interações entre formadores e formandos, que podem ter múltiplas finalidades, explícitas ou não, e com as quais existe uma intencionalidade de mudança.

Há também, uma sutil diferença entre educação e formação, pois “a educação é uma ação realizada a partir do exterior para contribuir com o desenvolvimento pessoal e social dos indivíduos, referindo-se geralmente a sujeitos não adultos”, diz Carlos Marce- lo Garcia (1999, p. 18-19). Quanto à formação, os sujeitos adultos devem contribuir para o processo de sua própria formação a partir das representações e competências que já possuem. Assim a for- mação ajudaria os indivíduos a transformarem os acontecimentos que ocorrem em sua vida cotidiana, em experiências significativas, tendo em vista um projeto cultural e coletivo. Completa Garcia (1999, p. 21):

Para que uma ação de formação ocorra, é preciso que se produ- zam mudanças através de uma intervenção na qual há partici- pação consciente do formando e uma vontade clara do formador de atingir os objetivos explícitos.

Segundo Fabre (1995 apud COStA E SILVA, 2000), torna-se relevante conceber a formação como conceito e prática, como ação ontológica, pois, na formação, é o próprio ser que está em causa na sua forma. A formação apela para uma enunciação, pelo próprio sujeito, de questões que ele representa como consubs- tanciadoras do seu projeto, do seu devir e que não pertencem, exclusivamente, ao domínio dos objetos exteriores com os quais estabelece relação, mas, fundamentalmente, ao domínio do ser, consigo próprio e com os outros, estabelecendo uma ligação es- treita entre o ser e o fazer, o ser e o saber. (ALIN, 1996 apud COStA E SILVA, 2000)

Sendo assim, Antônio Joaquim Severino (2006, p. 621) afirma, ainda, que

[...] a ideia de formação é, pois, aquela do alcance de um modo de ser, mediante um devir, modo de ser que se caracterizaria por uma qualidade existencial marcada por um máximo possível de emancipação, pela condição de sujeito autônomo, uma situação de plena humanidade.

Voltando a Macedo (2005), ele, além de destacar a autonomia, também chama a atenção para o princípio da corresponsabilidade formativa, como princípio político e ético, tanto no que se refere aos atores pedagógicos, aos saberes curriculares, quanto no que diz respeito às instituições, aos movimentos sociais, ou seja, à realidade concreta na qual esses sujeitos sociais estão imersos. Esse autor nos alerta para a necessidade de se construir um currículo de formação de professor(a) dentro dessa perspectiva de corresponsabilidade formativa. A formação docente possui uma dimensão de alta com- plexidade, não só por sua natureza, pois formar é algo complexo,

envolve tanto a dimensão de quem forma, professor(a) formador(a), como a de quem é formado, professor(a) em formação.

Ao levarmos em conta a dinâmica da corresponsabilidade formativa não correremos o risco de construir um currículo de formação desconectado da realidade concreta de formadores(as) e formandos(as). Em um processo dialógico, buscar-se-á a ar- ticulação entre teoria e prática, pois, segundo Giroux (1997), os programas de formação de professores(as) têm enfatizado, so- bremaneira, o conhecimento técnico, levando assim a um esva- ziamento teórico na formação desse docente o que acarretará um desenvolvimento de ações acríticas e práticas político-pedagógi- cas medíocres do ponto de vista teórico-crítico.

Em vez de aprenderem a levantar questões acerca dos princí- pios que subjazem os diferentes métodos didáticos, técnicas de pesquisa e teorias da educação, os estudantes, com freqüência, preocupam-se em aprender o ‘como fazer’, ‘o que funciona’ ou o domínio da melhor maneira de ensinar um ‘dado’ corpo de conhecimento. (GIROUX, 1997, p. 159)

Essa perspectiva tecnocrática, metódica, se preocupa apenas com os aspectos práticos da formação, deixando de lado a reflexão sobre a ação, com o que promove um agir mecânico, sem refle- xão, limitador da autonomia do(a) professor(a). Para se concreti- zar esse modo de formar, são oferecidos pelo poder constituído os chamados pacotes curriculares “à prova de professor(a)” que são pautados em princípios extremamente técnicos, nos quais o(a) professor(a) é visto(a) como mero(a) executor(a) de tarefas pre- concebidas. (GIROUX, 1997)

Sobre essa tentativa de limitação da prática docente e o es- vaziamento teórico do processo de formação de professor, Paulo Freire (1996, p. 114) salienta:

A liberdade de mover-nos, de arriscar-nos vem sendo subme- tida a uma certa padronização de fórmulas, de maneira de ser,

em relação às quais somos avaliados. [...] trata-se de uma asfixia realizada pelo poder invisível da domesticação alienante, que alcança a eficiência extraordinária, no que venho chamando de ‘burocratização da mente’.

Os pacotes prontos, formas eficazes de controle curricular, são cada vez mais frequentes nas escolas, respondendo ao processo de “burocratização das mentes”, ou seja, a tentativa de engessar a capacidade reflexiva do professor (a), com vistas ao controle ab- soluto da prática docente, a partir de pacotes pré-fabricados que minam a iniciativa e criatividade do professorado. Esse fato evi- dencia a lógica do controle capitalista e patriarcal que determina a instância dos(as) que pensam e a dos(as) que executam, limitando assim, a liberdade e a autonomia dos(as) professores(as) sobre as decisões de seu trabalho. Nesses pacotes há uma intencionalida- de em instaurar, nas escolas, modos programados de pensar e de agir, tentando criar um modo de ser das instituições escolares por meio do controle curricular. (GIROUX, 1997)

Segundo Macedo (2005), se precisa manter uma postura crí- tica diante dos modismos sobre a formação do(a) professor(a). Há uma ingênua interpretação de que tudo o que é novo é, automa- ticamente, bom e inovador; mas, na verdade, o que se tem visto é uma ineficácia dessas medidas. Então, surge uma necessidade de se examinar, mais profundamente, propostas de mudança que se dizem melhores do que as tradicionais, principalmente, quando chegam às escolas para serem postas em prática.

Essas ações denotam uma crescente desvalorização do papel do(a) professor(a) e a limitação de seu âmbito de atuação no pro- cesso formativo, graças a um bombardeio de fórmulas de ensi- nar que desconsideram a capacidade reflexiva e autônoma do(a) professor(a) sobre sua prática de ensino. Macedo (2005) criti- ca ainda a crescente valorização ou mesmo a substituição do(a) professor(a) reflexivo(a), pelos “golpes de marketing” do conhe-

cimento de fácil consumo. Nessa dinâmica, as competências do(a) professor(a) são relegadas a segundo plano.

A capacidade de reflexão docente sobre o fenômeno da apren- dizagem não é considerada como algo central a esse tipo de for- mação, ao contrário, o centro das atenções da formação está na prática. Essa preocupação exacerbada com o método leva a um sentimento de angústia nos(as) professores(as), desmobilizando e entediando esses sujeitos criativos. Na maioria das vezes, esses mé- todos não levam em conta as experiências dos(as) professores(as) formadores(as) e dos(as) professores(as) em formação, assim como suas dificuldades, no sentido de estabelecer um ciclo de re- flexões que promova a participação ativa desses sujeitos em todo o processo de formação; e, ainda, na contextualização do currículo, tendo em vista que são sujeitos sociais no mundo.

Assim, uma das maiores ameaças aos/às professores(as) das escolas públicas, tanto na atualidade quanto no futuro, é o desen- volvimento crescente de ideologias instrumentais que enfatizam uma abordagem tecnocrática para a sua preparação e também para a pedagogia de sala de aula. (GIROUX, 1997) Contudo, a formação como algo que visa à transformação do ser a partir de sua condição existencial, influenciada pelos condicionamen- tos histórico-sociais, não pode se imobilizar por uma perspecti- va tecnocrática de educação. Além disso, se quisermos incluir as discussões de gênero no currículo, com vistas a promover uma educação mais democrática e comprometida com a igualdade so- cial, precisamos romper com concepções e métodos de ensino e formação que contribuem com a burocratização das mentes e da prática dos(as) professores(as).

A formação de professor(a) e as questões de